Nova York ressuscita com atestado de vacina e loteria de ingressos

A média semanal de novos casos na cidade, porém, cresceu dez vezes entre julho e agosto

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tonica Chagas
Nova York

Os norte-americanos assistiram ao menos três horas de streaming de conteúdo por dia nos primeiros 12 meses da pandemia —um mínimo de 45 dias inteiros por ano, mostra relatório da Sykes, provedora de terceirização de processos de negócios.

Embora não apareça na pesquisa, o serviço de streaming VUit cativou telespectadores por acaso, transmitindo uma cena nova-iorquina quase imutável por causa das restrições de mobilidade para controle da Covid-19. Em setembro, quando a pandemia aniquilou planos de programas ao vivo diretamente de Nova York, funcionários do serviço viraram uma câmera para o lado de fora do estúdio.

O movimento fraco na esquina da 6ª Avenida com a Rua 39 tornou-se o canal 24 horas mais popular do VUit. Mesmo letárgica e virtual, Nova York provou ser uma boa opção de entretenimento.

Público do Foo Fighters no show-teste que reuniu 15 mil no Madison Square Garden (NY) e exigiu prova de vacina
Público do Foo Fighters no show-teste que reuniu 15 mil no Madison Square Garden (NY) e exigiu prova de vacina - Tim Barber - 20.jun.2021/The New York Times

Depois de quase um ano e meio restritos a telas, o lazer e a vida cultural que fazem a cidade ser o que é começaram a ressuscitar. Na noite deste sábado, 21 de agosto, o show de música “We Love NYC: The Homecoming Concert”, no Central Park, celebra o reencontro entre a cidade, seus residentes e visitantes.

A festa promovida pela prefeitura é um marco simbólico da versão alterada da vida na cidade: à exceção de menores de 12 anos, que até agora não podem ser vacinados, os ingressos (80% deles gratuitos) só seriam entregues ao público previsto em 60 mil pessoas com a comprovação de pelo menos uma dose de vacina.

Em 16 de agosto, Nova York se tornou a primeira cidade dos EUA a exigir prova de vacina de quem participar de atividade em espaços fechados.

Entusiasmados com o que podem desfrutar outra vez, nova-iorquinos, por outro lado, receiam o aumento da contaminação da variante delta. A média semanal de novos casos na cidade cresceu dez vezes entre julho e agosto.

A funcionária pública aposentada Anne Hayes tem certeza que a cidade, “em breve, estará sob restrições mais rígidas e voltará- ao confinamento obrigatório”. Sem ver um espetáculo ao vivo desde que foi à ópera em dezembro de 2019, ela perdeu a conta de quantos livros em formato digital leu ou quantos filmes e séries via streaming e TV a cabo assistiu enquanto ficou trancada em seu apartamento.

Em abril, ela foi ao cinema pela primeira vez em 13 meses. Mas ainda avalia quando retomar seu hábito de frequentar os teatros da Broadway, que terão reabertura oficial em 14 de setembro.

De efeito comparável a terapia pós-trauma para os nova-iorquinos, o retorno das artes e do entretenimento é vital também para a saúde econômica da cidade deles.

Só os espetáculos da Broadway, que arrecadaram US$ 1,83 bilhão com a venda de ingressos na temporada entre maio de 2018 e maio de 2019, contribuíram com US$ 14,7 bilhões para a economia de Nova York.

De acordo com a Broadway League, que representa produtores e proprietários de teatro, das 2,8 milhões de pessoas que assistiram aos 31 musicais e peças em cartaz naqueles 12 meses, 65% foram turistas. Desses, 46% eram dos EUA e 19%, de outros países.

“Se Nova York não estiver no calendário fará muita falta na carreira de qualquer artista internacional”, afirma o pianista e maestro brasileiro João Carlos Martins, com experiência de mais de 20 apresentações entre as duas maiores salas de concerto da cidade, o Carnegie Hall e o Lincoln Center. A pandemia cancelou a que ele faria no primeiro, em outubro passado.

Adiado para novembro de 2022, o concerto coincidirá com os 60 anos da primeira vez que João Carlos Martins se apresentou na cidade. Na opinião dele, “a exigência da prova de vacina vai atrair o público de volta aos teatros” e “diminuir a insegurança de quem trabalhava nos bastidores e perdeu o emprego”.

Ao anunciar a exigência do atestado de vacina, o prefeito Bill de Blasio o comparou a “uma chave para abrir a cidade”. A “chave” foi testada pela primeira vez no Madison Square Garden, em 20 de junho, por 15 mil pessoas na apresentação da banda de rock Foo Fighters. E seis dias depois, por mais 1.700 na reestreia de “Springsteen on Broadway”, show de Bruce Springsteen no St. James Theatre. A comprovação foi exigida nas duas performances.

Pesquisa com 643 organizações artísticas de Nova York extraída de dados da Americans for the Arts mostra o esforço delas na transição para modelos de programação online na pandemia: 68% passaram a fornecer produtos e serviços por meio virtual e 65% começaram a ter programação online pela primeira vez.

Grandes produções da Broadway, como “Hamilton” e “Diana”, musical biográfico sobre a princesa britânica, acharam o caminho do streaming. Outros pereceram por causa da Covid-19. Os musicais “Frozen” e “West Side Story”, além das peças “Hangmen” e “Who’s Afraid of Virginia Woolf?”, fecharam permanentemente.

Uma das atrações culturais mais visitadas de Nova York, o Metropolitan Museum ficou fechado por 202 dias entre março e agosto de 2020. Nos meses em que esteve aberto, recebeu 1,12 milhão de visitantes —17% dos 6,5 milhões de 2019. Já o website do museu registrou 30 milhões de visitas em 2020. Nas semanas após o fechamento, seus canais de mídia social tiveram aumento significativo no engajamento: 95% no Instagram, 57% no Twitter e 17% no Facebook. O tráfego na página inicial do Met na internet registrou 76,5% de aumento global.

“Durante o fechamento, as pessoas perceberam mais do que nunca o quanto o Met significa para elas”, observou Max Hollein, diretor do museu. “Quando reabrimos pela primeira vez, a emoção era palpável. As pessoas aplaudiam, gritavam, até choravam.”

De cerca de quatro mil visitas por dia no outono e no inverno passados, o museu passou agora para perto de 10 mil.

A fim de aproveitar opções culturais da cidade, sobretudo as gratuitas como o festival de música Summerstage, apresentado anualmente por vários parques, o público agora se submete à caça de ingressos e loterias pela internet. Antes, apesar de enfrentarem filas, as pessoas pegavam bilhetes nos locais que promoviam os eventos.

Tradicional há 45 verões e suspenso em 2020, o programa Shakespeare in the Park voltou em julho com loteria de ingressos. Mas o Delacorte, teatro ao ar livre no Central Park com 1.800 lugares, só podia abrigar 428 pessoas. “Merry Wives”, adaptação da comédia shakespeariana “The Merry Wives of Windsor”, agora pode ser vista por 1.468 espectadores a cada apresentação.

Quando um temporal adiou a estreia do espetáculo em 6 de julho, o diretor artístico do Public Theater, Oskar Eustis, tomou aquilo como metáfora para a recuperação cultural de Nova York.Ele pressentiu: “Nem tudo vai voltar num piscar de olhos, a reabertura será tão desafiadora quanto o fechamento”.

Atores no teatro ao ar livre Delacorte, no Central Park, que voltou a apresentar o programa gratuito Shakespeare in The Park
Atores no teatro ao ar livre Delacorte, no Central Park, que voltou a apresentar o programa gratuito Shakespeare in The Park - Sara Krulwich/The New York Times

O passado entra em cartaz nos EUA

Foi nocaute no cinema. O mercado global de bilheteria para todos os lançamentos no mundo, em 2020, ficou em US$ 12 bilhões, queda de 72% em relação a 2019, segundo a Motion Picture Association, que representa os maiores estúdios dos EUA e a Netflix. Para sair da lona, o setor lançou 133 filmes diretamente para streaming e 132 para serviços on-demand no ano, segundo dados do Reelgood.

Mas os norte-americanos reviveram o costume dos drive-ins, que geraram, do final de março até meados de agosto de 2020, 85% da receita de bilheteria no país —contra 2,9% em 2019, pelos dados da Comscore.
Nos cálculos da Nielsen Media Research, adultos estão vendo mais de 4 horas de TV por dia, streaming incluído. Maratonar foi um jeito de lidar com o estresse pandêmico.

Rir como antes foi outro remédio. “Family Matters”, programa com elenco negro produzido de 1989 a 1998, teve aumento de 400% na audiência da TV americana. Mais nostalgia: as temporadas de “Friends”, exibidas originalmente nos EUA entre 1994 e 2004, prenderam a atenção por 96,9 bilhões de minutos e ficaram em primeiro lugar na preferência.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.