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22/01/2012 - 03h00

Entrevista Ronaldo Fraga

MANUELA AZENHA
OLÍVIA FLORÊNCIA
DE SÃO PAULO

Folha: Você acha que existe uma moda para idosos?
Ronaldo Fraga - Não tem moda para idosos. Era muito comum senhorinhas entrarem na minha loja dizendo que iam comprar roupa para suas netas. Mas na verdade estavam comprando para elas. E elas diziam: "Na verdade eu menti, porque não raro quando eu pergunto se tem alguma coisa para mim, as pessoas dizem que não, lá é moda jovem".

Você tem clientes mais velhos?
Eu tenho clientes fiéis, extremamente inteligentes, vividas no melhor sentido da palavra. Toda coleção que eu faço, eu penso nessa senhora, na jovem que está acima do peso, que é linda e no entanto não acha roupa interessante. Desde o início da minha carreira, o que me move é o homem comum. Tanto os absurdos, quanto a poesia do homem comum. De qualquer forma, estamos envelhecendo de uma forma diferente. Quando eu era criança, uma senhora de 40 anos era muito velha. O que são 60 anos hoje? As pessoas estão mais tempo no mercado de trabalho. Eu fiz uma coleção em que desfilaram só crianças e adultos. O adulto mais jovem tinha 64 anos e três deles tinham mais de 90 anos.

Como surgiu a idéia de desfilar com crianças e senhoras?
A coleção foi inspirada no Álvaro Apocalypse, o mentor de teatro de bonecos Gira Mundo, aqui de Minas Gerais. A obra dele, Giz, de 88, falava do homem comum e das sensações de abandono e desamparo. Os bonecos eram todos feitos ode tecidos brancos. Ele falava que abandono e desamparo era aquela sensação de entrar numa casa que esteve fechada durante muitos anos e se deparar com todos os móveis cobertos por lençóis brancos. Ali estava o homem comum. A sereia velhinha, que por ser sereia e por ser bela, achava que nunca iria envelhecer. O pai que envelheceu atrás de um jornal, o político ladrão, a criança, estavam todos ali.

Primeiro eu montei a trilha, pensando nas sensações de abandono e desamparo. Um dia eu estava no aeroporto de Congonhas, no meio daquele caos aéreo, ouvindo essa trilha e vendo um homem comum passando na minha frente. Eu falei: para tudo. Esse desfile não é para acontecer com modelos novinhas. Nesse desfile eu preciso do peso dessa sensação de abandono e desamparo. Parei tudo e resolvi fazer aquela coleção ser desfilada só por senhores e senhoras. E foi muito interessante porque toda prova de roupa eu fiz em Belo Horizonte, MG, com senhores e senhoras. Isso significa entender a diferença entre um tamanho P de alguém com 70 anos e o tamanho P de alguém com 20. Somando as diferenças e as similaridades, criar uma única modelagem. Essa é a roupa que foi para minha loja.
O desfile provocou uma comoção, nacional até, no meio da moda. Vivemos num país tão jovem em que uma pessoa se torna invisível para a sociedade depois dos 65 anos. O que nós estamos fazendo com os nossos velhos? Porque a gente acha que a velhice nunca vai chegar, mas ela chega todos os dias. É como eu falei pra eles antes do desfile, no backstage: seu quisesse parar tudo e terminar minha carreira ali e não desfilar, teria valido a pena por aquele momento. Foi o desfile mais vivo que eu fiz.

Depois do desfile você começou a ter clientes mais velhos?
Sim, agora elas perderam o medo e não mentem mais dizendo que estão comprando roupa para a netinha. Elas vão comprar roupa para elas. Em todos os cantos do país, onde quer que eu vá, tem sempre alguma senhorinha me perguntando que dia vai ter casting, porque está louca para desfilar.

Você acha que a velhice é um tabu para a moda?
A moda com "m" minúsculo, que é produzida em vários lugares do mundo, de vetor puramente econômico e comercial, ela só quer saber da beleza anglo saxônica, de revista, de modelo. Olhar e descobrir essa outra beleza demanda generosidade, despojamento, risco, demanda exercício de sabedoria e visão de mundo. Eu respondo pela minha marca e volto a dizer: não é que esse cliente veio, ele sempre esteve na minha loja. A coisa mais linda é encontrar um senhor ou uma senhora com uma roupa minha. Muito mais do que a modelo da hora.

Esse consumidor é mais importante agora? Você acha que ele está mais integrado mesmo?
Ele quer consumir, ele é dono do nariz dele, mas poucas marcas estão explorando isso, principalmente no Brasil. É um mercado em potencial, sem dúvida.

O que as pessoas mais velhas tem que ter em mente antes de se vestir? Existem regras?
Tem uma coisa, antes de qualquer coisa, que é o conforto. Porque ela é dona do nariz dela, não tem que fazer pose mais, e tem uma limitação física. A sensualidade nessa idade está em outro lugar. Mas em relação à cor, à abordagem, não existem regras de jeito nenhum.

Tem alguma peça fundamental para toda mulher mais velha ter?
O que eu falaria para a mulher mais velha, eu falo para a mulher de qualquer idade. Antes de mais nada, tem que ter o conforto. Como diz o José Simão, na novela todas estão com cara de burrinho de charrete. Ou como disse a Cassia Kiss, no futuro não vai ter atriz para representar os velhos na dramaturgia brasileira, por conta do exagero, dos botox da vida, das plásticas, da falta de expressão. Essa eu acho que é a forma mais errada, esse excesso do querer ser jovem. Acho que o lindo é quando você é bonito na idade que tem.

Como você acha que o idoso deve se relacionar com essa indústria, que é conhecida pela beleza e juventude?
Acho que o grande desafio da vivência, da experiência, é você entender a idade que tem e tirar o melhor dela. E infelizmente, poucos o fazem. Nem todos são Fernanda Montenegro, que tira o melhor da sua idade. O melhor de ter 15 anos, 20 anos...Isso é um desafio. Já escutei senhorinhas falando: "Eu tenho 60 e tantos anos, mas minha cabeça é de alguém de 20". Ah, senta o pau, vai nessa. Mas eu acho que hoje vemos poucas tirando o melhor da idade e as que o fazem são lindas. Lindas na idade que têm. Isso demanda sabedoria e autoestima conquistada ao longo de uma vida.

Voce conhece alguma loja especializada?
As lojas que vejo por aí estão vestindo todas as senhoras de tailleur salmão ou verde-água. É triste porque esse idoso está na rua ainda, em atividade, mais do que nunca. Se não é para olhar pelo lado "humanizador", então olha pelo lado econômico. A indústria está comendo mosca.

MANUELA AZENHA e OLÍVIA FLORÊNCIA participaram da 52ª turma do programa de treinamento em jornalismo diário da Folha, que foi patrocinado pela Philip Morris Brasil, pela Odebrecht e pela Syngenta.

 

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