Descrição de chapéu Economia Circular

Economia circular exige envolvimento de todos os atores, diz ex-ministra da Holanda

Responsável por iniciar mudança no país, especialista defende coalizão voluntária com a presença de um mediador

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Genebra (Suíça)

A ex-ministra do Meio Ambiente da Holanda Jacqueline Cramer (2007-2010) é responsável pelo início da transição do país de um modelo produtivo linear para uma economia circular, com os objetivos de reduzir tanto o uso de recursos naturais para matéria-prima quanto a geração de lixo.

A Holanda implantou ainda em 1979 uma política para gestão de resíduos, que inaugurou a priorização dos erres antes do descarte: reduzir, reutilizar e reciclar.

Mulher de cabelo branco posa para retrato usando blazer azul
Jacqueline Cramer, ex-ministra do Meio Ambiente da Holanda - Vincent Basler/Divulgação


Na metade dos anos 1980, o governo estabeleceu programas de reciclagem para 30 tipos de material e, ao longo dos anos 1990, empresas holandesas foram incentivadas a fazer o ecodesign, desenho ecológico de produtos.

Mas, para Cramer, "o ecodesign ainda pode resultar em um produto que vai para o lixo". Ao assumir o Ministério do Meio Ambiente da Holanda, reuniu em um só plano as políticas de gestão de resíduos com as de produção ecológica, juntando as pontas da economia linear —extração e descarte— para formar um círculo, do berço ao berço, indo de uma cadeia produtiva à outra.

O desafio é que, de um berço a outro, os materiais viajam entre diferentes cadeias produtivas e exigem compromissos de setores inteiros para o desenvolvimento de novos círculos econômicos.

Neste contexto, Cramer entrou como uma "corretora da transição", como ela define seu papel, intermediando a negociação com setores produtivos para encontrar as soluções —técnicas, políticas e financeiras— para a circularidade.

Na última década, as negociações decolaram em 22 setores, com experimentos que transformam restos do processamento de alimentos em aditivos aromatizantes, como também em biogás.

Entre os acordos setoriais já assinados, há planos sobre o redesenho de colchões para que seus materiais sejam recicláveis, a reutilização de cimento e concreto após demolições e o uso de materiais sustentáveis no setor têxtil.

Cramer avalia que a governança em rede foi uma chave da transição holandesa que pode ser exportada para o mundo. "Já consumimos excessivamente. Se continuarmos neste caminho, vamos precisar, em 2050, de três Terras. E isso é impossível."

Questões como desmatamento e clima passaram a ser tratadas com mais urgência, apontando que estamos prestes a estourar os limites planetários. Quando falamos sobre economia circular, também estamos falando de uma emergência?
Com certeza. Atualmente, nós já precisamos de 1,75 planeta, ou seja, 1 e mais ¾ de Terra, para fornecer toda a matéria-prima que precisamos. Já consumimos excessivamente. Se continuarmos neste caminho, vamos precisar, em 2050, de três Terras. E isso é impossível.

Como foi possível desenvolver na Holanda a política de economia circular?
Na verdade, começamos a desenvolver esse conceito nos anos 1980, porque nós somos um país muito pequeno e altamente industrializado. Não podíamos continuar criando mais aterros para estocar resíduos. Foi por isso que começamos a reciclar e a pensar como podemos desenhar produtos de uma forma que considere os aspectos ecológicos.

Como aconteceu o salto da política de reciclagem e gestão de resíduos para a economia circular?
Nos anos 1990, eu fui uma das pessoas que promoveu o ecodesign, mas ele ainda pode resultar em um produto que vai ser jogado fora. Então começamos a desenvolver o conceito de berço a berço, que foi mais provocativo. Berço a berço significa que você realmente vai voltar para o berço, para usar os produtos novamente. Produtos devem circular do berço ao berço, não [do berço] à cova.
Além disso, nós tentamos conectar essa ideia com as políticas de gestão de resíduos, em vez de tratá-las como partes separadas. Essa foi a minha maior intervenção [durante a participação no governo].

A senhora estava envolvida com a política de economia circular antes e depois de ter sido ministra. Sua atuação tem relação com o modelo de governança em rede, que defende nos seus livros?
Sim. Antes de ser ministra, já era muito ativa na sociedade, conhecia os papéis importantes dos diferentes atores. Também sabia que quando você quer fazer uma transição você precisa que todos os atores se envolvam. Não se pode mudar um sistema sozinho.

A senhora acha que os governos estão preparados para governar junto à sociedade?
Essa questão é interessante, porque nós somos um país acostumado a trabalhar juntos entre atores. Nós podemos ser inundados facilmente. Temos uma história com sistemas de gestão hídrica com um conselho em que cidadãos trabalham juntos para assegurar a gestão da água.
Mas quando finalizei meu primeiro livro, sobre como a governança em rede pode impulsionar a economia circular, pensei "bem, talvez isso seja bem específico da Holanda". Então entrevistei representantes de centros de economia circular em outros 15 países e perguntei sobre a necessidade e as condições para a governança em rede. Alguns países, como o Brasil, são receptivos para a governança em rede. Vocês conseguem cooperar uns com os outros e têm uma sociedade plural. Então há uma possibilidade para que vocês criem essa rede.

No Brasil, há um forte componente social para a reciclagem, promovida por catadores de materiais, frequentemente em situação de extrema pobreza. Como garantir inclusão social em uma transição baseada em abordagens de mercado e avanços tecnológicos? Essa é uma missão para o "corretor da transição", assim como você definiu seu próprio papel?
A razão pela qual eu digo que precisamos de um corretor da transição é que quando você começa uma coalizão voluntária com os atores, na maior parte do tempo, cada um deles tem seu próprio interesse.
E quanto mais poderoso é um ator, mais dificuldade você tem para incluir os mais fracos. Se você tem um mediador, ele pode assegurar que todos os interesses sejam alinhados.

A Holanda tem a meta de reduzir 50% do uso de matéria-prima até 2030. Como isso é possível em uma economia globalizada?
Isso inclui tudo que circula na nossa economia, então de fato inclui o que nós importamos. E importamos muito. Quanto mais alto você mira na escada da economia circular, mais matéria-prima você poupa. A prioridade mais alta deveria ser evitar o uso de matéria-prima; depois, reduzir o uso de novos materiais por unidade de produto. No terceiro degrau, está o redesenho dos produtos.
Depois, reutilização e reparos e, por último, a recuperação energética através da incineração, o que não é mais circularidade. Todas essas coisas juntas baseiam a meta de 50%.

Empresas fazem "maquiagem verde" com a economia circular? O que não é economia circular? Como distinguir?
Há graus de circularidade. Algumas empresas agem como se fossem completamente circulares, mas o que fazem é apenas subciclagem [reciclagem com depreciação do valor, em que o produto não foi pensado desde o início para ser reaproveitado]. Meu conselho para as empresas sempre é: sejam transparentes com o que vocês fazem e com aquilo que ainda não fazem.
Até porque quase não existem empresas completamente circulares. É um longo processo. Mas quando você enxerga o que pode fazer, e os benefícios socioeconômicos, eu diria que não há outro caminho que não seja na direção de uma economia circular.

Jacqueline Cramer, 70
Foi ministra da Habitação, Ordenamento do Território e Ambiente da Holanda entre 2007 e 2010, pelo Partido Trabalhista. Bióloga e doutora em ciência pela Universidade de Amsterdã, é consultora de sustentabilidade empresarial desde 1990 e professora de inovação sustentável da Universidade de Utrecht. Nos últimos dois anos, publicou os livros "Building a Circular Future" (construindo um futuro circular) e "How Network Governance Powers the Circular Economy" (como a governança em rede potencializa a economia circular), ambos editados pelo Amsterdam Economic Board e disponíveis gratuitamente na internet, em inglês

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