'Mobilidade é a pílula mágica capaz de fazer a sociedade se exercitar', diz urbanista

Guillermo 'Gil' Peñalosa afirma que os próximos 40 anos serão decisivos para o futuro das cidades

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Ciclista pedala no cruzamento entre as avenidas Faria Lima e Juscelino Kubitschek, na zona oeste de São Paulo

Ciclista pedala no cruzamento entre as avenidas Faria Lima e Juscelino Kubitschek, na zona oeste de São Paulo Eduardo Knapp/Folhapress

São Paulo

Considerado um dos cem urbanistas mais influentes do mundo, o colombiano Guillermo “Gil” Peñalosa diz que os próximos 40 anos serão decisivos para o futuro das cidades e que, para melhorar a mobilidade nos centros urbanos, não podemos só repetir as mesmas estratégias.

“Não há nenhum lugar que tenha resolvido seus problemas de mobilidade com carros privados. Tentamos isso por mais de cem anos.”

São dele os projetos das ruas abertas de Bogotá, que reservam mais de 120 km de vias para pedestres e ciclistas aos domingos. Hoje, está à frente da 8 80 Cities, ONG canadense que presta consultoria a prefeituras do mundo todo.

Ele falou à Folha de Fortaleza, onde participou do fórum Mobilize, nesta semana. 

O urbanista colombiano Guillermo Peñalosa, 62
O urbanista colombiano Guillermo Peñalosa, 62 - Divulgação

Qual é o maior desafio da mobilidade nas grandes cidades hoje? O grande desafio é que pessoas de todas as idades, condições sociais e econômicas possam chegar ao seu destino usando meios de transporte sustentáveis. 

Isso não acontece hoje porque nos últimos 80 anos fizemos cidades pensando mais nos automóveis que nas pessoas. Temos que mudar a prioridade. Somos 3,5 bilhões de pessoas vivendo em cidades. Em menos de 40 anos, seremos 7 bilhões. Temos uma grande oportunidade e também uma enorme responsabilidade de fazer direito. Se fizermos como nos últimos 40 anos, é preocupante. 

É possível dizer que um transporte público de qualidade por si só faria as pessoas deixarem seus carros na garagem? É preciso mudar a cultura. Trabalhar simultaneamente a mobilidade com o uso da terra, duas faces da mesma moeda. Precisamos que as cidades sejam muito mais compactas e densas. O ideal é que toda nova população cresça nas cidades existentes, sem ampliar a mancha urbana.

Obviamente temos que mudar a maneira como vivemos, ter como base uma cidade onde a grande maioria das pessoas se movimente a pé, em bicicletas ou transporte público. O carro não vai desaparecer, a maneira como o usamos é que vai mudar.

Algumas novas tecnologias, como patinetes elétricos, têm gerado conflitos na cidade. Como organizar o espaço para comportar esses novos meios de locomoção? As cidades devem ser pensadas para proteger os idosos, as crianças e os portadores de necessidades especiais. As calçadas são para caminhar. Andamos a 5km/h. Qualquer coisa que vá mais rápido que o dobro disso deve ir pela rua.

O fato de serem “dockless” (sem estação) faz com que esses patinetes e bicicletas sejam largados no meio da via. Deveríamos usar parte dos estacionamentos para carros e cobrar das empresas. É responsabilidade delas que os usuários não larguem as bicicletas como se fossem lixo. 

As políticas de mobilidade que impactam o carro são rejeitadas por parte da população. Como implementar essas medidas? Existem três formas de fazer isso. A primeira é escolhendo bons governantes, que façam o que é importante e não o que é fácil. 

A segunda é que os cidadãos se organizem para participar. Foi assim que Amsterdã e Copenhague começaram a construir suas estruturas cicloviárias, após manifestações nos anos 1960 e 1970. 
A terceira é se concentrar nos benefícios. Se queremos que as pessoas tenham saúde física e mental, preocupação com o ambiente, temos que fazer o necessário para isso. 

Nenhuma mudança é unânime. É preciso escutar a todos e tomar uma decisão. O interesse público deve se sobrepor ao privado.

Há relação direta entre felicidade e mobilidade? Muita. As pessoas que usam a mobilidade ativa e sustentável têm mais saúde mental e física.

Se você quer uma pílula mágica que faça a sociedade praticar exercícios, é a mobilidade. Ir a academia é um hábito de uma ou duas vezes na semana. Caminhar e pedalar até o trabalho é uma rotina. É a única forma de acrescentar atividade ao cotidiano.

Guillermo Peñalosa, 62

Urbanista colombiano, foi secretário de Parques, Esportes e Recreação de Bogotá entre 1995 e 1998 e responsável por projetos como o programa de ruas abertas da capital colombiana.

Doutor honoris causa pela Faculdade de Arquitetura e Planejamento Urbano da SLU, na Suécia, foi listado entre os cem urbanistas mais importantes do mundo pelo site Planetizen. É embaixador da Organização Mundial de Parques Urbanos e diretor da organização 8 80 Cities

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