Em uma manhã, oito mulheres de 50 a 90 anos se reúnem no subsolo de uma biblioteca no leste do Brooklyn, em Nova York. Vestem uniformes azuis e começam, em um Xbox, a primeira partida de um campeonato de boliche, enfrentando oponentes de uma biblioteca vizinha.
A cena, narrada por Eric Klinenberg no livro “Palaces for the People” (palácios para o povo, sem edição no Brasil), é uma das várias que o sociólogo compõe para sustentar que espaços coletivos são tão importantes quanto os sistemas de engenharia das cidades.
Bibliotecas são, para ele, o tipo mais expressivo desses lugares que impulsionam encontros cotidianos e fortalecem vínculos sociais, como bares, cafés, parques, praças e restaurantes —chamados no livro de infraestrutura social.
“Quando a infraestrutura social é robusta, promove o contato, o apoio mútuo e a colaboração entre amigos e vizinhos; quando se degrada, inibe a atividade social, deixando famílias e indivíduos à própria sorte”, escreve.
Hoje professor da Universidade de Nova York, Klinenberg se aproximou do tema em sua pós-graduação, quando pesquisou a onda de calor que deixou mais de 700 mortos no verão de 1995 em Chicago, cidade onde cresceu.
Bairros pobres, periféricos e com população majoritariamente negra foram os mais castigados, mas áreas vizinhas com perfis demográficos semelhantes registraram taxas de mortalidade diferentes.
Para o autor, o meio construído de cada bairro explica a disparidade —áreas com imóveis abandonados, sem comércio ou equipamentos comunitários promovem o isolamento, que pode ser mortal em um evento desse tipo.
Morar em um bairro com boa infraestrutura social é equivalente a ter um ar-condicionado em casa, escreve.
O autor defende que cientistas precisam estudar como os lugares influenciam a vida das pessoas. “O meio social e físico configura nosso comportamento de maneiras que nós falhamos em reconhecer.”
Nesse sentido, “Palaces for the People” reverbera o debate sobre a importância do espaço nas dinâmicas sociais —oposto à noção de não lugares.
Histórias de personagens se prolongam por várias páginas, e muitas delas são formatadas para guiar uma narrativa prévia do autor.
O livro trata de segurança pública e acesso à alimentação de qualidade, entre outros temas balizados pela ideia de infraestrutura social, mas o resultado é desigual.
O último capítulo resvala em ideias tratadas de forma simplista, como o apelo por uma união de investimentos públicos, privados e filantrópicos para financiar bibliotecas.
Klinenberg critica as corporações do Vale do Silício que, em sua opinião, drenam a vitalidade dos espaços coletivos com suas plataformas.
Para ele, políticos e líderes não reconhecem o papel das bibliotecas “porque seu princípio fundador —que todas as pessoas merecem acesso gratuito e aberto a nossa cultura— está fora de sincronia com a lógica de mercado que domina nosso tempo”.
Como contraponto, ele resgata a iniciativa de Andrew Carnegie, que financiou a construção de 2.811 bibliotecas em todo o mundo entre 1883 e 1929.
Imigrante escocês tornado magnata industrial, Carnegie gostava de chamar as maiores bibliotecas de “palácios para o povo”. O autor conta que, ao mesmo tempo em que atacava com violência grevistas, Carnegie acreditava que não havia investimento mais produtivo em crianças.
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