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Fintechs que garantem pagamento de mensalidade a escolas avançam no Brasil

Inadimplência afeta 24% das instituições privadas de ensino básico; 3.542 fecharam no país desde 2020

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São Paulo

O empresário Rafael Matsudo, 38, administrava o colégio Le Petit Nicolá, em Mariporã (SP), sob a pressão de uma taxa de inadimplência de 15% nas mensalidades. Para ter mais previsibilidade de caixa, a solução encontrada por ele foi contratar os serviços de uma startup especializada.

Pagando uma tarifa de 3,5% do total das mensalidades, ele passou a ter o recebimento integral do valor garantido todos os meses, o que permitiu um respiro financeiro aos negócios.

A situação vivida por Matsudo ajuda a explicar um mercado em crescimento no Brasil. Diante de um cenário de inadimplência alta, fintechs voltadas ao setor educacional vêm ganhando espaço com soluções financeiras para escolas.

Professora da escola Avidus, em Brasília, usa jogos educativos em aula. A professora, à direita na imagem, manuseia um notebook por trás do aparelho. À sua frente, há um menino de cabelos lisos e pretos. À direita dela, estão três meninas, uma de cabelos loiros, outra de mechas pretas e a última de madeixas castanhas. Todos vestem uniforme: camiseta branca e shorts escuros.
Professora da escola Avidus, no bairro Sudoeste, em Brasília, usa jogos educativos em aula. Essa instituição de ensino usa os serviços da Startup Isaac, que garante ao mantenedor recebimento de 100% do valor das mensalidades. O dono da escola Thiago Almeida afirma que a solução libera tempo para investir em assuntos pedagógicos. - Pedro Ladeira/Folhapress

No caso do empresário, a startup contratada foi o Educbank, que é uma das principais desse segmento ao lado de nomes como Isaac e Sponte.

Embora reconheça que o montante a ser pago ao longo do contrato de 20 anos seja alto, Matsudo não se arrepende da decisão. "O preço vale a pena pela estabilidade. É um serviço que ninguém oferece", diz.

Ele afirma que, antes de optar pelo serviço, tentou conseguir crédito via Pronampe (Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte), mas os bancos exigiam movimentação financeira de R$ 1 milhão por ano.

A proposta de garantir as matrículas também faz sentido para as fintechs, visto que os pais tendem a pagar os valores devidos com atraso para rematricular os filhos no próximo ano letivo. Ao longo do período de contrato, as escolas precisam entregar todos os serviços ao aluno, para estar de acordo com a legislação brasileira.

Para conceder crédito à escola, o Educbank avalia a situação financeira da escola, evasão de alunos, rotatividade de professor, reputação e qualidade acadêmica. Esses dados são processados via inteligência artificial para gerar uma nota, que determina a taxa a ser cobrada. A instituição de ensino também precisa fazer um investimento inicial.

Além de crédito, essas fintechs ainda oferecem orientação para diminuir a inadimplência, mas o nível de intervenção na gestão varia de empresa para a empresa.

A Educbank, por exemplo, oferece orientação. Já a concorrente Isaac tem um aplicativo para cobrança. A Sponte terceiriza o trabalho do Educbank para garantir apenas o pagamento.

Donos de escolas particulares ouvidos pela reportagem dizem aceitar a proposta porque a falta de previsibilidade de caixa decorrente é uma das principais razões para falência de negócios na área.

O dono do Petit Nicolá, por exemplo, diz que considera uma vantagem receber o total dos valores todo dia 5. "Antes, havia pai que pedia para pagar no dia 10, no dia 15, no dia 20 ou no dia 25. A folha de pagamento impacta o caixa e tinha que ser paga no dia 15". A escola, então, corria o risco de sofrer com causas trabalhistas.

Matsudo diz que chegou a lidar com pagamentos atrasados de 50% de seus clientes. A solução foi aumentar o preço das mensalidades de R$ 800 para R$ 1.300 e privilegiar a procura do público de maior renda. A infraestrutura da escola comportava o movimento —era o antigo prédio de um colégio Pueri Domus —franquia de luxo do grupo SEB.

"Perdi 70 ou 80 alunos que me pagavam em 2019, mas consegui alavancar e colocar para funcionar", afirmar. À época, a escola tinha 180 alunos, para uma área de 8.000 m², sendo 1.600 m² construídos.

A unidade tem hoje duas sedes em Mariporã, na parte paulista da Serra da Cantareira. Uma, no centro da cidade, que atende 50 alunos de Educação Infantil e Ensino Fundamental das classes B, C e D, com mensalidades entre R$ 500 e R$ 600. A outra sede fica no Parque Petrópolis, bairro nobre da cidade, mira a classe A e cobra R$ 1.300 mensais de 189 alunos da 1ª série ao terceiro ano do Ensino Médio.

Christopher Morais, diretor de negócios da Sponte, fintech voltada ao ensino, avalia que a escolha de Matsudo faz sentido, visto que os responsáveis com maior orçamento familiar têm mais facilidade com as contas. "Os pais de menor renda fazem um sacrifício para colocar o filho na escola particular e, em algumas situações, têm que privilegiar o pagamento da conta de luz ou de uma compra de supermercado."

Levantamento da Sponte feito com 3.000 instituições de ensino corroboram o relato dos administradores de escolas particulares. Em 2022, 24% dos pais atrasaram o pagamento em ao menos 30 dias ou cancelaram a transação 30 dias após o vencimento das parcelas. Os números, contudo, ficam abaixo dos registros nas instituições de ensino superior: 30,2%.

Dados da última edição do censo escolar, realizado pelo Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira), mostram que uma a cada 42 escolas particulares fechou as portas em 2022 —foram 1.076. Em 2020 e 2021, dois primeiros anos da pandemia de Covid-19, o resultado havia sido ainda pior, com 2.466 estabelecimentos privados de ensino fechados.

A partir do momento em que passam a acompanhar a gestão de seus clientes, as fintechs Educbank e Isaac também oferecem crédito aos donos de escola. Matsudo, por exemplo, pegou dinheiro emprestado para abrir uma nova sede do Le Petit Nicolá, na Grande São Paulo.

A ideia era investir em uma unidade na Zona Norte da capital, mas o Educbank identificou que havia poucas crianças na região e orientou pela região do ABC Paulista.

O Educbank foi pioneiro nesse mercado, que começou no Brasil em 2020. Desde então, mais de R$ 1 bilhão foram investidos na área. Em 2023, a finetech, sozinha, planeja transacionar mais de R$ 1 bilhão em pagamentos.

As abordagens mudam a cada empresa. O Isaac, por exemplo, se mantém mais afastado da gestão da escola e aposta em uma plataforma de gestão, que funciona como um relatório de negócios em tempo real.

"Damos total autonomia às escolas. Na própria plataforma, o mantenedor pode escolher dar desconto a um pai e isso já altera a cobrança na hora", diz David Peixoto, cofundador da startup.

O mantenedor da rede de educação infantil Eklod, de Brasília, Thiago Almeida, diz que não enfrentava grandes problemas de inadimplência antes de aderir ao Isaac. No entanto, afirma que o aplicativo poupa tempo da escola com trabalho técnico-administrativo e permite que sua equipe foque em aspectos pedagógicos.

Em outubro do ano passado, a gigante da educação Arco comprou o Isaac por US$ 150 milhões (R$ 741,2 milhões). A fintech fatura pagamentos, hoje, em mais de mil escolas —da rede da Arco e de outras origens.

A Sponte, além de intermediar serviços do Educbank, também oferece consultorias. Recomenda, por exemplo, que seus clientes sugiram aos pais que escolham o pagamento recorrente, como os da assinatura de streaming, como Netflix e Spotify. Segundo ela, isso diminui a inadimplência, já que o banco fatura de forma automática.

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