Somos o problema e a solução das fake news, diz pesquisador

Para Diogo Pacheco, viés informativo nas redes não é responsabilidade das plataformas, mas de escolhas dos usuários

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Solange Reis
Madri

É improvável que um dia eliminemos as informações falsas nas redes sociais, mas é possível minimizar seu efeito, afirma Diogo Pacheco, pesquisador de ciência social computacional e modelagem de comportamento social complexo. Além de denunciar, investigar e punir, é preciso que todos se conscientizem de que são parte fundamental do problema e, portanto, também da solução. "Repensem antes de passar", conclama o pesquisador.

Formado em engenharia de computação, Pacheco é doutor em ciência da computação pela Universidade da Flórida, professor na Universidade de Exeter, no Reino Unido, onde mora, e colaborador do Observatório de Mídias Sociais da Universidade de Indiana.

Retrato de Diogo, um homem branco, de cabelo e barba grisalhos; ele veste camisa azul e está em um escritório
Diogo Pacheco, professor da Universidade de Exeter, Reino Unido - Arquivo pessoal

A entrevista foi concedida por email.

É fato que a internet aumentou o fluxo de informação entre as pessoas. De que forma isso afeta o comportamento delas dentro e fora da rede? Somos animais sociais e a estrutura dos nossos relacionamentos é extremamente poderosa. O fluxo aumentou, pois temos mais conexões e conteúdo circulando. Paradoxalmente, esse "excesso" de informação não está promovendo sociedades mais evoluídas, como mostram o crescente movimento antivacina e a desconfiança na ciência.

O problema passa pelas novas vulnerabilidades a que somos expostos nas redes sociais, como as câmaras de eco e os robôs. As primeiras são resultantes das estruturas sociais polarizadas que favorecem o radicalismo e, ao mesmo tempo, distorcem a realidade sobre pluralidade e representatividade de opiniões.

Já os robôs podem ser utilizados para inflar artificialmente a popularidade de indivíduos e postagens.

É inegável que a exposição a esses conteúdos influencia a forma como nos comportamos fora da rede. Comentários ofensivos em grupos de WhatsApp, por exemplo, têm deixado marcas e rancores em relacionamentos no mundo real.

Há, ou não, impacto do aumento do tráfego de comunicação nas redes sociais na construção de um pensamento social crítico? Penso que a internet cria, sim, comunidades de debate político. Na verdade, é difícil encontrar alguma comunidade que não seja representada na internet.

A política hoje é um tema muito mais presente nas discussões e conversas cotidianas, o que é um primeiro passo importante na construção de um pensamento crítico. No entanto, para uma grande parcela da população, a política ainda se assemelha a torcer por times ou seguir religiões. Para essa turma, o interesse no debate é mínimo. Espaços que poderiam servir para a construção dessas comunidades são comumente deturpados. Basta ver as seções de comentários de qualquer site com grande tráfego.

No passado, a informação era provida por especialistas via universidades, grande imprensa e instituições que, de alguma forma, tinham de prestar contas. Hoje, as fontes são mais difusas. Que riscos estão embutidos nessa nova estrutura? São vários, a começar pela sobrecarga de informações e a pressão para estarmos a par de tudo o que acontece ao nosso redor, o que leva muitos a consumirem apenas manchetes. Recebemos muito mais informações do que jamais poderíamos consumir, então saber filtrar passa a ser fundamental. Esse filtro vai muito além da simples escolha de qual artigo ler. Engloba a escolha de a quem vamos seguir.

O risco maior talvez seja não assimilarmos essas mudanças estruturais e, ingenuamente, pensarmos que as plataformas seriam responsáveis por essa prestação de contas. O fato é que elas não são responsáveis pela geração de conteúdo, mas por prover meios para a geração e distribuição.

Observe ainda que a descentralização dos meios de comunicação e a democratização das vozes nas redes sociais não é algo intrinsecamente ruim. Todos podem ser ouvidos e as minorias são muito mais visíveis. No entanto, essa nova realidade esconde um custo altíssimo – a responsabilidade individual. Somos responsáveis pelo que consumimos e, principalmente, o que compartilhamos.

Ninguém está livre de receber e difundir notícias falsas. Existem grupos mais suscetíveis a esse tipo de desinformação? Sim. Publicamos um estudo na Nature Communications, no ano passado, no qual investigamos esses vieses, utilizando contas neutras e automatizadas no Twitter, contextualizadas na política norte-americana. No experimento, todas as contas se comportavam de acordo com um mesmo modelo probabilístico. A única diferença entre elas foi o primeiro "amigo" escolhido para seguir.

As contas que inicialmente seguiram conservadores acabaram sendo expostas a 13 vezes mais conteúdos de baixa credibilidade do que as seguidoras de progressistas. É difícil explicar a causa, mas observamos que os conservadores formam redes mais densas e populares, cercadas por mais robôs do que os progressistas. Esses fatores podem ser uma explicação para o excesso de desinformação observado.

É importante ressaltar que esses vieses são frutos de como os usuários utilizam e exploram a plataforma, e não de manipulações por parte da plataforma ou de seus algoritmos.

Quais são os principais mecanismos que fazem a informação chegar a um determinado público? A principal forma de circular informação é através da sua rede social pessoal, isto é, pelo conjunto de conexões que criamos nas plataformas de redes sociais. Quanto maior o número de seguidores, maior a audiência. Mas a informação segue além de conexões diretas, pois seguidores podem propagar notícias para seus próprios seguidores e assim sucessivamente. Logo, a topologia dessa complexa estrutura de conexões é o que possibilita a informação viajar na rede e alcançar determinados públicos.

Além disso, podemos encontrar novas informações através de buscas ativas (como hashtags) ou promovidas (como trending topics). Robôs podem interferir de forma inorgânica em todos esses mecanismos. Passam-se por humanos e criam conexões para divulgar conteúdo. Postam conteúdos, incansavelmente, na tentativa de ditar ou poluir as conversações; coordenam ataques mencionando contas populares na tentativa de promover agendas ou infiltrar novas redes, entre outros.

Tomando como exemplo o período recente de sua pesquisa, a campanha eleitoral nos EUA, como as redes sociais formam o posicionamento de eleitores? Somos facilmente tentados a seguir pessoas que concordam conosco e a bloquear os que pensam diferente de nós. Esse movimento gradativo tem aumentado a segregação de ideias e potencializado radicalismos. Tudo isso diante de uma sobrecarga de informação em que indivíduos precisam ser mais atuantes na identificação de fontes confiáveis.

Nesse contexto, deixamos o pensamento crítico de lado e escolhemos um time para torcer. Seguimos apoiando-o cegamente e levantando bandeiras além da razão, desde que estejamos certos de que somos nós contra eles.

O problema é ainda mais grave quando políticos populares e influentes nas redes sociais tentam subjugar processos e instituições democráticas, promovendo ódio, destruição e mais segregação.

Com a proximidade das eleições de outubro, cresce a preocupação com a manipulação da informação nas redes sociais. Como desmontar, em tão pouco tempo, um sistema de disseminação de fake news já instalado? É improvável que um dia tenhamos redes sociais livres de informações falsas, mas certamente podemos tentar minimizar os danos causados por elas. Denunciar, investigar e punir, quando apropriado, são as melhores práticas numa democracia.

Mas precisamos lembrar às pessoas que elas são parte fundamental desse problema, sofremos as consequências diretas já que estamos todos conectados e compartilhamos um mesmo planeta. Vírus continuarão matando aqueles que acreditam, ou não, na sua existência, e podem ser ainda mais letais quando discordamos. Mas, felizmente, podemos também ser parte da solução. Repensemos antes de repassar.


Raio-X

Diogo Pacheco, 39

Engenheiro de computação formado pela Universidade Federal de Pernambuco, é doutor em ciência da computação pela Universidade da Flórida, professor na Universidade de Exeter (no Reino Unido) e colaborador do Observatório de Mídias Sociais da Universidade de Indiana (EUA)

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