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'Consciência' em robôs já foi tabu. Hoje é a última palavra

Busca pela consciência artificial pode ser o próximo objetivo da humanidade. Mas traz uma série de perguntas difíceis.

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Oliver Whang
The New York Times

Hod Lipson, um engenheiro mecânico que dirige o Creative Machines Lab (Laboratório de Máquinas Criativas) da Universidade Columbia, moldou a maior parte de sua carreira em torno do que algumas pessoas em seu setor chamam de "palavra com c".

Numa manhã ensolarada em outubro passado, o roboticista nascido em Israel sentou-se atrás de uma mesa em seu laboratório e se explicou. "Esse assunto era tabu", disse, com um sorriso que expõe uma pequena brecha entre os dentes da frente. "Fomos quase proibidos de falar sobre isso –'Não fale sobre a "palavra com c"; você não vai conseguir estabilidade'–, então no começo eu tive que disfarçar, como se fosse outra coisa."

Isso foi no início dos anos 2000, quando Lipson era professor-assistente na Universidade Cornell. Ele estava trabalhando para criar máquinas que conseguissem notar se houvesse algo errado com seu próprio hardware –uma peça quebrada ou fiação defeituosa– e então mudar seu comportamento para compensar a deficiência, sem a orientação de um programador. Assim como quando um cachorro perde uma perna em um acidente ele pode aprender a andar novamente de uma maneira diferente.

Protótipo de robô desenvolvido por Yuhang Hu, aluno de doutorado do Creative Machines Lab da Universidade Columbia, em Nova York
Protótipo de robô desenvolvido por Yuhang Hu, aluno de doutorado do Creative Machines Lab da Universidade Columbia, em Nova York - Karsten Moran/The New York Times

Esse tipo de adaptabilidade embutida, argumentou Lipson, se tornaria mais importante à medida que nos tornássemos mais dependentes das máquinas. Os robôs estavam sendo usados para procedimentos cirúrgicos, fabricação e transporte de alimentos; os aplicativos para as máquinas pareciam praticamente infinitos, e qualquer erro em seu funcionamento, à medida que se tornassem mais integrados às nossas vidas, poderia significar um desastre. "Vamos literalmente entregar nossas vidas a um robô", disse ele. "Queremos que essas máquinas sejam resilientes."

Uma maneira de fazer isso era se inspirar na natureza. Os animais, e principalmente os humanos, são bons em se adaptar às mudanças. Essa habilidade pode ser resultado de milhões de anos de evolução, já que a resiliência em resposta a ferimentos e mudanças de ambiente geralmente aumenta as chances de um animal sobreviver e se reproduzir. Lipson se perguntou se poderia replicar esse tipo de seleção natural em seu código, criando uma forma generalizável de inteligência que pudesse aprender sobre seu corpo e função, não importa qual fosse sua aparência e sua função.

Esse tipo de inteligência, se possível de ser criada, seria flexível e rápida. Seria tão boa em uma situação difícil quanto os humanos –melhor, até. E à medida que o aprendizado de máquina se tornava mais poderoso esse objetivo parecia se tornar realizável. Lipson ganhou estabilidade e sua reputação como engenheiro criativo e ambicioso cresceu. Então, nos últimos dois anos, ele começou a articular sua motivação fundamental para fazer todo esse trabalho. Ele começou a dizer a "palavra com c" em voz alta: ele quer criar robôs conscientes.

Hod Lipson, diretor do Creative Machines Lab
Hod Lipson, diretor do Creative Machines Lab - Karsten Moran/The New York Times

O Creative Machines Lab, no primeiro andar do edifício Seeley W. Mudd, em Columbia, é organizado em caixas. A sala em si é uma caixa, dividida em estações de trabalho quadradas, forradas de cubículos. Dentro dessa ordem, estão espalhados robôs e pedaços de robôs. Um rosto azul olhando fixamente de uma prateleira; uma máquina verde parecida com uma aranha abrindo as pernas para fora de uma cesta no chão; um delicado robô-libélula equilibrado sobre uma mesa de trabalho. São os restos evolucionários de mentes mecânicas.

A primeira dificuldade no estudo da "palavra com c" é que não há consenso sobre a quê ela realmente se refere. É o caso também de muitos conceitos vagos, como liberdade, significado, amor e existência, mas esse domínio costuma ser reservado aos filósofos, e não a engenheiros. Algumas pessoas tentaram taxonomizar a consciência, explicando-a apontando para funções no cérebro ou algumas substâncias mais metafísicas, mas esses esforços dificilmente são conclusivos e dão origem a mais perguntas. Mesmo uma das descrições mais amplamente compartilhadas da chamada consciência fenomenal –um organismo é consciente "se há algo que é como ser esse organismo", como disse o filósofo Thomas Nagel– pode parecer pouco clara.

Entrar diretamente nessas águas turvas pode parecer infrutífero para os especialistas em robótica e cientistas da computação. Mas, como disse Antonio Chella, um roboticista da Universidade de Palermo, na Itália, a menos que a consciência seja levada em conta, "parece que está faltando algo" no funcionamento das máquinas inteligentes.

Tentar renderizar a flexível palavra c usando entradas e funções tratáveis é uma tarefa difícil, se não impossível. A maioria dos roboticistas e engenheiros tende a ignorar a filosofia e formar suas próprias definições funcionais. Thomas Sheridan, professor emérito de engenharia mecânica no Instituto de Tecnologia de Massachusetts, disse acreditar que a consciência pode ser reduzida a um determinado processo e que quanto mais descobrirmos sobre o cérebro menos nebuloso o conceito parecerá. "O que começou como assustador e meio religioso acaba sendo uma ciência objetiva e direta", disse ele.

(Essas visões não são reservadas aos roboticistas. Filósofos como Daniel Dennett e Patricia Churchland e o neurocientista Michael Graziano, entre outros, apresentaram uma variedade de teorias funcionais da consciência.)

Lipson e os membros do Creative Machines Lab se enquadram nessa tradição. "Preciso de algo que seja totalmente edificável, seco, não romântico, apenas porcas e parafusos", disse ele. Ele estabeleceu um critério prático para a consciência: a capacidade de se imaginar no futuro.

Zhizhuo Zhang (esq.) e Ruibo Liu (dir.), pesquisadores do Creative Machines Lab, da Universidade Columbia, em Nova York
Zhizhuo Zhang (esq.) e Ruibo Liu (dir.), pesquisadores do Creative Machines Lab, da Universidade Columbia, em Nova York - Karsten Moran/The New York Times

O benefício de se posicionar em uma teoria funcional da consciência é que ela permite o avanço tecnológico.

Um dos primeiros robôs autoconscientes a emergir do Creative Machines Lab tinha quatro pernas articuladas e um corpo preto com sensores fixados em diferentes pontos. Movendo-se e observando como as informações que entravam em seus sensores mudavam, o robô criou uma simulação de si mesmo. À medida que o robô continuou se movendo, ele usou um algoritmo de aprendizado de máquina para melhorar o ajuste entre seu automodelo e seu corpo real. O robô usou essa autoimagem para descobrir, em simulação, um método de avançar. Então aplicou esse método ao seu corpo; havia descoberto como andar sem que lhe mostrassem como andar.

Isso representou um grande passo à frente, disse Boyuan Chen, roboticista da Universidade Duke que trabalhou no Creative Machines Lab. "Na minha experiência anterior, sempre que você treinava um robô para realizar uma nova função havia um humano ao lado", disse ele.

Recentemente, Chen e Lipson publicaram um artigo na revista Science Robotics que revelou sua mais nova máquina autoconsciente, um braço simples com duas articulações que foi fixado a uma mesa. Usando câmeras instaladas ao seu redor, o robô observou a si mesmo enquanto se movia –"como um bebê num berço, observando-se no espelho", disse Lipson. Inicialmente, não tinha noção de onde estava no espaço, mas ao longo de algumas horas, com a ajuda de um poderoso algoritmo de aprendizado profundo e um modelo de probabilidade, foi capaz de se identificar no mundo. "Ele tem essa noção de si mesmo, uma nuvem", disse Lipson.

Mas era realmente consciente?

O risco de se comprometer com qualquer teoria da consciência é que fazê-lo abre a possibilidade de críticas. Claro, a autoconsciência parece importante, mas não existem outras características-chave da consciência? Podemos chamar algo de consciente se não nos parece consciente?

Chella acredita que a consciência não pode existir sem a linguagem, e vem desenvolvendo robôs que podem formar monólogos internos, raciocinando consigo mesmos e refletindo sobre as coisas que veem ao seu redor. Um de seus robôs recentemente conseguiu se reconhecer num espelho, passando no que provavelmente é o mais famoso teste de autoconsciência animal.

Joshua Bongard, roboticista da Universidade de Vermont e ex-membro do Creative Machines Lab, acredita que a consciência não consiste apenas em cognição e atividade mental, mas tem um aspecto essencialmente corporal.

No verão passado, na mesma época em que Lipson e Chen lançaram seu mais novo robô, um engenheiro do Google afirmou que o chatbot recém-aprimorado da empresa, chamado LaMDA, era consciente e merecia ser tratado como uma criança pequena. Essa afirmação foi recebida com ceticismo, principalmente porque, como observou Lipson, o chatbot estava processando "um código escrito para concluir uma tarefa". Não havia estrutura subjacente de consciência, apenas a ilusão de consciência, disseram outros pesquisadores. Lipson acrescentou: "O robô não era autoconsciente. É quase uma trapaça".

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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