Descrição de chapéu Vida cultural na pandemia

Extinção de postos e incerteza com pandemia empurram trabalhador da cultura para plano B

Estudo mostra queda de 49,4% na ocupação de profissionais brasileiros do setor

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Florianópolis

Com a temporada interrompida uma semana após a estreia em São Paulo, e 14 mil ingressos já vendidos, a superprodução da Broadway ''Donna Summer Musical'' ilustra a crise que atingiu em cheio trabalhadores da cultura no país.

A temporada de 6 meses foi suspensa em março, frente à baixa ocupação da plateia de 1.100 lugares do teatro Santander, após os registros dos primeiros contaminados por coronavírus no país, antes ainda do decreto paulista que fechou serviços não essenciais.

O musical, dirigido por Miguel Falabella, narra a vida da diva disco dos anos 1970 e discute racismo e preconceito contra mulher. Com recursos garantidos pela Lei Rouanet, os 72 profissionais envolvidos na produção (diretores, atores, músicos, técnicos, produtores, camareiras, peruqueiros) receberam a remuneração equivalente a março e abril, e então tiveram seus contratos rescindidos.

A cadeia impactada chega a cem, se considerados manobristas, garçons e seguranças mobilizados pelo espetáculo, diz o produtor, Júlio César de Figueiredo Júnior. "Criamos um grupo com funcionários, e doamos cestas básicas para 20 pessoas que precisaram", diz.

Uma das que recebeu foi a camareira Mirtes Gonçalves, 63. Sem outra renda além da gerada com a produção caseira de bolos, ela precisou de ajuda para pagar as contas. "Trabalho em teatros há 12 anos, é a primeira vez que passo por isso. Tive ajuda de amigos do musical, de empresas e do sindicato", diz.

No auge da pandemia, o Sated-SP (Sindicato dos Artistas e Técnicos em Espetáculos de Diversões) doou 1.500 cestas aos mais atingidos. "A pandemia foi uma pá de cal no setor artístico-cultural do país. Essas pessoas sobrevivem só dos teatros. A maioria não tem reserva'', diz Dorberto Carvalho, presidente do sindicato.

O técnico Paulo Mendes, 48, investiu sua reserva de R$ 10 mil na produção de massas, até então feita de forma amadora. Ele operava o sistema de automação do teatro, como movimentação de cenários e cortinas.

Hoje, recebe metade do que ganhava, e diz temer pelo futuro do setor. "Adoro teatro, trabalho há muito tempo, é paixão. Mas depende de verba pública, de contribuições. Pensando nisso, meu foco agora é o negócio de massas".

A camareira e o técnico engrossam a estatística de trabalhadores da economia criativa que ficaram desempregados na pandemia. Como em toda a economia, também aqui os informais foram os mais atingidos, mostra levantamento do Observatório Itaú Cultural a partir da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) Contínua, do IBGE.

O mercado de trabalho formal da economia criativa perdeu 6,2% dos postos no segundo semestre em relação a igual período de 2019. A queda no trabalho informal foi de 21,3%.

Para profissionais especializados em cultura (artesanato, artes cênicas e visuais, cinema, música, foto, rádio e TV, museus e patrimônio), a queda na ocupação foi de 49,4%.

Os atores Rafael Leal, 29, e Renato Bellini, 38, também buscaram saídas com a suspensão do espetáculo. Os dois passaram a dar aulas online.

Leal teve de voltar à casa da família, em Salvador, por não conseguir arcar com o aluguel em São Paulo. Hoje, soma as parcelas do auxílio emergencial ao pagamento das aulas online de jazz dance. Sua renda é 80% menor que antes do vírus.

"Nossa carreira tem altos e baixos, mas trabalho desde os 18, nem nas fases mais duras encontrei uma situação assim. O pior é a falta de definição da pandemia. A gente não sabe se retorna ou não" afirma.

Já Bellini, como professor de canto, recuperou 70% da renda. Com 60 alunos, poderia viver só disso, mas nem cogita. "Amo dar aula, mas sou artista de palco. Fico emocionado só de pensar em voltar."

O retorno do musical está previsto para 14 de janeiro. O produtor diz que dos 14 mil ingressos vendidos, 10 mil foram ressarcidos nos meses iniciais da pandemia. A venda de entradas para a retomada da temporada, que deve se estender até maio, caiu 95% em relação ao período pré-crise.

Mesmo com patrocínios, a venda de ingressos é importante para a viabilidade financeira da produção. O risco de recuo às fases mais restritivas da pandemia é outro motivo de apreensão da equipe, que espera definição sobre sua volta aos palcos e bastidores.

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