Descrição de chapéu 2º Seminário Economia da Arte

Impostos e burocracia desestimulam filantropia na cultura

De 75 países pesquisados pela FGV, apenas 3 não incentivam doações: Croácia, Coreia do Sul e Brasil

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São Paulo

O brasileiro doa pouco e cada vez menos. Culpa disso, em parte, é da burocracia e dos impostos, que dificultam e encarecem a filantropia no país.

O diagnóstico foi feito por Eduardo Pannunzio, coordenador de pesquisa jurídica aplicada na FGV Direito, durante o 2º Seminário Economia da Arte, realizado pela Folha e Itaú Cultural na última segunda-feira (19).

O editor da Ilustríssima, Marcos Augusto Gonçalves (esq.), Márcia Fortes, galerista e fundadora da Fortes D'Aloia e Gabriel, André Jung, produtor e ex-baterista da banda Ira!, Melina Hickson, produtora musical, e Eduardo Pannunzio, pesquisador da FGV Direito, durante o seminário, em São Paulo - Reinaldo Canato/Folhapress

De acordo com pesquisa realizada pelo Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social (Idis) em 2015, os brasileiros doaram, naquele ano, R$ 13,7 bilhões. “O volume de doações no Brasil representa cerca de 0,23% do PIB. Isso é relativamente baixo para o potencial do país”, afirmou Pannunzio, comparando o cenário brasileiro com outros países: no Reino Unido, essa proporção é três vezes maior e, nos EUA, sete.

O pesquisador usou dados da Receita Federal para ilustrar a situação. Apenas cerca de metade dos contribuintes declaram o Imposto de Renda pelo formulário completo —condição para se valer dos incentivos fiscais. Dessa parte, apenas 0,45% doa.

Isso acontece por desconhecimento e também porque a doação precisa ser feita até o final do ano anterior para ser declarada em abril. “Como a pessoa não sabe quanto terá que pagar de IR, ela não se anima a doar. No caso dos Fundos [dos Direitos] da Criança e do Adolescente, permitiram que fizessem essa destinação no momento da declaração. Isso contribuiu para triplicar o número de doadores. Se fizéssemos o mesmo na área cultural, teríamos um impacto bastante significativo.”

Mesmo pequenas, as doações vêm diminuindo. Segundo dados do Panorama do Investimento Social no Brasil, publicado em 2016 pelo Gife (Grupo de Institutos Fundações e Empresas), os investimentos via incentivos fiscais foram de R$ 599 milhões para R$ 402 milhões entre 2014 e 2016 —uma queda de 33%.“A pedra mais anacrônica que temos hoje é o imposto sobre doação. Não só incentivamos pouco, como desestimulamos esse ato de generosidade”, afirmou Pannunzio.

De 75 países analisados por pesquisadores da FGV Direito, todos possuem um sistema de incentivo para doações de interesse social, com exceção de três: Croácia, Coreia do Sul e Brasil.

 

Por aqui, o responsável pela tributação da filantropia é o ITCMD (Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos). É um imposto estadual que equipara as doações particulares (herança)  às doações de interesse público sob um mesmo guarda-chuva fiscal.

Essa indistinção, associada à falta de uniformidade do imposto no território nacional, segundo Pannunzio, é um dos obstáculos para as doações de interesse público. “A alíquota do ITCMD varia de 2% a 8% entre os estados. Em alguns ela é fixa e, em outros, progressiva. O fato de o tributo existir já é um problema, e a falta de uniformidade confunde ainda mais.”

Para Márcia Fortes, sócia da Fortes D’Aloia & Gabriel, é importante engajar a sociedade civil na valorização do patrimônio cultural. “O Brasil tem um conteúdo imenso de artes plásticas que poderia ser mais exportado e mais conhecido internamente, mas as dificuldades são imensas.”

Fortes explicou que as condições jurídicas e fiscais prejudicam até a circulação de obras de um museu para outro, mesmo dentro do país. “Ao emprestar uma obra que sai de São Paulo para uma exposição no Museu de Arte Moderna da Bahia, é preciso recolher ICMS sobre o valor desse trabalho, mesmo que não tenha uma transação comercial envolvida”, afirmou.

A galerista deu outro exemplo de obstáculo burocrático que enfrenta no seu trabalho. “Tivemos que entrar com um mandado de segurança que custou R$ 20 mil para liberar o retorno de 63 obras de uma artista brasileira que teve uma exposição no Centre Pompidou em Paris. Quer dizer, isso é exportação de cultura. Na volta, deu algum canal cinza no fiscal da Receita Federal. Você não entende qual é o problema, eles têm 180 dias para liberar os quadros e, enquanto isso, os colecionadores, que emprestaram o seu acervo generosamente, estão com as obras perdidas dentro de algum armazém no aeroporto.”

Formação de público é obstáculo para crescimento

Com os cortes anunciados por estatais como Petrobras e BNDES neste ano, a produtora musical Melina Hickson vê uma saída de cena do governo federal na democratização do acesso à cultura, o que reforça a importância da sociedade nessa área.

“Ele [o governo] jogou de volta para a sociedade qualquer possibilidade de pensamento sobre a sobrevivência da cultura”, disse. Um dos maiores obstáculos, no entanto, é a falta de formação de público consumidor de arte no Brasil.

“Se estivesse consolidado, a gente não estaria em desespero. A internacionalização da cultura e das artes é fundamental, mas, nos últimos anos, não foi pensado no público formador de opinião”, afirmou Hickson.Já para André Jung, produtor e ex-baterista da banda paulistana Ira!, o problema antecede a formação de plateia e passa pela falta de compreensão para ações artísticas e culturais.

“Não se sedimentou no público o respeito e a valorização da cultura, ao ponto de fake news espalhadas pelo WhatsApp colocarem a cultura como vilã, como se fôssemos todos um bando de aproveitadores correndo atrás de uma mamata.”

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