Hype da IA testa disciplina de orçamento das big techs

Investimento na tecnologia aumenta, mas há incertezas quanto ao momento em que começará a dar resultado

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Richard Waters Patrick McGee
São Francisco | Financial Times

Para os investidores em tecnologia, a inteligência artificial (IA) generativa alimentou uma forte alta este ano, ajudando a puxar para cima todo o mercado acionário dos EUA. Embora as empresas do setor tenham se mostrado muito dispostas a prever grandes feitos para a tecnologia, uma coisa tem faltado de forma notável: previsões precisas de quando exatamente a IA generativa terá um impacto sobre as finanças do setor.

Essa incerteza ganhou força nos últimos dias, quando algumas das maiores empresas divulgaram seus mais recentes resultados, trazendo uma enxurrada de perguntas sobre o provável efeito da tecnologia nos custos e nas receitas.

Os lucros do primeiro lote das maiores empresas de tecnologia dos Estados Unidos —Alphabet, Amazon, Apple, Meta e Microsoft— no segundo trimestre superaram as expectativas. Mas, como outras companhias que esperam obter impulso da IA generativa, elas não estão preparadas para prever quando os novos recursos de inteligência artificial aparecerão em seus produtos e serviços ou quanto esperam cobrar pela tecnologia, muito menos as implicações financeiras.

Logo do Google na sede da empresa em Mountain View, nos Estados Unidos - Noah Berger/AFP

Nesta quinta-feira (3), depois que a Amazon e a Apple concluíram a mais recente rodada de anúncio de lucros trimestrais, Brent Thill, analista do banco Jefferies, resumiu o clima entre os investidores: "O otimismo sem base está aqui, a receita não".

Apesar da frustração, a temporada de anúncio de resultados pelo menos ajudou a sustentar os grandes aumentos nos preços das ações este ano, com Meta, Amazon e Apple subindo em mais de 50%. De forma incomum para um grupo de empresas que muitas vezes parecem obcecadas com crescimento, a disciplina de custos desempenhou um papel central na melhora de desempenho em termos de lucros, depois de uma rara rodada de demissões no início deste ano. A Amazon cortou cerca de 27 mil postos de trabalho, enquanto as demissões no Google levaram seu quadro de funcionários a cair em quase nove mil pessoas no segundo trimestre.

A Amazon, especialmente, por fim deu sinais de estar controlando seus custos crescentes, após a alta registrada em 2022. Sua margem de lucro operacional subiu para 5,7% no segundo trimestre, dois pontos a mais do que nos primeiros meses do ano, e seu melhor desempenho em dois anos. A recuperação surpreendente impulsionou suas ações em quase 9% nas negociações posteriores ao fechamento dos pregões, acrescentando cerca de US$ 120 bilhões ao seu valor de mercado.

A Apple, que relatou uma queda de 1% em sua receita, uma vez que os gastos dos consumidores com aparelhos eletrônicos continuaram fracos, também se apoiou fortemente na contenção de custos como resposta a uma economia instável.

"Sabemos que esse vem sendo um período incerto, nos últimos trimestres", disse o vice-presidente financeiro da empresa, Luca Maestri. "Temos sido bastante eficazes em reduzir a velocidade dos gastos". Ele acrescentou que a Apple estava "muito satisfeita com nossa capacidade de desacelerar parte do crescimento das despesas", ainda que tenha aumentado conscientemente o ritmo de seus gastos com pesquisa e desenvolvimento.

Apesar da maior atenção aos custos, no entanto, uma nova onda de investimentos causada pela inteligência artificial generativa já está começando a surgir, levantando dúvidas sobre se a disciplina de gastos das big techs terá vida curta.

"O aperto de cintos que aconteceu no final de 2022 e no início de 2023 foi um momento no tempo", disse Jim Tierney, da AllianceBernstein, que investe em ações de crescimento. "Será que as fortes recuperações de margem em 2023 serão passageiras?"

A Microsoft, que foi a empresa que mais rapidamente incorporou a inteligência artificial generativa aos seus produtos e serviços existentes, deverá registrar o aumento nos gastos primeiro. Os investimentos de capital em seu último trimestre, de US$ 10,7 bilhões, foram maiores do que Wall Street esperava. A empresa de software disse que os gastos aumentariam ainda mais em cada trimestre de seu atual ano fiscal, que começou em julho.

Os analistas do banco Morgan Stanley previram que isso elevaria os investimentos de capital da Microsoft em itens como centrais de dados e equipamentos para operá-las a US$ 50 bilhões nos próximos 12 meses. Isso representaria um aumento de mais de 50% em relação ao ano anterior e mais do que o dobro de seus gastos apenas dois anos atrás.

O presidente-executivo Satya Nadella afirmou que a Microsoft seria capaz de vincular esse aumento de gastos ao crescimento de sua receita, à medida que os serviços de inteligência artificial se consolidassem, descrevendo o investimento planejado como "capital de reposição mais algum capital novo que vai impulsionar um novo crescimento".

Outras empresas não se mostraram tão dispostas a prever exatamente quando o boom de investimentos em inteligência artificial se fará sentir, embora tenham apontado para algum nível de gasto mais alto em 2024. O presidente-executivo da Meta, Mark Zuckerberg, disse que não podia prever "a rapidez com que nossos novos produtos de inteligência artificial crescerão", deixando a empresa sem um "controle claro" sobre quanto precisaria investir.

Zuckerberg foi um dos executivos de tecnologia a insistir, nos últimos dias, em que, mesmo prevendo um aumento nos gastos, o recém-descoberto autocontrole com custos permaneceria em vigor. Em empresas como a Amazon e o Facebook, isso poderia levar a um período de aumento da receita e expansão das margens, disse Thill, do Jefferies. "É o retorno do crescimento com margens melhores, não é crescimento a qualquer custo".

Pressionadas pelos investidores para dizer quando veriam um aumento de receita com a inteligência artificial, Alphabet, Meta e Amazon apontaram para os serviços existentes que dependem muito dos investimentos feitos no passado. Esses serviços vão desde a plataforma de aprendizado de máquina da AWS para clientes de computação em nuvem até as ferramentas aprimoradas de inteligência artificial que o Google e a Meta oferecem a seus clientes de publicidade.

No entanto, quando se trata da nova onda de inteligência artificial generativa, as previsões foram poucas e muito díspares. O presidente-executivo da Amazon, Andy Jassy, disse na quinta-feira que a tecnologia estava em seus "estágios iniciais" e que o setor estava "só nos passos iniciais de uma maratona".

Muitos clientes da divisão de computação em nuvem da Amazon, a AWS, veem a tecnologia como transformadora, disse Jassy, embora "a maioria das empresas ainda esteja descobrindo como querem usá-la, estão descobrindo como treinar modelos". Ele insistiu em que todas as partes do negócio da Amazon estavam trabalhando em iniciativas de inteligência artificial generativa e que a tecnologia "estará no centro do que fazemos".

"No momento, as evidências são um pouco escassas" sobre qual será o efeito sobre a receita do setor de tecnologia, disse Tierney, da AllianceBernstein.

Até mesmo a Microsoft ofereceu apenas uma previsão cautelosa de quando isso se manifestaria em forma de maior receita. Amy Hood, vice-presidente de finanças da empresa, disse aos investidores em uma teleconferência sobre seus resultados na semana passada que o impacto na receita seria "gradual", à medida que os recursos fossem lançados e começassem a ser percebidos pelos clientes. A cautela não correspondeu às altas expectativas anteriores ao anúncio de resultados, o que fez com que o preço das ações caísse em 7% na semana seguinte.

"Nos bastidores, todo o setor está se esforçando para descobrir um modelo de negócios [para inteligência artificial generativa]: como vamos definir o preço? Como vamos vendê-la?", disse Thill.

Tradução de Paulo Migliacci

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