Atividade de extensão entra no currículo no ano que vem

10% dos créditos universitários deverão ser obtidos em ações promovidas para a sociedade

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Philippe Scerb
São Paulo

No ano que vem, entra em vigor resolução do CNE (Conselho Nacional de Educação) que inclui a extensão universitária como etapa obrigatória dos cursos de graduação. A partir de dezembro de 2022, ao menos 10% dos créditos curriculares deverão ser obtidos por meio de ações de extensão.

No guarda-chuva da extensão universitária entram atividades que promovam o contato da academia com a comunidade, como cursos de formação abertos ao público em geral e projetos sociais e ambientais.

A expectativa é que a resolução estimule o envolvimento de alunos e docentes e torne a universidade mais conectada à sociedade.

Segundo Olgamir Amancia Ferreira, decana de extensão da UnB (Universidade de Brasília), a maioria das universidades, especialmente as públicas, já está bem adiantada no processo de adequação do currículo. “É uma mudança de paradigma na educação que vai impulsionar o trabalho interdisciplinar e acabar com o encastelamento da academia. É como se a extensão passasse a ter finalmente seu caráter formativo reconhecido”, diz.

A resolução do CNE deve revigorar também o debate sobre como medir e avaliar a extensão universitária. As dificuldades são grandes. Primeiro, porque as atividades desenvolvidas são muito diferentes e, depois, porque é complicado medir o impacto das ações na sociedade e na universidade.

Entre os esforços para superar esses obstáculos, destaca-se o trabalho do Forproex (Fórum de Pró-Reitores de Extensão das Instituições Públicas de Educação Superior), que tem avançado na construção de um repertório de indicadores elaborados pelos próprios responsáveis por projetos.

Ferreira, que é presidente do Forproex, diz que a extensão não pode obedecer as mesmas métricas usadas em outras dimensões da atuação universitária. Não se trata, como na avaliação de um programa de pós-graduação, de ver quantas teses foram defendidas em determinado ano.

A pesquisadora reconhece a necessidade de avaliação, mas considera importante “dar conta da complexidade da extensão, voltada à transformação do estudante e da sociedade e que não acontece no curto prazo”.

O Forproex aprovou, em 2017, um rol de 15 indicadores que poderiam ser adotados em diferentes realidades. Mais recentemente, no quadro da revisão do processo de avaliação das instituições de ensino superior promovida pelo Tribunal de Contas da União, o Forproex selecionou cinco indicadores capazes de medir os projetos de extensão no que diz respeito ao montante de recursos aplicados, à infraestrutura ofertada, à proporção de alunos envolvidos, à relação com a sociedade e à sua produtividade.
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Outra iniciativa para a construção de indicadores para a extensão universitária culminou, depois de mais de dez anos de debates entre universidades ibero-americanas, na publicação do Manual de Valência, em 2017.

Para conformar parâmetros para a análise do envolvimento da universidade com o seu entorno, o manual parte da disposição e da capacidade da instituição de promover as atividades.

Simone Pallone, pesquisadora da Unicamp e co-líder do Grupo de Estudos sobre Relações Universidade e Sociedade, afirma que não adianta querer criar atividades se elas não estão previstas no estatuto da universidade.

Além desses esforços conjuntos, as universidades têm se dedicado à construção de indicadores que deem conta das especificidades locais. “Como podemos olhar para uma universidade em Rio Verde, em Goiás, e avaliar suas ações com a mesma métrica que a Universidade Federal do Rio Grande do Sul?” questiona Olgamir Ferreira.

As universidades esbarram também na lacuna de informações sobre as atividades desenvolvidas. Faltam estímulos para que os docentes responsáveis registrem as iniciativas, já que a extensão não implica reconhecimento acadêmico e tampouco consiste em requisitos de carreira —o que pode mudar com a resolução do CNE.

A pró-reitora de cultura e extensão da USP, Maria Aparecida Machado, conta que a primeira iniciativa que tomou ao assumir o posto tinha como objetivo mensurar a extensão na universidade. Para isso, organizou um censo com as unidades de ensino, institutos e museus. De todos aqueles que conduziram alguma atividade, apenas 30% responderam à solicitação. “Os professores estão tão sobrecarregados com aula e pesquisa que acabam vendo o registro como secundário”, afirma.

A professora Marcia Gobbi, da Faculdade de Educação da USP, coordena o projeto Sociologia em Movimento, no qual estudantes de ciências sociais organizam oficinas com alunos do ensino médio da rede pública em que discutem temas caros a eles, como as relações de gênero, à luz de conceitos e teorias sociológicas.

Segundo Gobbi, é difícil mensurar os impactos de projetos como esse. Em primeiro lugar, eles transformam a maneira pela qual os estudantes de graduação pensam a sua formação e o sentido do conhecimento adquirido na universidade. Os efeitos, de longo prazo, se manifestam na relação que estabelecem com o conteúdo do curso e nas escolhas profissionais futuras.

Em segundo lugar, o resultado do projeto não poderia ser medido apenas pelo número de pessoas que participam das oficinas. A partir desse contato, diz Gobbi, “os alunos da rede pública passam muitas vezes a saber da existência da universidade e pensar que é possível prestar o vestibular e ocupá-la”.

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