Regras e crendices protegem pesca da tainha em Bombinhas (SC)

Atividade artesanal é controlada por leis que proíbem surfe e lendas que espantam banhistas

Marcelo Toledo
Bombinhas (SC)

É proibido correr na praia e surfar, assim como ouvir música em volume alto. Também não é permitido pronunciar a palavra “azar”, em nenhuma circunstância. E mulheres grávidas devem ficar longe do mar.

Essas são algumas regras, oficiais e extraoficiais, válidas por dois meses do ano, durante a temporada de pesca da tainha, que em Bombinhas acontece entre 15 de maio e 15 de julho —oficialmente vai até o dia 31 de julho, segundo o Ministério do Meio Ambiente.

Praticada há mais de cem anos na cidade catarinense, a atividade acontece em quase todo o litoral do Sul do país, mas em Santa Catarina ganhou maior dimensão. 

As tainhas são peixes migratórios que, perto do inverno, deixam a Lagoa dos Patos, no Rio Grande do Sul, para a desova em regiões com águas mais quentes.

Ao “subirem o mapa” em cardumes enormes, os peixes passam por Santa Catarina, onde são facilmente capturados, já que as aglomerações formam manchas de tom avermelhado nas águas do Atlântico.

A atividade é totalmente artesanal. Os pescadores ficam em locais estratégicos e são avisados por vigias —instalados em pontos com boa visibilidade— da chegada dos cardumes.

Após o alerta, os pescadores se dirigem para a água com suas canoas silenciosas, sem motores, e jogam as redes para a captura. 

Há relatos de até 25 mil tainhas pescadas em apenas uma ação em anos anteriores. Na temporada atual, três toneladas do peixe já foram retiradas das águas.

Para que o volume da pesca seja mantido ano após ano, uma lei municipal veta a prática de vela e motonáuticas nas praias da cidade. 

Também é proibida a navegação de qualquer embarcação de lazer a menos de 800 metros da arrebentação das praias e de 80 metros dos costões rochosos.

Já os surfistas podem praticar a modalidade apenas nas praias do Mariscal e Quatro Ilhas, mas apenas quando o mar agitado ou uma eventual ressaca não permitirem a pesca artesanal.

E como isso é definido? Por meio de bandeiras coordenadas por pescadores. Cor verde significa liberação para o surfe, e vermelha, veto.

Além das regras oficiais, há aquelas perpetuadas pelo tempo, tão respeitadas quanto a legislação do setor.

Muita luz artificial à noite espanta os cardumes, o que significa que, nos dois meses de pesca, há redução da iluminação nas praias. 

Não se pode correr na faixa de areia, porque as pisadas mais fortes afugentam os cardumes. Entrar na água é possível, mas sem movimentos bruscos.

Mulheres grávidas afastam os peixes, de acordo com a crendice popular, e, portanto, devem ficar bem distantes das águas do mar. Jogar futebol nas areias também não é possível no período.

“Recebemos as superstições assim e as seguimos religiosamente. Não brincamos com isso, porque a pesca da tainha sustenta centenas de famílias. É melhor manter as tradições”, afirma o pescador José Félix Santos.

A atividade se tornou atração turística de Bombinhas. Visitantes auxiliam os pescadores e, como recompensa, ganham um peixe de presente.

Outro resultado da tão disputada pesca pode ser visto nos restaurantes da cidade, que tratam as ovas de tainha como uma iguaria local.

O caviar de Bombinhas, como é chamado, é o principal prato de restaurantes como o Bombordo Bistrô. 
“Ele é servido seco e salgado, aos moldes da bottarga italiana”, diz o chef Guilherme Mariante. O ingrediente é tradicional do sul da Itália e de outras regiões do Mediterrâneo.

A ova é salgada e passa por processo de desidratação de quatro dias em uma estufa, o que a faz perder até 40% de água, realçando o sabor. Além dela, o prato é composto por filé de peixe —a própria tainha ou salmão, por exemplo—, condimentos e acompanhamentos, normalmente batata.

Embora seja uma das principais atrações do inverno em Bombinhas, a pesca da tainha e as proibições a algumas atividades não são exclusivas da cidade. Várias praias, inclusive na capital, Florianópolis, têm restrições em alguns trechos para o surfe no período.

Em 2016, essas limitações chegaram a gerar confusões entre pescadores e surfistas na praia Brava, em Florianópolis.

O jornalista viajou a convite da Casa do Turista  

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