Open Banking poderia regular o uso de dado pessoal por big techs

Sistema requer padrões e atuação do governo, diz chefe da entidade responsável por implementar o sistema no Reino Unido

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Rogério Simões
Londres

A lógica e a tecnologia do open banking oferecem uma alternativa ao modelo das big techs de uso de dados das pessoas, na avaliação de Imran Gulamhuseinwala, chefe da entidade responsável por implementar o sistema no Reino Unido.

“No open banking, suas informações ficam com o banco, a não ser que você decida compartilhá-las com uma terceira parte. O modelo big tech é o oposto: ‘Se você usa meus serviços, seus dados são meus, para que eu possa comercializá-los’.”

Imran Gulamh
Imran Gulamhuseinwala, diretor da entidade responsável pelo open banking no Reino Unido - Divulgação

Gulamhuseinwala, diretor da OBIE (Entidade de Implementação do Open Banking) desde 2017, diz que o sistema britânico tem dado certo porque o Estado tomou a iniciativa de padronizá-lo e controlá-lo desde o início. O crescimento tem sido constante. No último ano, o total de empresas envolvidas —bancos ou terceiros— aumentou 21%, chegando a 315. Abaixo, os principais trechos da entrevista.

O open banking avança no Reino Unido. Era o que o sr. esperava quando assumiu sua posição, quatro anos atrás? Não é nenhuma surpresa. Quando começamos a oferecer open banking, estava claro para mim que havia uma necessidade real de os consumidores tomarem melhores decisões financeiras e serem capazes de se engajar com serviços financeiros de uma forma melhor. Mesmo numa economia desenvolvida, como a do Reino Unido, milhões de pessoas têm o cartão de crédito errado, estão na hipoteca errada, no empréstimo errado, na conta corrente errada, e muitas dessas coisas podiam ser atacadas pelo open banking. E existe esse crescente entendimento de que os dados das pessoas são valiosos e que esses dados pertencem a elas, não à instituição financeira. Eu acho uma pena que tenha demorado tanto quanto demorou.

Qual é a principal razão do sucesso do open banking no Reino Unido? Eu diria que foi a forma com que tem sido feito. Mesmo que chamemos de open banking aqui no Reino Unido, a base que o impulsiona é a PSD2, que é uma regulação europeia. Embora o Reino Unido não esteja mais na Europa [na União Europeia], nós estávamos quando a legislação foi criada e ainda a utilizamos. Mas o Reino Unido está muito mais avançado que o resto da Europa.

O que fizemos de correto —e a Europa não fez— foi: quando dissemos que iríamos usar a PSD2 aqui, dissemos que usaríamos padrões, e a Europa não disse isso logo de início. Com atraso, eles estão dizendo que ter padrões é algo bom. A segunda coisa que dissemos foi: teremos uma entidade de implementação, que garanta que os padrões sejam bons e sejam seguidos corretamente, que monitore os bancos para assegurar que as APIs de open banking sejam consistentes e de alta qualidade. E é isso o que eu faço.

E qual foi o maior desafio? O verdadeiro desafio vem de tentar manter todos os diferentes participantes satisfeitos. Você tem os bancos providenciando as APIs, as empresas de fintech, que consomem as APIs, e os representantes dos usuários finais, que asseguram que as necessidades do usuário final sejam. Sempre existe um equilíbrio a ser estabelecido entre esses diferentes participantes. E isso precisa ser feito de uma forma que você tenha um ecossistema justo e sustentável.

A decisão das autoridades britânicas de que haveria padrões e uma entidade era mesmo necessária? Nos EUA o setor privado tem um papel mais relevante. Tem sido absolutamente crucial. Eu tenho conseguido obter tanto progresso porque tenho alguns poderes entregues a mim pelo Estado para fazer o open banking funcionar. Quando você olha para a Austrália, o governo também se envolveu para fazer o sistema funcionar, e eu diria que o Reino Unido e a Austrália são provavelmente os países mais avançados quando se trata de open banking.

Os Estados Unidos têm uma forma de open banking. Eu a chamo de open banking voluntário, em vez de open banking compulsório, que é o que temos aqui e em muitos outros lugares do mundo. Nos EUA, isso significou que o mercado na verdade não está tão aberto quanto no Reino Unido. Isso porque cada banco tem sua própria conexão, e essa conexão é feita comercialmente. Aqui todo banco tem as mesmas APIs, e qualquer terceira parte, se autorizada, pode se conectar a elas.

Nos EUA, os agregadores constroem todas as conexões, e se você, como uma terceira parte, quiser ter acesso às informações do consumidor, tem de passar pelo agregador —e pagar ao agregador. O sistema todo é muito mais discriminatório, porque, se você é um terceiro e não tem muito dinheiro, ou a proposta não gera muito dinheiro, ou se você, por algum motivo, é percebido como um concorrente dos bancos ou do agregador, você é deixado de fora. Só funciona porque os bancos estão satisfeitos em deixar o agregador trabalhando com eles. E em algum momento eles podem desconectar o agregador, e aí todo o ecossistema vai desmoronar. Se o open banking fosse padronizado nos EUA, e o governo assumisse um papel mais direto, poderia ser dez vezes maior do que é hoje.

Parece que nos EUA o sistema tornou-se mais burocrático e complexo coisas que, historicamente, são associadas à forte presença do Estado. Você está absolutamente certo. O que fizemos aqui foi insistir para que se usem padrões. O Estado não desenhou esses padrões, mas quando todo mundo usa o mesmo padrão, é como se todo mundo falasse a mesma língua. Nos EUA, ninguém disse “deveríamos usar uma única língua ou um único formato”, então tudo se desenvolveu como uma evolução, multilateral, um tipo de bagunça, como um entroncamento de rodovias.

Como o sr. vê o papel dos bancos? Os bancos enrolaram. Nós poderíamos ter feito isso mais rapidamente. Mas os bancos finalmente implementaram. Também acho que poderiam ter feito de forma mais barata – se tivessem dedicado mais tempo. O que os bancos precisam fazer agora é reconhecer que o open banking veio para ficar. E precisam descobrir como criar valor a partir da infraestrutura que eles financiaram. Uma das formas é abraçando “APIs premium”.

Bancos podem cobrar por algumas dessas APIs que eles não são obrigados a oferecer de graça no open banking. Acho ótimo se tivermos APIs regulatórias e APIs premium, funcionando lado a lado, todas usando a mesma infraestrutura, os mesmos padrões. E também espero que os bancos encorajem o uso de tudo que eles criaram para permitir que open banking ocorra em outros setores, trazendo seguradoras, gerentes de ativos, fundos de pensão, e mesmo o que chamamos de “dados inteligentes”, trazendo energia, telecomunicações, água, serviços.

O Reino Unido está perto dessa realidade em que energia, telecomunicações, tudo está conectado? Provavelmente estamos atrás do australianos nessa área. Eles têm uma visão de longo prazo em que o open banking é apenas o primeiro passo. Aqui estamos esperando o governo dizer “sim, o próximo passo vai acontecer, e o próximo, e o próximo”. Acho que saberemos, ao longo deste ano, se o governo vai, ou não, insistir nesses outros passos.

O sr. diria que o open banking é a prova de que estamos vivendo a era da abertura? E como equilibrar isso com a necessidade de privacidade? Do ponto de vista do consumidor final, o que o open banking oferece é interconectividade. O “open” [aberto, em inglês] do open banking na verdade refere-se à abertura da concorrência entre as partes terceiras, em oposição aos bancos. Mas a forma como eu penso sobre privacidade e dados é que o open banking é exatamente a tecnologia de que precisamos para assegurar que possamos controlar nossas próprias informações e melhorar nossa privacidade.

No open banking, suas informações ficam com o banco, a não ser que você decida, com consentimento explícito, compartilhá-las com uma terceira parte autorizada, para um propósito específico. Isso é completamente diferente do modelo das big techs [gigantes da tecnologia]. O modelo big tech é o oposto: “Se você usa meus serviços, seus dados são agora meus [da gigante de tecnologia], para que eu possa comercializá-los”.

O open banking pode se tornar referência para um novo modelo de interconectividade com privacidade?
Estou convencido disso. Há discussões bem interessantes sobre a regulação das big tech. Uma das ideias é de que a melhor forma de gerar concorrência em big tech e também proteger o consumidor é permitindo que os dados sejam tanto interoperáveis como portáteis. E o único exemplo que qualquer um dos arquitetos dessa potencial regulação consegue achar é o open banking.

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