Questão ambiental é chave para competitividade do Brasil

Especialistas argumentam que sustentabilidade deve ser encarada como vantagem

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Guarulhos (SP)

Não um elemento adicional, mas um ingrediente indispensável da receita. Esse é o papel que a questão ambiental precisa assumir na política econômica brasileira do futuro se o país quiser recuperar vantagens competitivas.

A associação, feita pelo embaixador e ex-ministro do Meio Ambiente e da Fazenda Rubens Ricupero, resume o desafio de uma nação que tem extensa lista de vantagens, mas precisa realinhá-la aos objetivos econômicos.

A tarefa já tem meio caminho andado em razão do currículo brasileiro. Matriz energética consideravelmente renovável, uma das maiores reservas globais de biodiversidade e grande potencial de substituição do combustível fóssil pelo etanol de cana-de-açúcar estão no portfólio nacional.

Esses fatores podem ajudar o país a investir em metas mais ambiciosas de redução de gases do efeito estufa caso haja disposição política e econômica, explicou Ricupero durante o primeiro painel do webinário sobre retomada verde realizado pela Folha, com patrocínio da embaixada britânica no Brasil, na manhã de terça-feira (23).

Ele e os demais convidados afirmam que dois encontros internacionais marcados para este ano são oportunidade para o Brasil recuperar importância no combate à mudança climática. O primeiro é a Cúpula do Clima, encontro que os EUA planejam promover em 22 de abril. O segundo, ainda maior, é a COP-26 (Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas), marcada para novembro.

Os dois espaços, onde estarão presentes líderes de todo o mundo, vêm com a expectativa de que as nações ampliem seus compromissos para mitigar o aumento da temperatura média terrestre, um assunto no qual o Brasil tem papel central, diz o embaixador britânico no Brasil, Peter Wilson​, responsável pela fala de abertura do evento. Além de presidir a COP-26, o Reino Unido sediará o encontro.

“Pessoalmente, acredito que o Brasil é um dos que mais tem a ganhar à medida que o mundo caminha para uma economia de baixo carbono”, continua o diplomata. “Embora seja altamente importante, o desmatamento não é o único assunto que líderes europeus devem tratar com o Brasil.”

A necessidade de revisar as metas para um mercado mais sustentável cresce diante dos impactos globais da Covid-19. O fato de muitas nações estarem reconstruindo suas economias, que foram abaladas pela crise sanitária, reforça o debate sobre a estratégia do “build back better” (reconstruir melhor, em tradução livre). A ideia é que, se for parra reconstruir algo, que seja para melhor, com mais sustentabilidade.


Assista aos debates do webinário:


“A pandemia mostrou que precisamos de uma economia resiliente e que temos a oportunidade de construir uma infraestrutura adequada a partir de agora, revendo nossos padrões de desenvolvimento”, explica Thatyanne Gasparotto, diretora da Climate Bonds Initiative para América Latina, organização que administra uma rede global de certificação de títulos verdes.

Um primeiro passo é ter uma estratégia de descomissionamento (processo no qual são encerradas as operações) de ativos que usam carbono intensivamente.

O Brasil, porém, parece caminhar a passos lentos nesse sentido. O embaixador Ricupero diz que os combustíveis fósseis, em vez de desencorajados, recebem subsídios em vários países, inclusive aqui.

“Todas as iniciativas do governo de intervir na Petrobras para evitar que os preços da gasolina ou do diesel reflitam a realidade dos custos interna cionais são, na verdade, subsídios pagos para favorecer um consumo maior dos combustíveis fosseis.”

Segundo Gasparotto, da Climate Bonds, os investidores institucionais, condicionados a altas cifras, têm sido grandes alavancas da transição para uma economia mais sustentável e verde. Os bancos estão neste guarda-chuva.

Sergio Gusmão Suchodolski, presidente do Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais e da ABDE (Associação Brasileira de Desenvolvimento), afirma que as instituições subnacionais de desenvolvimento, atreladas a estados ou municípios, podem ser grandes incentivadoras da retomada verde.

Um exemplo vem do próprio BDMG. Em 2020, a instituição, segundo conta Suchodolski, assistiu ao crescimento da sua carteira sustentável, com 58% do total desembolsado indo para esses ativos. Também foi o primeiro banco público brasileiro a emitir títulos sustentáveis (aqueles com impacto socioambiental positivo), numa operação feita pela Bolsa de Nova York em dezembro de 2020.

Nesse sentido, os investidores também são peças importantes. A diretora de ESG (sigla em inglês para governança ambiental, social e corporativa) da XP Investimentos, Marta Pinheiro, diz que há uma tentativa cada vez maior de diversificar as opções de investimentos sustentáveis, de modo que os clientes consigam construir carteiras mais saudáveis.

Indicadores como os níveis de emissão de carbono, o tipo de energia utilizada e o reaproveitamento da água já são alguns dos que servem para balizar se um investimento deve ou não ser disponibilizado para os clientes —e a tendência é de que as exigências cresçam.

“A ideia é que cada vez mais consigamos disponibilizar produtos de alta qualidade e que as carteiras dos investidores consigam migrar de um portfólio tradicional para um mais ESG”, explica.

O webinário foi mediado pelo jornalista Marcelo Leite, colunista da Folha.


COP-26

O que é
Sigla, em inglês, para Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, um encontro internacional realizado desde 1992 que tem como objetivo discutir medidas para frear o aquecimento global. Nesta edição (a 26ª), o país-sede é o Reino Unido, e o evento será realizado em Glasgow, a mais populosa cidade escocesa e referência global pelo compromisso com a sustentabilidade. A conferência estava prevista inicialmente para 2020, mas, em razão da pandemia, foi adiada para novembro de 2021.​

Quem participa
As decisões estão concentradas nos líderes mundiais, que devem entrar em consenso. Cresce, porém, o incentivo para que empresários, investidores, gestores públicos e movimentos sociais participem das discussões.

O que será discutido
A principal expectativa é tirar o Acordo de Paris do papel, em especial a definição das regras do novo mercado de carbono, previsto no artigo 6. Também espera-se que os governos revisem e incrementem seus compromissos de combate à crise climática.​

O que é o Acordo de Paris
Assinado por 195 países em 2015, fixa o objetivo de impedir que o aquecimento global ultrapasse 2º C até 2100 (de preferência, não mais que 1,5º C). As metas são voluntárias. Este ano marca o retorno dos EUA ao acordo —​no governo de Donald Trump, o país abandonou o tratado.

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