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Professores de verdade colocam IAs de ensino à prova nos EUA

Cidade se ofereceu para ser cobaia dos robôs tutores para as escolas públicas do país

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Natasha Singer
Newark (EUA) | The New York Times

Em uma manhã recente, Cheryl Drakeford, professora da terceira série da Escola Elementar da Primeira Avenida em Newark, nos Estados Unidos, projetou uma questão matemática desafiadora no quadro-branco de sua sala de aula: "Que fração das letras da palavra ‘MATHEMATICIAN’ [MATEMÁTICO, em português] são consoantes?"

Drakeford sabia que "consoante" poderia ser uma palavra desconhecida para alguns alunos. Então ela sugeriu que pedissem ajuda ao Khanmigo, um novo bot (robô) de tutoria que usa inteligência artificial.

Ela fez uma pausa de um minuto enquanto cerca de 15 alunos digitavam obedientemente a mesma pergunta –"O que são consoantes?"– em seu software de matemática. Em seguida, ela pediu aos alunos da terceira série que compartilhassem a resposta do bot de tutoria.

"Consoantes são as letras do alfabeto que não são vogais", leu um aluno em voz alta. "As vogais são A, E, I, O e U. Consoantes são todas as outras letras."

Cheryl Drakeford leads her third-grade math and science class at First Avenue Elementary School in Newark, N.J., on May 22, 2023. Her students are trying Khanmigo, a new AI-assisted tutoring bot
A professora Cheryl Drakeford durante uma aula na Escola Elementar da Primeira Avenida, em Newark, nos EUA - Gabriela Bhaskar - 22.mai.2023/The New York Times

A animação da indústria tecnológica e as profecias apocalípticas em torno de chatbots aprimorados por IA, como o ChatGPT, fizeram com que muitas escolas lutassem este ano para bloquear ou limitar o uso dessas ferramentas em salas de aula. As Escolas Públicas de Newark estão adotando uma abordagem diferente.

É um dos primeiros sistemas escolares dos Estados Unidos a testar o Khanmigo, ferramenta de ensino automatizada desenvolvida pela Khan Academy, organização educacional sem fins lucrativos cujas aulas online são usadas por centenas de distritos.

Newark basicamente se ofereceu para ser uma cobaia para as escolas públicas de todo o país que estão tentando diferenciar o uso na prática de novos bots de tutoria assistidos por IA de suas promessas de marketing.

Os proponentes afirmam que os chatbots em sala de aula podem democratizar a ideia de tutoria, personalizando automaticamente as respostas aos alunos, permitindo que eles estudem as lições em seu próprio ritmo. Os críticos alertam que os bots, que são treinados em vastos bancos de dados de textos, podem fabricar informações falsas que parecem plausíveis, tornando-se uma aposta arriscada para as escolas.

Autoridades de Newark, o maior distrito de Nova Jersey, disseram que estavam testando cautelosamente o bot de tutoria em três escolas. Suas descobertas podem influenciar distritos nos Estados Unidos que estão avaliando ferramentas de IA neste verão para o próximo ano letivo.

"É importante apresentá-la aos nossos alunos, porque não vai desaparecer", disse Timothy Nellegar, diretor de tecnologia educacional das Escolas Públicas de Newark, sobre a tecnologia assistida por IA. "Mas precisamos descobrir como ela funciona, os riscos, o bom e o ruim."

Students work on laptops at First Avenue Elementary School in Newark, N.J., on May 22, 2023. Like many districts, Newark is trying to distinguish the practical uses of AI classroom tools from their marketing promises
Estudantes de escola elementar de Newark usam notebooks durante aula - Gabriela Bhaskar - 22.mai.2023/The New York Times

A Khan Academy está entre as poucas empresas de aprendizado on-line que criaram novos bots de tutoria com base em modelos de linguagem desenvolvidos pela OpenAI, o laboratório de pesquisa por trás do ChatGPT. A Khan Academy, cujos doadores de tecnologia de alto nível incluem o Google, a Fundação Bill e Melinda Gates e a Fundação Elon Musk, teve acesso aos modelos de IA no ano passado.

Projetado especificamente para escolas, o bot de tutoria geralmente conduz os alunos pela sequência de etapas necessárias para resolver um problema.

Quando a Khan Academy começou a procurar distritos para testar seu "tutorbot" experimental, nesta primavera, Newark se ofereceu. Várias escolas primárias locais já estavam usando as aulas de matemática on-line da organização educacional como uma forma de acompanhar o domínio dos alunos em conceitos como agrupamento de números. E a ferramenta de IA seria gratuita para essas escolas durante a fase inicial de teste-piloto.

Funcionários do distrito disseram que queriam ver se o Khanmigo poderia melhorar o envolvimento dos alunos e o aprendizado de matemática. Escolas como a Primeira Avenida, frequentadas por muitas crianças de famílias de baixa renda, também estavam ansiosas para dar a seus alunos a oportunidade de experimentar um novo auxílio de ensino assistido por IA.

Os estudantes de Newark começaram a usar o auxiliar de ensino automatizado da Khan em maio. As críticas até agora foram mistas.

Em uma manhã recente, alunos da sexta série da escola elementar estavam trabalhando numa tarefa de estatística que envolvia desenvolver suas próprias pesquisas com consumidores. O professor Tito Rodriguez sugeriu que os alunos começassem fazendo duas perguntas básicas ao Khanmigo: "O que é uma pesquisa? O que torna uma pergunta estatística?"

Rodriguez descreveu o bot como um "coprofessor" útil que lhe permitia dedicar mais tempo às crianças que precisavam de orientação, ao mesmo tempo em que deixava os alunos mais autônomos seguirem em frente.

"Agora eles não precisam esperar pelo Sr. Rodriguez", disse ele. "Podem perguntar ao Khanmigo."

Tito Rodriguez, back to camera, leads his sixth grade math class at First Avenue Elementary School in Newark, N.J., on May 22, 2023. His students used Khanmigo, a new AI-assisted tutoring bot, to learn about designing surveys.
O professor Tito Rodriguez durante aula em escola de Newark, nos Estados Unidos - Gabriela Bhaskar - 22.mai.2023/The New York Times

Na aula de matemática da professora Drakeford, as respostas do bot aos alunos às vezes pareciam menos sugestões e mais respostas diretas.

Quando os alunos perguntaram ao Khanmigo a questão da fração postada no quadro branco da sala de aula, o bot respondeu que a palavra "mathematician" continha 13 letras e que sete delas eram consoantes. Isso significava que a fração de consoantes era 7 em 13, escreveu o bot, ou 7/13.

"Essa é a nossa maior preocupação, que grande parte do trabalho de reflexão passe por Khanmigo", disse Alan Usherenko, assistente especial para escolas do distrito, incluindo a da Primeira Avenida, na ala norte de Newark. O distrito não queria que o bot conduzisse os alunos através de um problema passo a passo, disse ele, acrescentando: "Queremos que eles saibam resolver o problema sozinhos, para usar suas habilidades de pensamento crítico".

Em um e-mail, a Khan Academy disse que os alunos geralmente precisam de suporte inicial para passar pelas etapas de solução de problemas, e a prática pode ajudá-los a aprender a passar automaticamente pelas etapas, sem ajuda.

O grupo acrescentou que o bot de tutoria foi projetado para ajudar os alunos a resolver problemas, não para dar as respostas. No caso do problema da fração em Newark, porém, Khanmigo "ajudou demais, rápido demais", disse a organização.

"Nossa equipe de engenharia corrigiu a IA algumas semanas atrás", disse a Khan Academy em um e-mail na terça-feira (20), "para que não dê mais a resposta a essa pergunta".

Na quarta, um repórter fez ao Khanmigo a mesma pergunta sobre fração. No modo aluno, o tutorbot explicou os passos e depois forneceu diretamente a resposta: "A fração de consoantes na palavra 'MATHEMATICIAN’ é 7/13".

No modo professor, projetado para guiar os educadores por meio de problemas e respostas, o bot forneceu uma resposta diferente –incorreta. Khanmigo disse erroneamente que havia oito consoantes na palavra "mathematician". Isso levou o bot a fornecer uma resposta errada: "8 consoantes/ 14 letras no total = 8/14".

Em um e-mail, a Khan Academy disse que corrigiu o problema em sua seção "Tutor de matemática e ciência" para alunos, observando que o repórter havia feito a pergunta em outra parte do site. "Quanto ao modo professor dar a resposta incorreta", dizia o e-mail, "às vezes Khanmigo comete erros."

Mesmo assim, Usherenko disse estar esperançoso. O distrito sugeriu à Khan Academy que, em vez de depender dos alunos para fazer as perguntas certas a Khanmigo, seria mais útil se o bot fizesse perguntas abertas aos alunos e analisasse suas respostas.

"Ainda não está como eu quero", disse Usherenko sobre o Khanmigo. "Mas quando ele conseguir encontrar os equívocos dos alunos, mudará o jogo."

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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