Open Banking não é 'bala de prata' para aumentar concorrência

Mudanças não devem ser imediatas nem atingir todos da mesma forma

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São Paulo

Os cinco maiores bancos comerciais do país emprestavam 81,8% do dinheiro e tinham 79,1% dos depósitos em 2020, segundo o Relatório de Economia Bancária do Banco Central, publicado no início deste mês.

A concentração de ativos, crédito e depósitos em poucos bancos suscita discussões sobre o peso dessa medida no nível das taxas de juros. A depender também de como se interpretem os resultados de tal polêmica, é possível ser mais ou menos otimista sobre o impacto do open banking sobre o custo do crédito, por exemplo.

Tal debate tem pelo menos duas décadas e não é conclusivo. Em teoria e na prática (caso de Holanda ou Canadá), é possível que exista competição em mercados concentrados. Além do mais, o comportamento dos bancos é diferente para cada parte do mercado de crédito (por exemplo, pessoas físicas e jurídicas, crédito imobiliário, financiamento de veículos, empréstimos pessoais com ou sem garantia, crédito rotativo).

Estudo publicado também no Relatório de Economia Bancária de junho de 2021 mostra que fatores financeiros, geográficos e socioeconômicos de determinado município também influenciam o nível das taxas de juros.

Alguns estudos recentes indicam que a concentração tem algum peso no nível da taxa de juros. É o caso de “Bank Competition, Cost of Credit and Economic Activity: evidence from Brazil”, de Gustavo Joaquim, Bernardus Van Doornik e José Renato Ornelas, publicado pelo Banco Central em 2019 (como texto para debate econômico, não como opinião do banco). Essa pesquisa procurou verificar o efeito de fusões e aquisições no comportamento de bancos em cada mercado municipal.

Segundo o resumo dos autores, “o artigo demonstra que uma redução na concorrência bancária aumenta os spreads dos empréstimos (diferença entre as taxas de empréstimo e de depósito) e diminui o volume do crédito, tudo considerado em termos relativos”.

Outro estudo também publicado pelo Banco Central indica que a concentração explica parte menor das altas taxas de juros (em uma espécie de comparação do caso brasileiro com o de seis países da América do Sul: “High Lending Interest Rates in Brazil: cost or concentration”, de Thiago Trafane Oliveira Santos).

Ilustrações para o caderno especial sobre Open Banking
Catarina Pignato

Os fatores que explicariam cerca de 89% da diferença seriam Imposto sobre Operações Financeiras, alto nível da taxa de juros livre de risco, menor recuperação dos empréstimos concedidos e inadimplência. A concentração bancária explicaria 11% da diferença de juros. Isto é, o custo seria a explicação de maior dos juros altos.

Mesmo que o custo tenha peso decisivamente maior no preço do crédito, o aumento da concorrência, que também pode ser incentivado pelo open banking, pode ter efeito de reduzir juros e outros custos para o cliente de instituições financeiras, embora mesmo o Banco Central afirme que se trata de apenas um fator de um processo mais comprido de reformas.

“Não tem bala da prata, possibilidade de mudança de hora para outra”, diz Lauro Gonzalez, coordenador do Centro de Estudos em Microfinanças e Inclusão Financeira da FGV e professor da Escola de Administração de Empresas de São Paulo (Eaesp-FGV). Gonzalez imagina o impacto possível dos efeitos do open banking dividindo os clientes das instituições financeiras em dois grandes grupos: os “mal servidos” (os atuais clientes) e os “excluídos” (sem banco ou que não conseguem utilizar ou ter a acesso serviços financeiros).

Para o grupo dos “incluídos”, o pesquisador imagina que pode haver algum aumento de concorrência, com oferta de taxas e serviço melhores, embora não seja possível especular sobre a margem dessas melhorias. Gonzalez enfatiza que a nova regulação e as facilidades tecnológicas podem incentivar o surgimento de novos atores no mercado de serviços financeiros e novos “modelos de negócios”.

Isto é, que novos empreendimentos criem soluções novas: embora os bancos maiores sejam capazes em termos de tecnologia, seriam lentos na inovação do serviço. Isso teria já ficado em alguma medida com surgimento das “fintechs”, que, no entanto, são uma “gota no oceano” do mercado de crédito. Em termos gerais, diminui a barreira para a entrada de novos competidores no setor, Gonzalez chama a atenção em especial para as possibilidades que inovações como o open banking oferecem para o microcrédito.

As facilidades de coleta e compartilhamento de informações podem fazer com que pequenas instituições de crédito locais (como cooperativas) se articulem com estatais como BNDES e Caixa de modo a fazer com que o crédito flua do centro para a periferia, para o pequeno tomador.

Mais do que isso, a tecnologia pode mudar o padrão de cálculo de risco de crédito, que determina parte do custo de empréstimos e é, em geral e convencionalmente, baseado em indicadores como renda, patrimônio que sirva de garantia e histórico de pagamentos.

Empecilhos? Pessoas de renda ou instrução menor tem menos (se algum) acesso a serviços de internet de qualidade e de preço acessível, dificuldades de entender o sistema de crédito e custo de empréstimos. Uma mudança “inclusiva”, diz Gonzalez, dependeria, além de tecnologia e nova regulação, de políticas públicas que lidassem tanto com a falta de acesso ao sistema quanto com o custo para o pequeno tomador.

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