'Não sou um fã de Trump': os destaques da nova biografia de Elon Musk

Livro escrito por Walter Isaacson retrata Musk como uma figura complexa e torturada

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Jeremy W. Peters Niraj Chokshi Benjamin Mullin
Nova York | The New York Times

Uma nova biografia de Elon Musk retrata o empresário bilionário como uma figura complexa e torturada, cujo brilho é muitas vezes ofuscado por sua incapacidade de se relacionar em um nível humano com as pessoas ao seu redor –suas esposas, seus filhos e aqueles em quem ele confiou para ajudar a construir as empresas de exploração espacial e de carros elétricos que o tornaram o homem mais rico da Terra.

A vida de Musk até agora –a infância difícil na África do Sul, os tempestuosos relacionamentos românticos, o sucesso como visionário que criou a SpaceX e a Tesla e a decisão impetuosa de comprar o Twitter– é detalhada em inúmeras entrevistas com sua família, amigos, parceiros de negócios e peo próprio Musk.

O bilionário Elon Musk em conferÊncia de tecnologia em Paris, na França - Gonzalo Fuentes - 16.jun.2023/Reuters

O livro, que será lançado na terça-feira (12), foi escrito pelo jornalista Walter Isaacson, cujas obras anteriores narraram a vida de Steve Jobs, Albert Einstein, Leonardo da Vinci e Benjamin Franklin.

Ele começa com uma citação de Jobs, cofundador da Apple, que certa vez disse: "As pessoas que são loucas o suficiente para pensar que podem mudar o mundo são aquelas que o mudam".

O New York Times comprou exemplares do livro numa loja que o vendia antes do lançamento oficial.

Twitter, agora conhecido como X

Musk comprou o Twitter em outubro de 2022 por US$ 44 bilhões, após uma oferta de surpresa pela empresa e depois uma aparente relutância em levar adiante o negócio.

Dias depois de o conselho do Twitter aprovar o acordo, Musk disse aos seus quatro filhos adolescentes que havia comprado a rede social para influenciar as próximas eleições presidenciais nos Estados Unidos. "De que outra forma conseguiremos eleger Trump em 2024?", disse ele. (Era uma piada, escreve Isaacson, mas os filhos de Musk ainda não entenderam seu motivo para comprar o Twitter, um aplicativo que raramente usavam.)

Depois de adquirir o Twitter, Musk e seus assessores vasculharam as comunicações internas e postagens nas redes sociais de seus funcionários, em busca de sinais de deslealdade, escreve Isaacson. Os "mosqueteiros", como eram conhecidos os leais a Musk no Twitter, pesquisaram nos arquivos da empresa no Slack palavras-chave como "Elon" e demitiram dezenas de funcionários que fizeram comentários sarcásticos sobre o patrão.

Musk realizou uma operação de surpresa num centro de dados da plataforma em Sacramento, na Califórnia, no inverno passado, logo após adquirir a empresa. Ele decidiu transferir os servidores instalados ali para outro "data center" do Twitter para cortar custos, mas os líderes de infraestrutura da companhia o alertaram de que mover o equipamento caro com segurança poderia levar meses. Num acesso de raiva, Musk decidiu transferir ele mesmo os servidores, recrutando uma pequena equipe e várias caminhonetes de mudança para retirá-los na véspera de Natal. (Mais tarde, ele disse que se arrependeu da decisão, que causou interrupções no serviço.)

Vida pessoal

A extensa família de Musk tem sido uma fonte de conforto em meio à frequente turbulência de seus interesses comerciais em todo o setor, escreve Isaacson. Mas seu relacionamento com o pai, Errol, é uma fonte de trauma que permanece com ele.

O pai de Musk é descrito como abusivo emocional e fisicamente, e citado falando depreciativamente de pessoas negras. Musk concordou em 2016 em se encontrar com o pai, de quem estava bastante afastado, lembra um amigo a Isaacson: "Foi a única vez que vi as mãos de Elon tremerem". Isaacson escreve: "Há certas pessoas que ocupam um canto demoníaco na cabeça de Musk. Elas o instigam, o deixam sombrio e despertam uma raiva fria. O pai dele é o número um".

Enquanto a musicista Grimes, também conhecida como Claire Boucher, dava à luz seu filho, X, em maio de 2020, Musk tirou uma foto do parto e a compartilhou com amigos e familiares, incluindo o pai e os irmãos dela. Grimes ficou compreensivelmente horrorizada e lutou para excluí-la. "Ele simplesmente não entendia por que eu estava chateada", disse ela a Isaacson.

Política e Trump

A política de Musk desafia qualquer categorização simples. Apesar de seus ataques aos críticos liberais, de seus discursos contra os democratas "woke" e da sua ocasional defesa de teorias conspiratórias de extrema direita, ele é retratado como mais desiludido com a tendência para a esquerda do Partido Democrata do que como um fã do Republicano.

Musk professa repetidamente não ser um admirador do ex-presidente Donald J. Trump, dizendo a seu biógrafo: "Não sou fã de Trump. Ele é perturbador". Isaacson escreve que Musk nutre um "profundo desdém" pelo ex-presidente, "a quem ele considera um vigarista" e parecia, segundo Musk, "meio maluco".

Mas ele também não é um apoiador de Biden, embora diga a Isaacson que teria votado em Biden em 2020 se ele tivesse votado. (Ele decidiu não votar porque estava registrado na Califórnia e considerou isso um desperdício porque o estado não era competitivo nas eleições presidenciais.) Musk descreve um encontro com Biden há vários anos, no qual ele não ficou impressionado. "Quando ele era vice-presidente, almoçamos juntos em San Francisco, e ele ficou falando em tom monótono durante uma hora e era muito chato, como aquelas bonecas em que você puxa o barbante e ela diz as mesmas frases estúpidas repetidamente."

Inteligência artificial

Musk há muito se preocupa com a inteligência artificial, que considera uma potencial ameaça existencial. Ele foi cofundador da OpenAI antes de romper relações com a organização em 2018, e recentemente anunciou que estava formando uma empresa rival de IA, a X.AI.

Musk "convocou" Sam Altman, executivo-chefe da OpenAI, para uma reunião na sede do Twitter em fevereiro de 2023, logo após o lançamento do ChatGPT. Musk, irritado, pediu a Altman que "justificasse como ele poderia transformar legalmente uma organização sem fins lucrativos financiada por doações em uma organização com fins lucrativos que poderia ganhar milhões". O encontro, escreve Isaacson, deixou Altman "dolorido".

A decisão de Musk de iniciar a X.AI resultou em parte de preocupações com a subpopulação. (Ele é pai de dez filhos.) "A quantidade de inteligência humana, observou, estava se estabilizando porque as pessoas não tinham filhos suficientes. Enquanto isso, a quantidade de inteligência computacional crescia exponencialmente", escreve Isaacson. Musk acreditava que "em algum momento, a capacidade intelectual biológica seria ofuscada pela capacidade intelectual digital".

Musk deu aos primeiros funcionários da X.AI três metas: criar um chatbot de IA capaz de escrever código, um chatbot de IA treinado para ser politicamente neutro e uma IA capaz de raciocinar e buscar a verdade. "Você deveria poder lhe atribuir grandes tarefas, como 'Construir um motor de foguete melhor'", disse Musk a Isaacson.

Elon e a mídia

O relacionamento de Musk com a mídia, que já era tenso antes de ele comprar o Twitter, atingiu novos níveis de tensão depois que o acordo foi anunciado.

O cocriador de "Seinfeld", Larry David, confrontou Elon Musk no casamento, em 2022, de Ari Emanuel, executivo-chefe do conglomerado de mídia Endeavor, que os sentou na mesma mesa. "Você quer simplesmente assassinar crianças nas escolas?", perguntou David a Musk, questionando-o sobre seu apoio aos candidatos republicanos após o tiroteio na escola em Uvalde, no Texas, que deixou 19 estudantes mortos. "Não, não", respondeu Musk, de acordo com Isaacson. "Eu sou antiassassinato de crianças." Emanuel também acomodou o apresentador do MSNBC Joe Scarborough, outro crítico de Musk, na mesma mesa. "Acabou sendo um microcosmo do Twitter", escreveu Isaacson.

Como os tuítes erráticos de Musk prejudicaram o relacionamento da rede social com os anunciantes, ele procurou aconselhamento de nomes ousados na mídia sobre como reparar a brecha. Um deles foi David Zaslav, executivo-chefe da Warner Bros. Discovery, proprietária da HBO, do estúdio de cinema Warner Bros. e da CNN. Eles conversaram por mais de uma hora. "Zaslav disse que Musk estava fazendo coisas autodestrutivas que tornavam mais difícil atrair marcas aspiracionais. Ele deveria se concentrar em melhorar o produto, adicionando ofertas de vídeos mais longos e tornando os anúncios mais eficazes."

Tesla

Durante anos, a Tesla tem sido o negócio de maior destaque no portfólio de empresas de Musk, servindo como uma fonte constante de orgulho e estresse.

As dificuldades iniciais da empresa contribuíram para um período longo e difícil para Musk, que teve um impacto físico e mental, disse ele a Isaacson numa entrevista em 2021. "Você não pode estar numa luta constante pela sobrevivência, sempre no modo adrenalina, e não se sentir prejudicado", disse Musk. Mas ele também reconheceu que encontra propósito sob pressão: "Quando você não está mais no modo sobreviver ou morrer, não é tão fácil ficar motivado todos os dias".

Mesmo quando a empresa obteve sucesso, atraiu críticos na forma de vendedores a descoberto que apostaram contra as ações da Tesla. Essa prática atingiu um nível febril em 2018, enquanto a Tesla lutava para cumprir as metas de produção, enfurecendo Musk, que chamou os vendedores de "sanguessugas no pescoço das empresas". Mas ele reconheceu que alguns desses traders também coletaram uma imagem impressionantemente precisa da empresa, de "insiders" e até mesmo com drones que sobrevoaram a fábrica da Tesla. "O grau de informação privilegiada que eles tinham era maluco", disse ele.

Os saltos de produção e as dificuldades na Tesla e na empresa de exploração espacial SpaceX também aprimoraram a filosofia de Musk, que ele destilou em uma abordagem de cinco etapas que chamou de "o algoritmo", e que ele invocava repetidamente aos funcionários. Envolvia, na ordem: questionar pedidos, excluir peças ou processos, simplificar e otimizar, acelerar processos e, finalmente, automatizar. "Tornei-me um disco quebrado sobre o algoritmo", disse Musk a Isaacson.

SpaceX

Musk criou a SpaceX para ajudar a humanidade a se tornar uma espécie multiplanetária. O sucesso da empresa até agora é um crédito à sua disposição em aceitar riscos, às vezes com sucesso e às vezes não.

Durante a contagem regressiva para um lançamento crucial em 2015, um líquido não identificado começou a pingar de um foguete Falcon 9, assustando Mark Juncosa, um diretor da SpaceX. Musk deliberou brevemente antes de decidir prosseguir, resultando em um lançamento bem-sucedido. Na época, Juncosa supôs que Musk tivesse baseado essa decisão numa avaliação de risco complexa, mas percebeu que estava errado depois de revisar as imagens, anos depois. "Achei que ele tivesse feito alguns cálculos rápidos e complexos para decidir o que fazer, mas na verdade ele apenas encolheu os ombros e deu a ordem", disse Juncosa sobre Musk. "Ele tinha uma intuição do que é a física."

Para conseguir voos interplanetários no futuro, a SpaceX precisava encontrar uma maneira de ganhar dinheiro no presente. Assim, em 2015, Musk anunciou o Starlink, procurando entrar no lucrativo mercado de prestação de serviços de internet, nesse caso por meio de uma constelação de satélites em órbita baixa. O serviço tornou-se uma tábua de salvação vital para as pessoas em zonas de guerra e ajudou os militares ucranianos a se defenderem da invasão russa. Mas Musk também foi criticado por não permitir que a Ucrânia utilizasse o serviço para lançar um ataque de drones a uma base naval russa no ano passado, temendo que provocasse uma grande escalada na guerra. "Não queríamos fazer parte disso", disse Musk.

Em 2021, a SpaceX colocou pela primeira vez com sucesso uma tripulação em órbita sem um astronauta profissional a bordo. Posteriormente, Musk refletiu sobre o papel que ele e sua empresa desempenharam no avanço da exploração espacial. "Construir carros elétricos para o mercado de massa era inevitável", disse ele. "Isso teria acontecido sem mim. Mas tornar-se uma civilização espacial não é inevitável." Ele acrescentou: "Este voo foi um grande exemplo de como o progresso requer intervenção humana".

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

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