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Cinco coisas sobre as quais a bolha da tecnologia estava certa

Do valor dos dados à globalização eletrônica, algumas tendências chegaram para ficar

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John Thornhill

Editor de inovação do Financial Times

Quando a bolha da internet estourou, em 2000, muitos investidores parecem ter ficado pasmos com sua estupidez coletiva, e bradaram: o que é que estávamos pensando? Como foi que a Pets.com, uma empresa com lucro zero mais famosa por seu mascote, um fantoche de pano com orelhas saltitantes, do que por qualquer plano de negócios coerente, conseguiu abrir seu capital na Nasdaq e depois pedir concordata em menos de um ano?

Hoje, alguns investidores podem estar se remoendo, diante da queda de 29% na Nasdaq este ano, e contemplando os escombros das empresas de aquisição de propósito específico (Spac, na sigla em inglês), que permitiram que diversas companhias sem lucros nem planos de negócios coerentes chegassem ao mercado. Essas Spac foram, nas palavras de um investidor veterano, o "último espasmo degenerado de uma alta de mercado que durou muito mais do que devia".

Entretanto, como o empreendedor de tecnologia Paul Graham afirmou em um ensaio brilhante publicado após o primeiro crash da internet, os investidores do mercado de ações estavam certos sobre a direção da viagem, mesmo que estivessem errados sobre sua velocidade. "Apesar de todos os disparates que ouvimos durante a bolha sobre a 'nova economia', havia um cerne de verdade", ele escreveu no ensaio "What The Bubble Got Right" [coisas sobre as quais a bolha estava certa].

Logo da Nasdaq em Nova York, Estados Unidos - Eric Thayer - 4.jun.12/Reuters

Escrita em 2004, a lista compilada por Graham de dez coisas sobre as quais a bolha estava certa continua a resistir ao teste do tempo. A internet de fato revolucionou os negócios. Nerds californianos mal-ajambrados de 26 anos de idade, equipados com boas ideias, em muitos casos inovaram muito mais do que executivos engravatados de 50 anos, apesar das excelentes conexões de negócios de que estes dispunham. A tecnologia não acrescenta, se multiplica, ele escreveu.

Sobre o que os investidores estavam certos na mais recente bolha?

Seria fascinante ouvir o que Graham tem a dizer sobre a situação atual. Infelizmente, ele ainda não respondeu ao meu email. Portanto, para dar início ao debate, aqui estão cinco coisas que sobre as quais eu acho que a última bolha estava certa, com base em entrevistas com investidores e empresários. Os leitores com certeza terão ideias melhores, ou contrárias.

1.Dados valem ouro

Primeiro, o mercado acionário tinha razão ao atribuir enorme valor aos dados, mesmo que os contadores tenham dificuldade para reconhecê-los em seus balanços. As empresas capazes de recolher, processar e explorar dados significativos têm vantagem competitiva importante em quase todos os mercados.

2. Globalização eletrônica só avança

Em segundo lugar, embora a globalização possa estar perdendo velocidade, a globalização eletrônica está se acelerando. A União Internacional de Telecomunicações estima que 4,9 bilhões de pessoas —ou 63% da população mundial— estavam conectadas à Internet em 2021. O objetivo dela é atingir os 100% até 2030. Não só as pessoas estão acessando a internet cada vez mais como estão cada vez mais acessíveis nela. Um programador adolescente trabalhando em um quarto em Tallinn, Lagos ou Jacarta pode atingir uma audiência mundial do dia para a noite.

3. Pandemia de Covid transformou o cenário

Terceiro, a pandemia da Covid mudou permanentemente o mundo do trabalho. Os investidores em ações talvez estivessem sofrendo de vertigens ao forçarem altas generosas nas avaliações de companhias que se tornaram especialmente populares no lockdown, como a Netflix, Spotify, Peloton e Zoom. Mas para muitas empresas, forçar funcionários valiosos a voltar ao escritório nunca mais será possível. As empresas conhecidas como "liquid enterprises", capazes de contratar e gerir trabalhadores em todo o mundo, vão prosperar —assim como as empresas que atendem a essa força de trabalho descentralizada.

4. Transição energética é irreversível e trará valor

Em quarto lugar, a transição energética vai se traduzir em riqueza colossal nos mercados de ações. A Tesla pode ter se tornado a empresa mais superestimada, se não supervalorizada, do planeta. Mas, porque ela lidera a revolução dos veículos elétricos, simboliza uma tendência importante.

5. Ativos digitais serão inevitáveis

Em quinto lugar, os tecnólogos que propagam o evangelho das criptomoedas e da Web 3 podem ter fracassado até agora em oferecer respostas suficientes, mas estão fazendo as perguntas certas. Como é que deteremos e comercializaremos ativos digitais? "O blockchain vai mudar completamente o jogo. Vai reestruturar o back office do planeta", disse o presidente-executivo de um banco.

A desaceleração cíclica nos mercados abertos e fechados de tecnologia este ano vem contrariando essas tendências seculares. Mas nas últimas semanas os investidores estão se abrindo de novo aos atrativos das empresas de tecnologia de rápido crescimento. Um exemplo é a Figma, uma empresa de software colaborativo que acaba de aceitar uma oferta de aquisição pela Adobe no espantoso valor de US$ 20 bilhões.

Dylan Field, 30, um dos fundadores da Figma, me disse que sua empresa foi construída com base nas "megatendências" que estão remodelando o setor de tecnologia. Cerca de 81% dos usuários ativos da Figma vivem fora dos Estados Unidos, hoje. Pode ter se tornado um clichê dizer que "o software está devorando o mundo" (para usar uma expressão cunhada pelo investidor em tecnologia Marc Andreessen), mas isso continua a ser verdade. "As pessoas presumem que acabou. Mas está apenas começando", diz Field.

Houve momentos em que a mais recente bolha da tecnologia foi parecida com o esquema de pirâmide involuntário operado pela primeira onda da internet e descrito por Graham no início do século. Mas isso não quer dizer que os instintos dos investidores não fossem sólidos, tanto na época quanto agora. A única pergunta é que preço devemos atribuir a eles.

Tradução de Paulo Migliacci

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