Descrição de chapéu
John Thornhill

Quer fazer uma consulta com um médico de IA?

Setor da saúde precisa de revolução na produtividade, mas não pode às custas de privacidade e segurança de pacientes

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

John Thornhill

Fundador do site Sifted, sobre startups europeias, apoiado pelo Financial Times

Financial Times

A promessa da inteligência artificial é que ela vai transformar a produtividade. Em lugar algum isso é mais necessário que na área da saúde.

Com populações cada vez mais idosas, restrições fortes aos gastos e profissionais de muitos sistemas de saúde sobrecarregados, uma revolução na saúde seria bem-vinda, e quanto antes, melhor.

Como escreveu a Dra. Margaret McCartney em ensaio do FT Weekend marcando o 75º aniversário do serviço nacional de saúde britânico, o NHS (National Health Service), o trabalho dos clínicos gerais hoje em dia é "essencialmente inviável".

Médico olha tela de um monitor. Imagem é azulada.
Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP - Zanone Fraissat - 14.jun.23/Folhapress

Há décadas os tecnólogos vêm prometendo transformar o setor da saúde, mas os resultados têm sido desiguais. É um setor repleto de arrogância, hype e avanços anunciados, mas que não se concretizam.

Em um dos exemplos famosos, a IBM alardeou que seu supercomputador Watson, que em 2011 venceu o quiz show Jeopardy!, também poderia trazer a solução para o câncer, mas ele mostrou que não tinha todas as respostas.

O público encara o uso da IA (inteligência artificial) na saúde com desconfiança profunda. Uma pesquisa do Pew Research Center este ano constatou que 60% dos entrevistados nos EUA se disseram incomodados com a ideia de IA ser usada para diagnosticar doenças ou recomendar tratamentos.

Poderá a promessa mais recente de uma revolução na saúde impelida pela tecnologia e acelerada pela emergência da IA generativa trazer resultados concretos desta vez?

Um especialista que acredita que sim é Lloyd Minor, diretor da Stanford Medical School. Ele argumenta que os avanços recentes na inteligência artificial nos permitirão fazer o que os criadores do Watson visualizaram.

A IA é usada há bastante tempo em áreas específicas da saúde, por exemplo, ajudando a monitorar possível interações medicamentosas e a analisar exames de imageamento de lesões da pele. Porém, Minor diz que os modelos de IA generativa atuais vão impactar todos os aspectos da saúde, desde o atendimento a pacientes e a administração rotineira até os estudos de medicina e a descoberta de medicamentos.

Segundo ele, enquanto a internet nos permite acessar informações, a IA generativa vai nos permitir assimilar conhecimentos. "Existem pontos de inflexão na história humana: a conquista da linguagem, a impressão, a internet. Penso que a IA generativa é um ponto de inflexão semelhante."

Para aproveitar a oportunidade ao máximo, no mês passado a escola de medicina de Stanford formou uma parceria com o Instituto de Inteligência Artificial Centrada em Humanos, da mesma universidade, para discutir as questões éticas e de segurança que cercam o uso da IA.

A iniciativa conjunta RAISE-Health vai acompanhar as aplicações promissoras da IA nas ciências da vida e na saúde, acelerando pesquisas e ajudando a educar pacientes e médicos sobre as utilizações responsáveis da tecnologia.

A IA já está abrindo possibilidades de prestação muito mais eficiente do atendimento à saúde. Uma das áreas é a cirurgia. A startup Proximie, fundada pela cirurgiã Nadine Hachach-Haram, filmou mais de 20 mil procedimentos —com o consentimento dos médicos e pacientes—, criando um novo recurso e infraestrutura médica digital.

A missão da companhia é construir uma plataforma global que possa compartilhar as melhores práticas em tempo real e melhorar o treinamento, as revisões de casos e a segurança dos pacientes. A Proximie pode usar IA generativa para fornecer resumos de procedimentos, repletos de dados, rastrear instrumentos cirúrgicos e gerar relatórios sobre e para pacientes.

Hachach-Haram diz que há muito falatório sobre a IA, mas que ela só deve ser utilizada em casos de uso específico que comprovadamente beneficiem pacientes e profissionais médicos. Seu desafio tem sido persuadir médicos e executivos que a tecnologia pode produzir resultados melhores e economizar dinheiro.

No entanto, ela também vem tendo que persuadir pacientes que o uso de tecnologia intrusiva pode beneficiar a segurança deles e ao mesmo tempo preservar sua privacidade. "Podemos usar a IA generativa para analisar dados de maneira segura", ela disse. "Dados salvam vidas."

Algumas das grandes empresas de tecnologia, que têm má fama no tocante à utilização de dados pessoais, também estão treinando modelos de IA generativa especializada para o setor da saúde.

O Google está fazendo testes na Clínica Mayo, nos EUA, com o chatbot médico Med-PaLM 2, que fornece conselhos especializados a médicos. A empresa está cautelosa, com razão, em relação a lançar esse modelo mais amplamente antes de suas falhas potenciais terem sido resolvidas.

Contudo, um dos pesquisadores que trabalhou sobre o projeto está empolgado com o modo como a tecnologia, depois de comprovada, poderá transformar o setor de saúde global.

Vivek Natarajan, pesquisador de IA na Google Health, disse recentemente à conferência RAAIS (da fundação de Pesquisas e IA Aplicada) em Londres que quando era criança, na Índia, conhecia pessoas que nunca haviam ido a um médico na vida.

"Onde a IA terá mais impacto?", ele disse. "No acesso à saúde." Ela nos permitirá imaginar "um médico de primeiríssimo nível no bolso de bilhões de pessoas."

É uma perspectiva sedutora, mas, em um setor que gira em torno de complexidade organizacional, sensibilidade pessoal e tomada de decisões de vida ou morte, precisamos usar a inteligência artificial com prudência.

Tradução de Clara Allain

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.