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China abandona PIB meteórico para buscar avanço de qualidade

Guerra comercial deflagrada pelos Estados Unidos torna desafio do governo Xi Jinping ainda maior

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São Paulo

No discurso de três horas e meia que o líder chinês, Xi Jinping, fez no Congresso do Partido Comunista, em outubro do ano passado, uma frase chamou a atenção dos investidores mundiais: “Nossa economia saiu do estágio de alto crescimento e passou para o estágio de crescimento de alta qualidade”.

Era a mais clara sinalização de que o governo chinês abandonaria as metas ambiciosas de avanço do PIB de mais de 10% ao ano e passaria a buscar crescimento menor, em torno de 6,5%, concentrando-se no reequilíbrio da economia.

Anos de economia superaquecida deixaram uma série de sequelas na China: excesso de endividamento, enorme capacidade ociosa em vários setores e poluição recorde.

Agora, o grande objetivo do governo chinês é transformar sua economia excessivamente focada em investimento e exportação em um PIB que priorize o consumo doméstico.

 
A China tem uma classe média com poder de compra de cerca de 400 milhões de pessoas, mas tem adiante a tarefa de incorporar cerca de 1 bilhão de chineses no mercado consumidor, pessoas que estão próximas à linha de pobreza, a maioria na zona rural.
 
“Trata-se de uma manobra delicada, porque é necessário levar a população rural para o mercado de consumo, mas há o perigo de inflacionar a economia”, diz Otto Nogami, professor de economia do Insper.

O crescimento impulsionado pelo investimento e pela exportação trouxe desequilíbrios para o país, que enfrenta desigualdade de renda e de desenvolvimento regional.

Anos de estímulo fiscal e monetário governamental também resultaram em níveis altos de endividamento, estimados em cerca de 220% do PIB, cuja redução passou a ser um dos objetivos do crescimento com qualidade.

Além disso, Xi reiterou o compromisso de abrir setores da economia para investimento estrangeiro, uma reivindicação antiga de vários países.

Mas o desafio de reequilibrar a economia, que já não era pequeno, tornou-se ainda maior com a guerra comercial deflagrada pelos EUA.

No início de julho, o governo Trump impôs tarifas de 25% sobre US$ 34 bilhões em produtos chineses, e, em agosto, mais US$ 18 bilhões, totalizando US$ 52 bilhões. Entre os produtos afetados, estão TVs de tela plana, peças de aviões e equipamentos médicos.

A China retaliou, impondo tarifas sobre cerca de US$ 50 bilhões em produtos americanos. Entre as exportações atingidas estão o milho e a soja, politicamente sensíveis por virem de estados com grande apoio ao presidente Trump.

 
Navio com soja no porto de Paranaguá, no litoral do Paraná
Navio com soja no porto de Paranaguá, no litoral do Paraná - Eduardo Anizelli/Folhapress

Por enquanto, as tarifas em vigor atingem apenas 15% do comércio bilateral, que foi de US$ 635 bilhões em 2017, com déficit de US$ 375 bilhões para os americanos. Mas a situação pode deteriorar rapidamente, o que causaria efeitos difíceis de mensurar.

O presidente Trump anunciou na sexta-feira (7) que está prestes a impor tarifas de 25% sobre US$ 200 bilhões em produtos chineses, e que há outras sobretaxas, sobre US$ 267 bilhões, “prontas para entrar em vigor no curto prazo”.

Com isso, a totalidade das exportações chinesas para os Estados Unidos passaria a ser alvo de sobretaxas, configurando uma guerra comercial de grande escala.

Os EUA invocaram a seção 301 da Lei de Comércio de 1974 para justificar as sobretaxas. Essa lei —condenada pela Organização Mundial do Comércio— permite ao país impor tarifas de forma unilateral sobre países que violam leis ou prejudicam as exportações.

O governo Trump acusa a China de roubo de propriedade intelectual ao exigir que empresas americanas transfiram tecnologia para sócios chineses ao investir no país, além de afirmar que chineses fazem espionagem industrial.

“A guerra comercial com os Estados Unidos pode afetar setores de maior valor agregado da economia chinesa, e gerar migração de postos de trabalho para países satélite da China, como Vietnã e Indonésia”, diz Vinícius Rodrigues Vieira, professor de Relações Internacionais da FGV.

Movimentação no terminal de contêineres de Paranaguá, no estado do Paraná
Movimentação no terminal de contêineres de Paranaguá, no estado do Paraná - Eduardo Anizelli/ Folhapress

De acordo com o Fundo Monetário Internacional, os esforços da China para reequilibrar a economia e alcançar crescimento de qualidade precisam ser acelerados, porque a redução do endividamento está lenta e as exportações ainda são o principal estímulo do crescimento.

No entanto, a guerra comercial ameaça o ritmo das reformas. A Economist Intelligence Unit cortou a projeção de crescimento da China para este ano, de 6,7% para 6,6%, e para 6,2% em 2019 (era 6,4%).
Uma guerra comercial em grande escala entre EUA e China deve desacelerar o comércio mundial, e, consequentemente, o crescimento.

Um dos efeitos seria a queda no preço das commodities, que afetaria em cheio o Brasil, muito dependente da exportação de matérias-primas, como soja e minério de ferro.

No entanto, pontualmente, o Brasil vem se beneficiando dos atritos entre os dois gigantes. Com a soja americana menos competitiva no mercado chinês, o grão brasileiro está ganhando espaço, além de ser negociado com um prêmio, um acréscimo no preço.

As exportações brasileiras de carne suína —outro produto americano alvo de sobretaxa na China— devem fechar o ano com alta expressiva, segundo a Associação Brasileira de Proteína Animal.

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