Navegação de pacientes com câncer torna tratamento mais eficiente e dá suporte emocional

Profissional ajuda a diminuir espera por exames, reduzir gastos e aumentar chances de cura

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Campinas

A educadora física Angela Maria Iagallo, 43, viveu por sete anos com uma pinta no calcanhar. Quando foi orientada por sua dermatologista a retirá-la, descobriu um câncer de pele avançado.

Com o diagnóstico, foi encaminhada ao Hospital A.C. Camargo, referência no tratamento da doença, em São Paulo. "Cheguei extremamente abalada. Com engasgo e uma dor na barriga", conta.

Lá, foi recebida por dois profissionais, os chamados navegadores de pacientes com câncer. Enfermeiros, assistentes sociais e psicólogos são os profissionais mais relacionados à função. Eles dão suporte emocional, ajudam na organização e agendamento de exames e esclarecem dúvidas.

Na foto, Angela posa para foto no seu apartamento, no bairro Jardim Boa Vista, na zona oeste de São Paulo
A professora de natação Angela Maria Iagallo, 43, foi diagnosticada com câncer de pele; ela está em tratamento no A.C. Camargo e tem acesso à navegação - Mathilde Missioneiro/Folhapress

Implementada nos EUA nos anos 1990, a navegação chegou ao Brasil em 2014. Desde então, hospitais particulares investem em profissionais especializados, visando tratamento mais eficiente e barato.

No SUS, a implementação costuma vir de médicos e pesquisadores. Eles pagam os navegadores via parcerias com entes privados, como o Instituto Avon. Depois, com resultados em mão, tentam convencer o poder público a manter o projeto.

A primeira coisa que fazemos é olhar nos olhos, acolher e estar à disposição. Ao mesmo tempo que o paciente sente que um buraco abriu no chão, estamos ali para falar que tem tratamento

Elaine Cordeiro Bernardon

Enfermeira navegadora do A.C.Camargo

Rafael Kaliks, oncologista clínico do Grupo de Mama do Hospital Israelita Albert Einstein, que também tem um programa de navegação, diz que o tratamento de pacientes com câncer costuma ser feito por um conjunto de profissionais —cirurgiões, terapeutas, fisioterapeutas e outros especialistas.

"Se cada um falar para o paciente ‘agenda aqui, agenda lá’ e lavar as mãos, a chance de algo dar errado é de quase 100%", afirma.

Além do apoio burocrático, os navegadores são referência. "É alguém com quem se pode criar vínculo", afirma a enfermeira Camila Forni, que supervisionou o programa do A.C. Camargo por dois anos.

na foto, Elaine Cordeiro, enfermeira navegadora do hospital A.C. Camargo
Enfermeiras do A.C. Camargo atuam na navegação de pacientes com câncer; na foto, Elaine Cordeiro, enfermeira navegadora - Karime Xavier/Folhapress

O afeto é habilidade obrigatória para esses profissionais. "A primeira coisa que fazemos é olhar nos olhos, acolher e estar à disposição. Ao mesmo tempo que o paciente sente que um buraco abriu no chão, estamos ali para falar que tem tratamento e vamos ajudar", diz a enfermeira navegadora do A.C. Camargo Elaine Cordeiro Bernardon.

Ela se senta com a pessoa, recolhe os encaminhamentos médicos e começa a organizar a ordem de exames e consultas a serem agendadas.

Foi assim que Angela começou a se sentir melhor. "A Ana [navegadora que a atendeu] te dá um certo alívio, uma direção, e faz toda a diferença", diz.

O hospital tem navegadoras desde 2017. Hoje, são 12, em 12 centros de referência. O número de profissionais por centro é distribuído de acordo com a complexidade de cada tipo de câncer e a quantidade de pacientes. O time é comandado por uma supervisora e participa de reuniões semanais com os médicos.

No hospital, pacientes crônicos e com cânceres agressivos têm acesso às navegadoras. O serviço é disponibilizado para convênio e SUS.

Segundo Camila, embora os planos de saúde não paguem pelas profissionais, o hospital vê a navegação como investimento, que beneficia paciente, empresa e sociedade. "Consigo orientar uma pessoa sem que ela precise vir ao pronto-socorro. Cada vez que ela vem, tem um gasto com transporte, o custo do serviço de saúde e a despesa do hospital para atendê-la."

Se um paciente começa a sentir, por exemplo, muito enjoo por causa de um tratamento, ou tem dúvidas sobre alimentação ou remédios, entra em contato com a navegadora, que o orienta. Os atendimentos são por email ou telefone.

O hospital também monitora, por aplicativo, pacientes que passaram por determinados procedimentos, como cirurgias. Para Camila, isso possibilita que um quadro de saúde seja identificado e tratado rapidamente, antes que uma piora leve à internação ou à UTI. Caso necessário, o paciente é orientado a ir ao hospital.

Camila Forni Antunes, enfermeira navegadora do hospital A.C. Camargo
Camila Forni Antunes, enfermeira navegadora do hospital A.C. Camargo, referência no tratamento de câncer - Karime Xavier/Folhapress

Segundo Kaliks, do Einstein, navegadores aumentam as chances de um paciente realizar todos os procedimentos no mesmo hospital, o que também gera receita.

No hospital, a função de navegar é vista como promoção, confiada a enfermeiros de longa data com experiência no tratamento de câncer. Cada oncologista comanda uma equipe de navegadores.

Kaliks conta que o Einstein está implementando a função de navegador no Hospital Municipal da Vila Santa Catarina, que atende ao SUS. "Um navegador no SUS é até mais imprescindível. Ajuda mais do que na saúde privada."

Já existem hospitais do SUS que implementaram a navegação. Um dos primeiros foi o Hospital da Mulher, em São João do Meriti (RJ). A iniciativa começou em 2016, com a mastologista Sandra Gioia, pesquisadora e coordenadora do Programa de Navegação de Pacientes da Secretaria Estadual de Saúde do Rio de Janeiro, à frente do projeto.

Um navegador no SUS é até mais imprescindível. Ajuda mais do que na saúde privada

Rafael Kaliks

Oncologista do Hospital Israelita Albert Einstein

Com o patrocínio de uma ONG, ela conseguiu iniciar uma pesquisa para investigar se a Lei dos 60 dias poderia ser cumprida com a navegação. O texto prevê que pacientes com neoplasia maligna (câncer) têm direito a fazer o primeiro tratamento no SUS em até 60 dias após o diagnóstico.

Ainda neste ano, ela irá publicar estudos que mostram como a implementação da navegação e o cumprimento da lei aumentaram sobrevida e diminuíram a mortalidade de pacientes a longo prazo.
As iniciativas inspiraram uma lei municipal no Rio, de 2021, que prevê a navegação para pessoas com câncer.

Agora, tramita na Câmara dos Deputados projeto da deputada Tereza Nelma (PSD-AL) que prevê a criação de um programa nacional para pessoas com câncer de mama. O projeto já foi aprovado no Senado está na Câmara para análise de emendas. Em seguida, vai para sanção presidencial.

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