Descrição de chapéu Obituário Aleksandar Mandic (1954 - 2021)

Morre Aleksandar Mandic, pioneiro da internet comercial no Brasil

Fundador da Mandic BBS e do portal iG, empresário foi um dos primeiros a conectar brasileiros em chats

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São Paulo

Aleksandar Mandic, empreendedor e pioneiro da internet comercial no Brasil, morreu nesta quinta-feira (6) aos 66 anos. A informação foi confirmada pelo filho Axel Mandic em um perfil de rede social.

Mandic contraiu Covid-19 no fim do ano passado e chegou a ficar em estado crítico em um hospital de Portugal, onde morava. Após a recuperação do vírus, seu estado de saúde se agravou devido a uma leucemia, que já enfrentava em 2020. Nos últimos meses estava em São Paulo, onde morreu –a causa não foi divulgada.

Mandic trabalhou por 17 na Siemens até fundar a Mandic BBS, em 1990, marca que o levou ao reconhecimento no mundo de tecnologia. Foi uma das primeiras pessoas a ganhar dinheiro com a internet no Brasil, antes mesmo da popularização da internet comercial, a partir de 1996.

O sistema BBS (Bulletin Board System), objeto dos seus negócios, é um dos pioneiros de troca de mensagens. Antecedeu chats como ICQ, MSN Messenger e WhatsApp. Tratava-se de uma ferramenta sem interface gráfica, com uma tela preta e letras verdes pequenas.

Aleksandar Mandic, empresário e pioneiro na internet comercial no Brasil
Aleksandar Mandic, empresário e pioneiro na internet comercial no Brasil - Karime Xavier/Folhapress (abr.15)

Mandic teve a ideia de criar seu próprio negócio quando era funcionário da área de automação industrial da Siemens. Em 1989, entrou em contato com o sistema BBS, enquanto participava de um projeto para a Volkswagen.

No livro "Os Bastidores da Internet", de Eduardo Vieira, Mandic conta que lhe foi dada a tarefa de consertar um computador do tamanho de uma geladeira. Ao pedir ajuda para a matriz alemã, um técnico acessou essa máquina por uma linha telefônica plugada em um modem e consertou o problema.

"Pareceu um show de mágica", disse Mandic, que ofereceu um projeto parecido à Siemens para que os engenheiros pudessem consertar computadores remotamente. O plano foi negado pelo chefe, que justificou com falta de modem e de linha telefônica.

Mandic montou sua BBS em um quarto de casa, em São Paulo, e começou a conectar os técnicos da companhia, mas também pessoas comuns. Uma delas era um profissional do Unibanco que também tinha uma BBS.

"Juntei minha BBS com a dele e montamos um cineminha mudo em preto branco, quer dizer, em preto e verde", diz no livro. "Batizamos a comunidade com meu nome, Mandic BBS, e começamos a divulgar para todo mundo trocar arquivos, programas, jogos e falar sobre assuntos corriqueiros, como previsão do tempo, futebol e mulher pelada. Em seis meses, já tínhamos mais de 40 usuários por dia", relatou.

Mandic começou a cobrar pelo acesso mensal à BBS e, aos poucos, profissionalizou o negócio. À medida que a empresa cresceu, deixou a Siemens para se dedicar exclusivamente à ideia.

Figuras como Jô Soares, César Camargo Mariano e Roger, do Ultraje a Rigor, estavam nos chats de Mandic, que até casaram pessoas, de acordo com relatos de ex-usuários nas redes sociais.

No segundo ano de operação, ele ganhou US$ 30 mil. Em 1995, o serviço tinha 10 mil usuários, um faturamento de US$ 2 milhões e 90 linhas telefônicas instaladas.

Para Demi Getschko, "o pai da internet" no Brasil e amigo de Mandic, ele tinha faro e sabia aproveitar isso a seu favor.

"O Mandic era, acima de tudo, alguém que tinha noção do que se passava e sabia se enquadrar no momento da vida. Fez-se sozinho pela própria criatividade e perspicácia. Mas sempre foi leal e correto com todos", afirma Getschko.

Em 1996, com a chegada da internet comercial no Brasil, o fundo GP Investimentos, de Jorge Paulo Lemann, fez uma sociedade com Mandic e seu sócio, Antônio Lunardelli. Mandic e GP ficaram com 50% do negócio cada.

Dois anos depois, o GP saiu da empresa e vendeu 75% da Mandic para a argentina de telecomunicações Impsat. Pouco tempo depois, Mandic também decidiu abandonar o negócio.

Em janeiro de 2000, tornou-se sócio fundador do portal iG, onde ficou por cerca de dois anos, colaborando para o fomento dos portais no Brasil. Nessa época, trabalhou com Getschko.

Em 2002, reabriu a Mandic, mas com foco em email corporativo. Uma década depois, a vendeu para o fundo Riverwood Capital. Pouco antes disso, também tentou a vida política como candidato a deputado federal pelo Democratas, mas não conseguiu o cargo.

Em 2013, criou a companhia que manteve até o fim da vida, a Wifi Magic, de compartilhamento de senhas públicas de wifi.

Em entrevista à Folha em 2013, ele disse que teve a ideia após ter seu acesso à internet cortado durante uma viagem. "Agora, quando viajo, baixo todas as senhas de wi-fi daquela cidade para consultar off-line", afirmou na ocasião.

O empresário era piloto de avião, apreciava vinhos e criptomoedas. "Era um visionário, sem formação acadêmica brilhante, um técnico. Mas enxergou o que a internet poderia representar quando todo o mundo pensava que era uma maluquice", diz Eduardo Vieira, que também era seu amigo.

Os amigos se impressionavam com sua agenda de aniversários. De onde estivesse, ligava para parabenizar as pessoas.

Mandic deixa três filhos e dois netos.

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