Mercado de tecnologia espacial cresce com constelações de nanossatélites

Mais baratas, pequenas unidades são lançadas em conjunto e podem realizar serviços tão variados quanto lucrativos

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J. Marcelo Alves
São Paulo

O mercado de satélites, com tamanho estimado entre US$ 385 e US$ 450 bilhões em 2020, deve chegar a US$ 1 trilhão em 2040, segundo a consultoria Morgan Stanley. Embora os números variem dependendo dos analistas, o tamanho do setor sempre é estimado como sendo da ordem das centenas de bilhões de dólares. O envolvimento do Brasil nesse segmento ainda é incipiente e se limita mais ao papel de consumidor.

O mercado vem crescendo significativamente devido a uma novidade com menos de 15 anos, os nanossatélites, especialmente os do tipo CubeSat. Como o nome indica, são satélites pequenos (de um a dez quilogramas em vez de toneladas), relativamente baratos (menos de € 500 mil em vez de até € 500 milhões) e de rápido desenvolvimento (meses em vez de anos).

Planeta terra é visto rodeado de satélites lançados ao espaço
Captura de imagem da empresa LeoLabs, que rastreia mais de 20 mil objetos na órbita baixa, a menos de 2 mil km de altitude - Reprodução/LeoLabs

Com os nanossatélites, vieram as constelações, conjuntos que têm de dezenas a milhares de satélites do mesmo tipo, formando uma rede de unidades redundantes. Depois de dois a quatro anos, cada nanossatélite é substituído. Os CubeSat são cubos com lados de dez centímetros e pouco mais de um quilo.

Segundo Fábio de Oliveira Fialho, professor da Escola Politécnica da USP (Universidade de São Paulo), essas unidades podem ser combinadas como peças de Lego, na quantidade necessária para a missão, formando satélites maiores. Segundo o pesquisador, os CubeSats foram uma surpresa positiva quanto à velocidade de desenvolvimento.

Os serviços fornecidos por essas constelações são tão variados quanto lucrativos, incluindo fornecimento de internet via satélite, coletas de dados científicos e climáticos e tomada de imagens da superfície terrestre para aplicações agrícolas, ambientais, geológicas, entre outras.

Com tantas aplicações, muitas companhias estão crescendo nesse mercado e outras planejam entrar nele. Os investimentos de bilionários como Elon Musk, fundador da marca de carros elétricos Tesla, e Jeff Bezos, da Amazon, não significam simplesmente amor às aventuras espaciais.

As tecnologias que os levam para o espaço podem carregar cargas lucrativas. “Custa US$ 30 ou US$ 40 milhões um lançamento. Esse pessoal está pensando no lucro, não só porque é bonito lançar”, diz Eduardo Janot Pacheco, professor do Instituto Astronômico e Geofísico da USP.

A empresa Starlink, de Musk, tem cerca de 1.500 satélites em órbita e oferece um serviço de conexão à internet com velocidade oscilando entre 50 e 150 Mbps. Embora ainda em fase de testes, e portanto sujeito a períodos sem conectividade, o preço é salgado: US$ 99 (cerca de R$ 519) mensais. Em sua configuração final, o número de unidades da constelação Starlink deve chegar a 12 mil.


A empresa de Musk tem avançado mais rápido do que se esperava, segundo Fialho. Isso se deve, diz ele, tanto à base tecnológica e aos recursos humanos disponíveis nos EUA quanto aos métodos ousados. “Ele [Musk] aceita riscos que a Nasa não aceita; faz muitos testes e tem muitas falhas, mas os dados coletados durante uma falha são importantes”, diz o pesquisador.

Embora Bezos tenha ido à borda do espaço antes de Musk, a Amazon está atrás na corrida por esse mercado. A empresa anunciou seu projeto Kuiper, em 2019, com o objetivo de lançar e operar uma constelação de 3.236 satélites.

A companhia diz que investirá mais de US$ 10 bilhões no projeto que oferecerá acesso à internet em banda larga nos EUA e, depois, no mundo. O projeto foi adquirido do Facebook, que desistiu da empreitada. Outra empresa de Bezos, a Blue Origin, que levou o bilionário ao espaço há algumas semanas, já tem contratos para fazer lançamentos para outras companhias.

Os britânicos também já têm presença no mercado da órbita baixa (até 2.000 km de altitude) com a empresa OneWeb, que planeja uma constelação de 650 satélites —no momento já tem 288 em órbita. Dessas e de outras companhias, milhares de novos satélites devem entrar em órbita nos próximos anos.

Governos também estão preocupados com a exploração desse filão chamado de Novo Espaço —em contraste com a prática pregressa de lançar satélites gigantescos, de custos bilionários, em órbita geoestacionária (mais de 35 mil km de altitude).

A União Europeia anunciou em 2020 que pretende estudar o desenvolvimento de uma constelação de pequenos satélites como parte de uma iniciativa para criar uma “infraestrutura de soberania”.

No Brasil, a atividade espacial ainda está restrita majoritariamente ao Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), à Embraer e ao ITA (Instituto Tecnológico da Aeronáutica). As empresas brasileiras em geral produzem só alguns componentes mais simples para os poucos satélites brasileiros em atividade —12, de acordo com uma lista da UCS (sigla em inglês para União dos Cientistas Preocupados, em tradução livre).

Uma exceção é a empresa Visiona Tecnologia Espacial, uma joint venture entre a Telebras e a Embraer, que está desenvolvendo um nanossatélite de projeto completamente brasileiro, o VCUB1, com o objetivo principal de monitoramento agrícola. A principal carga será uma câmera de alta resolução capaz de, a 530 km de altitude, registrar áreas de pelo menos nove metros quadrados.

Embora os nanossatélites sejam o setor mais promissor, o mercado de grandes satélites de comunicação
continua ativo. A empresa francesa Arianespace lançou da Guiana Francesa, em 30 de julho, a nova unidade geoestacionária da Embratel, a Star One D2, fabricada nos EUA. Com sete toneladas e orbitando a 36 mil km de altitude, ela se junta a outras cinco da empresa e promete, quando entrar em operação, aumentar a eficiência das comunicações por ter potência até quatro vezes maior que as anteriores.

Outra iniciativa ainda embrionária é o Programa Constelação Catarina, estabelecido em uma portaria do MCTI (Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações) de maio deste ano. O objetivo é lançar uma constelação de 13 nanossatélites de monitoramento climático para atender prioritariamente os setores agropecuário e de defesa civil nacionais.

Três pequenos satélites em formato de cubo são vistos na órbita da terra
Três CubeSats são vistos em foto divulgada pela NASA - 17.jun/NASA/AFP

Um segmento em que o Brasil poderia ter grandes lucros é o de lançamentos. O Centro Espacial de Alcântara, no estado do Maranhão, está em posição privilegiada para esse tipo de atividade —quanto mais próximo do Equador, melhor, e a base está quase sobre a linha imaginária.

Pode-se economizar até US$ 10 milhões em combustível ao se lançar foguetes do Equador, segundo
Janot, da USP, uma vez que ali a força centrífuga é maior. O MCTI estima que a base de Alcântara pode participar de pelo menos 1% do mercado espacial, ou cerca de U$ 3,5 bilhões (R$ 18,3 bilhões) ao ano. ​

Com a assinatura recente do AST (Acordo de Salvaguardas Tecnológicas) entre Brasil e EUA e sua aprovação no Congresso, empresas americanas como Hyperion, Orion AST e Virgin Orbit e a canadense C6 Launch já estão em fase de negociação para fazer lançamentos em Alcântara.

O AST era exigido pelos americanos para proteger suas tecnologias, evitando ao máximo o contato de pessoas de outros países com seus aparelhos e limitando as transferências de tecnologias. Discordâncias do Brasil quanto às condições de uma versão de 2001 do AST só foram resolvidas em 2019.

Os segredos militares e tecnológicos americanos também são um problema para o desenvolvimento de satélites —até 80% dos componentes têm origem americana, segundo Fialho, da Escola Politécnica da USP.

Ele afirma que o uso das órbitas baixas deve crescer mais no futuro próximo, e que no médio prazo, para 2025 ou 2026, pode haver um lançador para órbitas baixas disponível no Brasil, levando a receitas significativas e menores custos para lançamentos.

Um dos caminhos para acelerar a corrida espacial nacional são as colaborações científicas das quais acadêmicos brasileiros têm participado ao longo dos últimos anos. Além dos resultados científicos que são o objetivo primário das parcerias, tais atividades formam pessoal com experiência em utilizar e desenvolver as tecnologias que ainda não estão presentes no país.

“Esses grandes satélites [de pesquisa] são um concentrado do estado da arte na tecnologia”, diz Fialho. Participar de um grupo que trabalhe com isso, segundo ele, propicia o aprendizado de "minúcias de desenvolvimento tecnológico com os principais países, que depois podem ser aproveitadas para fazer desenvolvimento aqui". O pesquisador cita sua experiência no projeto dos satélites europeus Corot e Plato como exemplo.

“Eu tento passar isso para minhas pesquisas e alunos”, mas falta mão de obra especializada para participar do processo, diz Fialho. Segundo ele, há alguns bons cursos de engenharia espacial em universidades e institutos brasileiros, mas não o suficiente. Para aumentar a formação de pessoal, a Escola Politécnica está criando um curso especializado na área.

No entanto, isso não basta. Segundo Janot, que é responsável pela participação nacional no projeto Plato e trabalhou também no Corot, “no Brasil, o mercado é muito incipiente, muito fraco”, e com isso não haveria transferência significativa de tecnologia da pesquisa para as aplicações comerciais.

“A gente tem know-how, faz alguns CubeSats, mas é mais coisa de estudantes”, afirma. Como não há lançamentos no país e os artefatos são comprados praticamente prontos, não há experiência suficiente para fomentar uma indústria nacional no momento.

Falta também uma política de investimento governamental consistente e de longo prazo no desenvolvimento espacial. “É caro, precisa de investimento a longo prazo e a fundo perdido”, diz Janot.

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