Descrição de chapéu Vida cultural na pandemia

Lei Aldir Blanc dá a governos muita verba e pouco tempo para gastar

Prazo desafia estados e cidades; socorro de R$ 3 bi equivale a mais de 40% das despesas dos orçamentos com cultura nos últimos anos

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São Paulo

O financiamento público da cultura no Brasil jamais cresceu tanto quanto neste ano de epidemia, desde que se tem registro confiável e fonte regular de recursos para o setor, ao menos a partir do início dos anos 1990. Mas talvez estados e municípios não consigam gastar a verba no prazo limite, que é o fim deste ano.

O dinheiro sai do Orçamento federal por determinação da chamada Lei Aldir Blanc, criada com o objetivo de financiar “ações emergenciais” no setor cultural, durante o estado de calamidade.

Trata-se de R$ 3 bilhões, em princípio divididos igualmente entre estados e municípios, sendo que os governos estaduais podem ficar com os recursos daquelas cidades que não os requereram.

É o equivalente a mais de 40% das despesas estaduais e municipais classificadas como “função cultura” nos últimos anos.

Segundo dados do Observatório Itaú Cultural e da Confederação Nacional dos Municípios (CNM), todo o dinheiro previsto para a área cultural no orçamento regular dos governos estaduais em 2020 não passa de R$ 3 bilhões.

Em anos gordos, o dinheiro da Lei Rouanet foi a metade do previsto pela lei Aldir Blanc.

Os fundos são grandes, o tempo é escasso. A lei prevê que os benefícios sejam pagos até 31 de dezembro.

A Lei Aldir Blanc foi sancionada no dia 29 de junho e regulamentada em 17 de agosto. Estados e municípios, então, deveriam se inscrever e serem aceitos no programa, pelo Ministério do Turismo/Secretaria Especial de Cultura, que a partir daí apenas transferiria o dinheiro. As aprovações terminaram em 5 de novembro, segundo a deputada federal Benedita da Silva (PT-RJ), uma das 24 autoras e autores do projeto da lei (todos eles de partidos de esquerda, menos um, do PSDB).

“Pelo que estamos ouvindo, pela mobilização, pelo que dizem os secretários de cultura, muitas prefeituras e alguns estados não vão conseguir usar o dinheiro a tempo, que voltaria para o Tesouro Nacional. Não pode ser. Os trabalhadores e as milhares de empresas de cultura, especialmente as pequenas, estão quase todos praticamente proibidos de trabalhar, por causa do distanciamento social, da epidemia. Estão com fome, estão sendo despejados, não têm como pagar aluguel, água e luz, estão fechando seus empreendimentos”, diz Benedita.

A Aldir Blanc prevê três usos para o dinheiro: renda emergencial (R$ 600 por mês, atribuição apenas dos estados); subsídio para manutenção de espaços culturais, pequenas empresas, cooperativas e organizações do setor cultural; e financiamento de projetos, produções, prêmios etc.

“Na área da cultura, é um projeto inédito tanto no volume de recursos quanto na forma federativa da transferência, na descentralização”, diz Ana Clarissa Fernandes, analista de cultura da Confederação Nacional dos Municípios.

“Nunca houve na história um investimento dessa ordem em fomento cultural”, afirma também Sérgio Sá Leitão, secretário de Cultura do estado de São Paulo, que já foi chefe de gabinete do Ministério da Cultura sob Gilberto Gil (2003-2006) e ministro da pasta sob Michel Temer (2017-2018).

O estado de São Paulo recebeu R$ 566 milhões pela lei, dos quais R$ 264 milhões para o governo estadual. O investimento do governo paulista em fomento à cultura em 2020, com recursos próprios, será de R$ 177,2 milhões, um recorde e o maior do país.

Leitão diz que o prazo de execução é exíguo, mas que a secretaria trabalha em marcha forçada e dá consultoria em tempo integral para municípios a fim de cumprir prazos. Não quer correr o risco de perder os recursos e avalia ser improvável uma prorrogação.

Do dinheiro estadual, R$ 21 milhões vão para a renda básica emergencial de 7.000 pessoas. O restante deve atender 4.000 de 4.995 projetos inscritos para receber os recursos, de pessoas físicas e jurídicas.

Dos 5.570 municípios, 4.176 (75%) apresentaram um plano de ação para obter o dinheiro da Lei Aldir Blanc. A maioria jamais recebera transferências federais na área cultural, diz Ana Clarissa, da Confederação Nacional de Municípios.

“Nós prestamos assessoria técnica, fazemos vídeos de treinamento. Os gestores das cidades se reuniram em grupos de mensagens para discutir projetos. É um aprendizado. Vai deixar um legado de organização e vai criar demandas futuras. Mas o prazo é limitado, insuficiente para que as cidades se preparassem para cumprir exigências e fazer bons projetos”, afirma a analista da CNM.

No Congresso, há projetos com o objetivo de prorrogar o prazo para o uso de recursos previstos em orçamentos do período de calamidade, inclusive para a saúde.

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), tem repetido que não vai pautar a votação desses projetos. A reportagem da Folha apurou que tal possibilidade é mesmo praticamente nula. A Secretaria Especial de Cultura não se manifestou até a conclusão desta edição.

A assessoria técnica de Benedita da Silva diz que tem notícias de grandes cidades e estados que devem devolver o dinheiro. Além de tempo curto, a incerteza sobre procedimentos é um problema.

Para alguns governos, as regras gerais de aplicação de recursos quaisquer não são compatíveis com os prazos da Lei Aldir Blanc.

Leitão afirma que enquadrou o uso dos recursos nos procedimentos de fomento do estado, para facilitar o processo e ter garantia jurídica para a aplicação, o que também é um caso legalmente inédito na área cultural.

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