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Arábia Saudita gasta bilhões em medidas para dominar indústria de jogos globais

Savvy gasta US$ 8 bilhões (R$ 38,6 bi) em 18 meses para diversificar receitas e adquirir soft power

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Samer Al-Atrush Tim Bradshaw
Riad e Londres | Financial Times

A Arábia Saudita gastou quase US$ 8 bilhões (R$ 38,6 bilhões) em aquisições e aumento de participação em empresas de games em todo o mundo nos últimos 18 meses, como parte de uma onda de investimentos turbinados com o objetivo de ser uma força dominante na crescente indústria do entretenimento.

O Savvy Games Group, apoiado pela Arábia Saudita, liderou os negócios, incluindo uma participação significativa na VSPO da China, no Embracer Group da Suécia e na aquisição da Scopely, dos Estados Unidos, enquanto Riad usa sua riqueza em petrodólares para conquistar espaço numa ampla gama de setores.

Lançado em janeiro de 2022, o Savvy é de propriedade integral do FIP (Fundo de Investimento Público) da Arábia Saudita, de US$ 650 bilhões (R$ 3,1 trilhões), e presidido pelo príncipe herdeiro, Mohammed bin Salman, que disse que sua meta é transformar o reino no "centro global definitivo do setor de games e e-sports" em apenas sete anos.

Pessoas participam do fórum internacional de E-Sport Gamers "Next World", na capital saudita, Riad - Fayez Nureldine - 7.set.2022/AFP

Para apoiar seus planos caracteristicamente ambiciosos, a Savvy recebeu um fundo de US$ 38 bilhões (R$ 183,2 bilhões).

"É uma abordagem de escavadeira", disse Piers Harding-Rolls, analista de jogos da empresa de pesquisas Ampere Analysis. "A indústria na Arábia Saudita é incipiente: eles precisam construí-la literalmente do zero."

O reino pretende se tornar a sede de 250 empresas e estúdios de jogos e criar 39 mil empregos, com essa indústria contribuindo com 1% do produto interno bruto até 2030. Os planos incluem uma incursão nos esportes eletrônicos por meio da parceria com a VSPO.

Autoridades familiarizadas com os planos do reino dizem que mais negócios estão em andamento. Segundo elas, o foco em jogos faz parte de uma revisão da economia do país para diversificá-la além do petróleo, levando a Arábia Saudita a investir em uma série diversificada de indústrias em crescimento, como a de veículos elétricos.

O esforço se encaixa nas tentativas de adquirir soft power (poder suave) global, com o reino gastando pesadamente em esportes como futebol e golfe, que os críticos dizem ser uma tentativa de desviar a atenção do histórico de direitos humanos do país.

A estratégia de jogos provocou agitação na indústria, já que Riad compete com gigantes como Tencent, Microsoft e Sony pelos melhores talentos e propriedade intelectual.

"A Arábia Saudita está deixando sua marca na indústria de jogos e no crescimento da indústria global de jogos como um todo", disse Vincent Wang, gerente geral global de publicação e esportes eletrônicos da Tencent Games.

Os games são populares na Arábia Saudita, onde 70% de sua população de 36 milhões tem menos de 35 anos. Uma porcentagem semelhante de seus cidadãos se identifica como jogadores, conforme autoridades sauditas do setor. O príncipe Mohammed é um "gamer" declarado.

"São um mercado e um parceiro extremamente empolgantes para nós", disse Danny Tang, diretor financeiro e chefe de estratégia global da VSPO. "A Arábia Saudita é um país muito jovem, com uma comunidade de ‘gaming’ altamente engajada."

Além do acordo da Savvy, o FIP comprou uma participação de 8% na Nintendo, tornando-se o maior investidor externo da empresa japonesa, bem como participações na Activision Blizzard e na Ubisoft.

Autoridades dizem que o reino quer alavancar sua influência financeira para construir uma participação considerável no setor de jogos, que, de acordo com a NewZoo, vale US$ 200 bilhões (R$ 964,32 bilhões). Um relatório da PwC no ano passado previu que a receita global de videogames poderia ultrapassar US$ 300 bilhões (R$ 1,4 trilhão) e representar mais de 10% dos gastos totais com entretenimento e mídia até 2026.

Uma mudança geracional nos hábitos de consumo leva alguns analistas a prever que os jogos ultrapassarão a televisão tradicional e serão a maior fonte de receitas de entretenimento nos próximos anos.

"A região possui dados demográficos favoráveis", disse Brian Ward, diretor executivo da Savvy. "Quando você inclui a estratégia nacional [...] e o desejo de diversificar a economia do petróleo e do gás, é uma suposição natural fazer investimentos em games na Arábia Saudita."

Governos regionais e nacionais em todo o mundo há muito usam isenções fiscais, financiamento de startups e outros incentivos para atrair talentos para o setor, o que apresenta aos formuladores de políticas uma combinação atraente de inovação técnica e criatividade.

No entanto, os executivos do setor dizem que só o dinheiro pode não ser suficiente para conquistar qualquer desenvolvedor que a Savvy tenha como alvo.

Para alguns, a transação de US$ 5 bilhões (R$ 24,1 bilhões) da Scopely apenas indicou que a Savvy teria de pagar a mais para fechar negócios. "Ninguém podia acreditar no preço que eles conseguiram", disse um veterano do setor, acrescentando que a Scopely estava "há algum tempo" procurando uma aquisição definitiva ou fazer uma oferta pública inicial.

"Eles são bastante explícitos sobre isso: há um prêmio por tudo associado a eles", disse essa fonte, acrescentando que os sauditas estão dispostos a pagar acima do preço de mercado. "Ninguém vai se mudar para Riad ou Jedá para curtir a vida noturna."

A Arábia Saudita não conseguiu abalar sua reputação de abusos dos direitos humanos, apesar das reformas sociais do príncipe Mohammed.

Mesmo depois que ele fez mudanças, como permitir que mulheres dirijam carros e assistam a shows mistos, o assassinato do comentarista saudita Jamal Khashoggi em 2018 por agentes estatais levou muitas empresas a se recusarem a fazer negócios em Riad. A Agência Central de Inteligência dos EUA disse que o príncipe Mohammed ordenou a operação "capturar ou matar". Ele negou a responsabilidade.

Desde então, as empresas voltaram a Riad, atraídas pelas dezenas de bilhões de dólares que o FIP está gastando em casa e no exterior.

Porém, o governo continua sob o ataque de grupos de direitos humanos por reprimir os críticos, mesmo quando tenta adquirir ativos de entretenimento. O FIP investiu em esportes em particular, como gastar 305 milhões de libras (R$ 1,8 bilhão) para comprar o time de futebol Newcastle United, da Premier League, e na semana passada comprometer cerca de US$ 3 bilhões (R$ 14,4 bilhões) para selar uma fusão entre o LIV Golf, apoiado pela Arábia Saudita, e o PGA Tour, com sede nos EUA.

"Não acho que eles sejam um comprador ideal para a maioria dos estúdios de games", disse um investidor. "Não tenho certeza de quanto ambiente criativo vão criar para as empresas que comprarem."

Os bilhões do reino podem ter chegado aos jogos num momento crucial. O crescimento da indústria está diminuindo para um dígito, já que não pode mais pegar carona no sucesso da popularidade das pessoas que jogam em smartphones, que agora respondem por metade das receitas da indústria, e os custos de marketing aumentaram.

Os estúdios de jogos privados podem preferir vender para a Savvy do que seguir um caminho complicado para uma IPO, mesmo que persistam as reservas sobre fazer negócios com o regime saudita por motivos éticos.

"Os mercados públicos estão fechados e os investidores estão ficando cansados", disse um investidor. "Tenho certeza de que haverá outras Scopelys."

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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