Para quem só está pensando na Rússia por causa do futebol, uma notícia: a gastronomia da região pode ser surpreendente. Nas feiras de Moscou pode haver pratos e quitutes mais simples, mas os restaurantes mais modernos estão explorando com grandes resultados a incrível variedade de produtos e tradições daquele imenso território.
O melhor exemplo é provavelmente o restaurante White Rabbit, maior vitrine do trabalho de um chef, Vladimir Mukhin, que hoje tem seus sabores espalhados por mais de 20 restaurantes do grupo, entre Moscou e Sochi.
Dentre todos, o White Rabbit é a joia da coroa. Era um restaurante caro e cafona, onde clientes idem comiam receitas italianadas antes de apagar o cigarro no prato de comida. Até que o proprietário chamou Mukhin, jovem chef em ascensão, para assumir as panelas em 2012.
Hoje com 35 anos, ele lidera uma cozinha moderna que explora sem limites os vastos recursos do país.
Deve-se dizer que houve pequena ajuda, involuntária, do celerado presidente Putin: quando este invadiu a Crimeia, em 2014, as sanções da Europa levaram ao desabastecimento de produtos tradicionalmente consumidos pelas elites russas, obrigando-as a aceitar com mais tolerância as experimentações do chef e os sucedâneos locais.
Todo decorado com menções ao coelho de “Alice no País das Maravilhas”, cheio de móveis clássicos que abusam do veludo e da camurça, o restaurante segue no mínimo extravagante na aparência, mas também ostenta uma imperdível vista que, do 16° andar, se abre em 360 graus sobre o centro de Moscou.
É ali que as criações de Mukhin espantam não somente pela técnica (que ele aprimorou em seus estágios por restaurantes como o Celler de Can Roca, na Espanha), como pela riqueza de sabores que desfilam pelo menu.
Há, fora dos menus-degustação, mas necessário provar à la carte, o borscht, famosa sopa feita à moda de sua avó (o chef é da quinta geração de cozinheiros da família). É mais que uma sopa de beterrabas.
Ele usa como base um purê de tomates cozido com carpas, que combina com caldo de peixe, repolho (fresco e fermentado), beterraba e fava, para servir acompanhado de creme azedo, carpa frita (com a cauda crocante) e pirozhki (macios pãezinhos assados com diferentes recheios, como peixe ou cogumelos).
Um banquete. E que, nas palavras de Mukhi, traduz a essência do sabor russo: a combinação de doce, azedo e salgado. Mas o cardápio tem mais do que tradição.
Os pratos trazem sabores, às vezes inesperados, dos quatro cantos do país. Caquis de frescor tropical vindos do sul. Kamchatka (king crab) vindo do norte. Vieiras e ouriços de Vladivostok, no mar do Japão.
Ostras do mar Negro. Trufas da Crimeia (não exatamente Rússia, mas, por ora, sim...). Moluscos de Yalta. Vitelo de Bryansk. Aspargos de Tver. E, lógico, caviar do mar Cáspio.
Trabalhados com talento, fazem do White Rabbit (número 23 na lista dos 50 melhores restaurantes do mundo) uma visita indispensável.
Menu-degustação
Por 9.500 rublos (R$ 570), é possível provar um menu de 13 pratos. Alguns exemplos:
Lardo
Duas versões do corte italiano da gordura do porco: uma original e outra feita com coco (semelhante na aparência e na textura), servidas sobre pão preto com caviar beluga
Abóbora
Azeda, em formato de ravióli, com queijo, pinoli e trufa branca
Vieiras
Frescas, cruas, vindas de Vladivostok (sul da Rússia), com sal preto
Ovas de ouriço
Também de Vladivostok, servidas com espinheiro e água do mar
Repolho
Assado, com molho de champanhe, manteiga, azeite de endro e ovas de peixe
Língua de vitelo
Cozida numa massa de farinha de chokecherry (frutinha da Sibéria), com molho de cogumelos morilles
Peito de pato
Com foie gras, purê de batatas e tangerina
Torta de mel
Sobremesa tradicional reinterpretada, com tangerina doce, sorvete de creme azedo, geleia de limão e crisps de mel
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