Sociedade civil brasileira está engajada na conservação ambiental, diz representante da COP-26

Britânico Nigel Topping afirma que comunidade internacional está preocupada com o Brasil, mas sabe do potencial do país no combate ao aquecimento global

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Guarulhos (SP)

Diante de um horizonte onde o pessimismo parece vigorar quando o assunto é o meio ambiente, em função do crescente desmatamento e do arrefecimento de políticas públicas de conservação, o britânico Nigel Topping diz que há uma ampla gama de bons exemplos a serem valorizados e que o papel de agentes não estatais para a mitigação das mudanças climáticas é cada vez mais central.

Num prazo médio de cinco anos, já não será concebível que empresas sem um plano transparente e sólido de redução das emissões de gases do efeito estufa sobrevivam, diz. Não só o consumidor, mas também os investidores vão cobrar esse tipo de responsabilidade.

Natural de Glasgow, que neste ano sedia a COP-26 (Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas), Nigel Topping foi escolhido pelo Reino Unido como High Level Climate Action Champion, cargo que o incumbe de impulsionar a ação de empresas, investidores, cidades e organizações sociais no combate às mudanças climáticas.

Nigel Topping é um homem branco de cabelos castanhos. Ele usa terno azul marinho e sorri para a foto. O fundo é branco
Nigel Topping, campeão de Ação Climática do Reino Unido para a COP-16 (High-Level Climate Action Champion, em inglês) - Divulgação

A posição foi criada na COP-21, em 2015, a mesma na qual foi assinado o Acordo de Paris, e tem novos escolhidos a cada ano. Topping divide a tarefa com o chileno Gonzalo Muñoz, também representante para essas questões. Os dois estão à frente da campanha Race to Zero (corrida para o zero, em português), que quer unir parceiros em prol de uma economia neutra em carbono até 2050.​

Em entrevista por videochamada à Folha, ele afirma que a comunidade internacional está preocupada com o Brasil, mas que também vê amplo engajamento da sociedade civil brasileira na conservação ambiental.

Frisa ainda que o papel do país é fundamental para o clima e diz que, na contramão do que se esperava, a pandemia catalisou a transição para uma economia mais sustentável.

Você tem dito que a COP-26 será o primeiro teste do Acordo de Paris. Além do papel das lideranças globais, como o empresariado nacional pode pressionar pela mitigação da crise climática? Toda empresa, nacional ou internacional, pode ajudar a implementar o Acordo de Paris, estabelecendo seus próprios compromissos para zerar as emissões [de gases do efeito estufa].

Um exemplo vem do Reino Unido: quando empresas disseram que não iriam mais comprar automóveis movidos por motor a combustão, houve um movimento de fabricantes dizendo que iriam parar de produzi-los até 2039. As companhias de energia elétrica anunciaram investimentos em infraestrutura de carregamento, e as novas empresas, as startups, reduziram o preço de baterias. Tudo isso no setor privado facilitou que o governo fosse mais ousado e antecipasse a proibição das vendas de veículos movidos a gasolina e a diesel para 2030 [o prazo inicial era 2040].

Quando o governo é mais ambicioso, fica mais fácil para as empresas. É isso que chamamos de ciclo de ambição.

Você também trabalha com cidades. Como os prefeitos devem implementar políticas para mitigar mudanças climáticas? Prefeitos de grandes cidades, como São Paulo, têm liderado ações de combate às mudanças climáticas. Há cinco anos, em Paris, a rede C40 [que reúne 97 cidades em prol da sustentabilidade] se comprometeu a reduzir as emissões a zero até 2050, algo que a maioria das organizações, empresas e governos tem demorado mais para fazer. Mas também depende do contexto nacional e dos poderes que o prefeito tem.

A área de transportes, por exemplo, é importante. É possível criar zonas de baixa emissão de carbono. Em Londres, temos áreas de baixíssima emissão que foram um dos impulsionadores dos veículos elétricos.
Outro ponto são os códigos de construção, porque nossos edifícios são responsáveis por grande parte das emissões, tanto no uso, o que requer construções mais eficientes, mas também assegurando que não serão usados materiais que incorporam muito carbono.

Áreas verdes também são importantes, porque retiram o carbono da atmosfera.

A pandemia ainda evidenciou como os prefeitos podem melhorar a saúde dos cidadãos. Além da redução do uso de carros, é importante acelerar o investimento em caminhadas e bicicletas.

E a sociedade civil? Somente grupos organizados podem pressionar por mudanças ou cidadãos também? Para os indivíduos, é, muitas vezes, mais difícil, porque cada um representa 1 em 8 bilhões, mas ainda assim é possível. Toda pessoa faz escolhas sobre como viaja, onde vive, qual trabalho faz e o que come. São coisas como assegurar que se use energia renovável, ou, se puder, dar preferência para o carro elétrico. Sabemos, por exemplo, que a carne vermelha cultivada de forma intensiva tem alto teor de carbono e é muito prejudicial ao meio ambiente.

Lançamos a campanha Counte Us In [conte conosco, em português], que é uma forma de todos compartilharem pequenas coisas que podem fazer, que dizem muito quando se tem milhares, ou mesmo milhões, fazendo junto.

Poderia resumir como os investidores e empresários que trabalham pela economia verde estão vendo o Brasil neste momento? As pessoas estão preocupadas com o Brasil. Observo duas reações: uma emocional e outra racional.

A Amazônia tem um papel emblemático. É um recurso soberano brasileiro, mas é o maior e mais incrível ecossistema do planeta, tendo um papel crucial no funcionamento do clima. Quando veem esse recurso precioso sendo destruído num ritmo acelerado, as pessoas ficam preocupadas. Essa é a reação emocional, mas embasada na ciência.

A reação racional é dizer “nós não vamos investir ou comprar de fontes que estão impulsionando o desmatamento”.

No xadrez global da mudança climática, onde está o Brasil? O Brasil é o maior player da América Latina. Não há dúvida de que a abordagem brasileira nas mudanças climáticas tem um grande impacto no resto do mundo. Isso tanto em termos de acelerar a redução das emissões, como em termos de esperança de que possamos nos unir para enfrentar esse enorme problema.

Como tem sido a adesão à campanha Race to Zero, que quer uma economia neutra de carbono até 2050? No geral, a campanha vai muito bem e tem grande adesão. Notamos que, basicamente, todos os grandes investidores perceberam que reduzir as emissões a zero é inevitável. E a pressão está vindo dos investidores para as empresas.

Acho que, em cinco anos, não será possível ser uma empresa significativa e não ter um plano muito claro para reduzir as emissões a zero. Ela perderá consumidores e investidores.

E nós vemos uma boa participação do Brasil, com algumas empresas de relevância global, como Natura e Klabin, além das grandes três cidades, Rio de Janeiro, São Paulo e Salvador.

Já trabalhei no Brasil quando estava na indústria, há muito tempo, e sempre observei um espírito forte de colaboração entre sociedade, empresas e investidores. Acho que, do lado da sociedade brasileira, há uma grande preocupação de fazer parte da mudança. O recente lançamento da Aliança pela Ação Climática (ACA Brasil) é um bom exemplo.

Em termos dos atores não estatais, diria que o Brasil está muito engajado.

Num TEDx recente, você argumentou que a pandemia pode acelerar a transição para uma economia mais sustentável. Poderia elaborar melhor? Vimos que as empresas não diminuíram seus esforços para reduzir as emissões a zero. Na verdade, elas aceleraram, o que foi uma surpresa. Se você tivesse me dito, em janeiro de 2020, que teríamos uma pandemia global que abalaria as economias, e me perguntasse os efeitos nas empresas e nos compromissos com a crise climática, eu teria dito que, provavelmente, isso os destruiria, porque elas estariam tentando apenas manter seus negócios de pé.

É claro que isso é, em parte, verdade, já que muitos empresários têm lutado apenas para fazer seus negócios sobreviverem. Mas também é verdade que, talvez porque a Covid evidenciou a importância da ciência, alguma coisa encorajou os empresários a assumir compromissos mais ousados.

Além disso, governos terão que investir grandes volumes de dinheiro [para a recuperação], e isso é uma oportunidade para acelerar mudanças. Um bom economista sempre diz que a retomada verde é a única opção de crescimento no século 21.

Talvez tenhamos nos tornado mais confiantes na nossa habilidade de mudar rapidamente. É algo como uma guerra, quando, de repente, alguém que produz um tipo de produto nesta semana estará fazendo outro tipo na semana seguinte porque ninguém mais está comprando o primeiro, mas sim precisando de outros, como aconteceu com as máscaras e equipamentos de proteção. Podemos sair disso mais confiantes na nossa capacidade de inovar sob pressão.


RAIO-X

Nigel Topping, 55
Nascido em Glasgow (Escócia) e graduado em matemática pela Universidade de Cambridge (Reino Unido), é o representante de alto nível do Reino Unido na COP-26. Trabalha ao lado de atores não estatais, como empresas e investidores, para fomentar ações de combate às mudanças climáticas. Foi CEO do We Mean Business, coalizão de empresas e ONGs pela economia de zero carbono, e diretor-executivo do Carbon Disclosure Project.

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