Jornada de trabalho mais curta é saída para enfrentar o sumiço de vagas

Muitos países já reduzem a carga horária com outros objetivos, como a produtividade

Fernanda Canofre Gabriel Rodrigues
São Paulo

Jornadas de trabalho curtas são uma saída para enfrentar a redução de vagas no futuro. Muitos países, em especial os desenvolvidos, já reduzem a carga horária semanal, com outros objetivos.

Um deles é a produtividade. Outro está ligado à evidência de que trabalhadores em regime de longa jornada estão mais suscetíveis a erros e acidentes. “Há montes de dados comprovando isso”, diz à Folha Jon Messenger, pesquisador da OIT (Organização Internacional do Trabalho). 

Para testar a teoria, em março, uma seguradora da Nova Zelândia, a Perpetual Guardian, reduziu a semana de trabalho de seus 240 funcionários para quatro dias por dois meses, sem cortes nos salários. 

Reprodução de xilogravura do artista Fernando Vilela
Reprodução de xilogravura do artista Fernando Vilela - Eduardo Knapp/Folhapress

“Na maioria dos casos, a produtividade aumentou. Os níveis de estresse da equipe baixaram, o equilíbrio entre vida profissional e pessoal teve melhora”, diz Christine Brotherton, chefe de pessoal. 

Embora, em 1962, a OIT tenha definido 40 horas semanais como “padrão social a ser alcançado”, no Brasil, a Constituição de 1988 firmou a jornada de 44 horas.

Aqui, algumas empresas adotam outras formas de flexibilização. Além do trabalho remoto (“home office”), ganha espaço a “short friday”, saída mais cedo às sextas, com as horas a menos compensadas nos demais dias da semana.

“Chego, janto com meus pais, aproveito melhor a família”, diz Mirele Reis, 26, que trabalha com suporte de logística no site Buscapé, que aderiu às duas ideias. Uma vez por semana, funcionários podem trabalhar de casa.

A startup brasileira Neotriad, especializada em gestão, reduziu a jornada para seis horas diárias. “O pessoal trabalha, de fato, cinco horas e meia. Ninguém é robô que produz oito horas”, diz Christian Barbosa, presidente. Os salários foram cortados.

As pessoas vão trabalhar só 3 horas por dia em 2030?

A preocupação com um futuro sem trabalho já estava presente na obra de John Maynard Keynes (1883-1946). No ensaio “Possibilidades Econômicas para Nossos Netos”, publicado em 1930, o economista dizia que, em 2030, as pessoas trabalhariam cerca de três horas por dia.

Ainda que a ascensão dos robôs sugira a comprovação da teoria, de lá para cá, duas guerras mundiais e outros fatores mudaram o caminho.

A partir dos anos 1980, a tendência mundial de redução na jornada, que vinha desde o século 19, foi interrompida. Estudo publicado neste ano pela OIT diz que um terço da força de trabalho mundial (36,1%) trabalha mais de 48 horas semanais. E casos de jornadas menores estão mais ligados a subemprego e vulnerabilidade que a evolução.

A previsão de Keynes teve base em cenário com desemprego em massa causado por tecnologia. Como sobreviver? E o que definirá o que é trabalho? Segundo o historiador holandês Rutger Bregman, autor de “Utopia para Realistas” (Editora Sextante, R$ 39,90), essas ainda são as grandes questões do futuro.

“Todos esses sociólogos e economistas que previram uma jornada de trabalho de 15 horas por semana subestimaram a capacidade extraordinária do capitalismo de criar novos trabalhos ridículos, que não precisariam existir”, diz Bregman. “Muitas vezes, temos que trabalhar menos para fazer mais.”

Segundo ele, a jornada reduzida traria outras vantagens, como redução da pegada de carbono, mais saúde mental e igualdade de gênero. 

O escritor também defende a proposta da renda básica, enquanto a humanidade redefine o que entende como trabalho. “Seria a conquista máxima de estado de bem-estar social. Faria da vida sem pobreza um direito, em vez de um favor”, afirma.

Existem iniciativas locais de implantação da renda básica. Desde 2017, a Finlândia testa um piloto com 2.000 pessoas desempregadas, que recebem o equivalente a R$ 2.300. O teste deve durar dois anos.

O pesquisador Jon Messenger, porém, acredita que implementar a renda básica seria muito caro e inviável em vários países. “A redução de horas é uma solução melhor, mais eficiente, custa muito menos e está provada”, opina.

Já Bregman afirma que o maior obstáculo tanto para a adoção da renda básica quanto para a redução da jornada ainda é ideológico. 

“Temos que nos livrar da definição antiga do trabalho e, então, seguir para coisas novas. Trabalho é quando você faz algo interessante, ajuda outras pessoas, cria um produto ou serviço novo. Você faz do mundo um lugar um pouco melhor, isso é o que eu chamaria de trabalho”, diz. 

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