Descrição de chapéu The New York Times

Groenlândia investe em transporte aéreo para se tornar novo destino turístico

Governo quer criar voos diretos para a ilha; atualmente quase todos fazem escala em Copenhague, na Dinamarca

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Gabriel Leigh
The New York Times

"O tempo é quem decide" poderia ser o slogan da Groenlândia. As pessoas que vão a essa ilha no Atlântico norte, atraídas por suas geleiras azuis, fiordes (vales inundados pelo mar) amontoados de icebergs e paisagens assombrosas e nuas, aprendem muito rapidamente a respeitar as condições do tempo. Às vezes, o tempo as recompensa.

Em um dia frio de dezembro, eu estava em Kangerlussuaq, antiga base militar americana situada pouco ao norte do Círculo Ártico, aguardando um voo atrasado. Um piloto simpático, da Air Greenland, chamado Stale, convidou-me para acompanhá-lo até o porto para buscar cabeças de boi-almiscarado. Como recusar um convite que parecia tão tipicamente groenlandês?

Turistas observam icebergs flutuando na Baía de Disko, em Ilulissat, oeste da Groenlândia
Turistas observam icebergs flutuando na Baía de Disko, em Ilulissat, oeste da Groenlândia - Odd Andersen/AFP

Era o início da tarde, mas já estava escurecendo. Entramos em uma picape e partimos por uma estrada comprida e coberta de gelo. Chegando à beira da água, Stale pegou um crânio de boi-almiscarado. Os crânios desse animal são guardados como troféus, e os chifres podem ser usados para esculpir e criar ferramentas.

Em seguida, ainda na picape, subimos uma montanha nevada. A lua cheia iluminava o fiorde abaixo. Ao lado do fiorde, a cidade parecia uma base lunar: um pequeno bolsão de atividade humana plantado em um vazio aparentemente infinito.

Eu tinha chegado a Kangerlussuaq nesse mesmo dia a bordo da primeira aeronave da Air Greenland, um A330neo recém-saído da fábrica da Airbus em Toulouse, na França.

O aeroporto em Kangerlussuaq é um dos poucos da Groenlândia com pistas de comprimento suficiente para receber grandes aviões. A partir dali, o viajante tem que embarcar em um turboélice menor para seguir viagem, inclusive para chegar à capital, Nuuk —para onde eu estava indo— ou a Ilulissat, cidade cujo fiorde congelado é um Patrimônio Mundial da Unesco.

Quando a aeronave aterrissou, trazendo também o primeiro-ministro da ilha, fomos recebidos por centenas de pessoas agitando bandeiras vermelhas e brancas da Groenlândia.

O novo avião faz parte de um plano para dinamizar a indústria turística local. Apesar de pertencer à Dinamarca, a Groenlândia tem autonomia sobre a maior parte dos assuntos internos, e está investindo centenas de milhões de dólares em transportes, construindo novas pistas de pouso e terminais em Nuuk e Ilulissat.

Se tudo seguir conforme o plano do governo, até 2024 grandes aeronaves poderão levar visitantes internacionais diretamente a essas cidades.

O primeiro-ministro Múte Bourup Egede, 35, defende a eventual independência groenlandesa da Dinamarca e enxerga o turismo como um caminho para a autossuficiência econômica.

O governo proibiu toda exploração petrolífera e adota postura de cautela sobre a expansão da mineração, apesar do potencial lucrativo. Ainda, bloqueou o desenvolvimento de um projeto de extração de terras raras devido ao medo de contaminação por urânio.

"Precisamos de mais crescimento", disse Egede, antes de nosso voo partir. "No momento, a maior parte de nossos recursos vem da pesca. Precisamos de outras fontes possíveis de renda, e o turismo é uma de nossas maiores fontes potenciais de crescimento."

Foto aérea mostra icebergs flutuando ao longo da costa leste da Groenlândia, perto de Kulusuk
Foto aérea mostra icebergs flutuando ao longo da costa leste da Groenlândia, perto de Kulusuk - Jonathan Nackstrand/AFP

Com cerca de três vezes o tamanho do Texas, a Groenlândia é a maior ilha do mundo, mas tem apenas 57 mil habitantes.

Nos primeiros três trimestres de 2022, ela atraiu pouco menos de 55 mil turistas. Desse montante, quase 37 mil vindos da Dinamarca, segundo o órgão de fomento do turismo Visit Greenland. Apenas 2.430 americanos visitaram a Groenlândia no período.

A criação de voos diretos dos Estados Unidos pode resultar em um fluxo grande de turistas.

O CEO da Air Greenland, Jacob Nitter Sorensen, disse no ano passado que a companhia aérea está de olho nos Estados Unidos e que Nova York seria seu destino mais procurado.

Isso deixaria Nuuk a apenas quatro horas de distância da costa leste dos EUA, e os americanos não precisariam mais seguir uma trajetória longa, passando primeiro por Copenhague. Aliás, quase todos os voos para a Groenlândia passam pela capital dinamarquesa.

Mas uma onda repentina de turistas pode sobrecarregar a infraestrutura limitada da ilha e colocar em risco aquilo que a torna especial.

As pessoas vão à Groenlândia para sentir o isolamento e a distância em primeira mão. Quando você sobrevoa a costa oeste da ilha, passa sobre incontáveis fiordes e geleiras repletas apenas de aves e renas. É mais provável avistar baleias jubarte, narvais, ursos polares e bois-almiscarados que um ônibus de turismo.

Alguns moradores locais temem que a ilha possa se converter na próxima Islândia, que enfrenta multidões de turistas e preços em alta devido à explosão de sua popularidade nos últimos dez anos.

Por enquanto, pelo menos, esses medos parecem distantes. Os turistas são raros, e as regras ainda são ditadas pelas condições do tempo.

Quando finalmente cheguei a Nuuk, havia planejado sair com raquetes de neve para conhecer as montanhas nos arredores da cidade e fazer um passeio de barco para ver os fiordes. Havia reservado um jantar especial de culinária groenlandesa tradicional, que poderia incluir carne de rena, baleia e boi-almiscarado, ervas e frutas vermelhas do Ártico.

Mas a falta de neve impossibilitou o passeio nas montanhas, os ventos fortes cancelaram o passeio de barco e o jantar foi desmarcado porque não havia comensais suficientes.

Mas pelo menos um dos meus planos foi realizado. Eu tinha reservado uma noite num chamado "iglu de vidro" na periferia da cidade e queria muito curtir a banheira de hidromassagem e sauna privadas no deque, com vista da baía e das montanhas em volta.

Com a visão panorâmica da paisagem inóspita, a sensação que tive foi um pouco como a de acampar, só que com um sistema de aquecimento altamente eficiente.

A infraestrutura turística da ilha ainda é um tanto limitada, mas as autoridades esperam que isso tenha mudado quando os novos terminais e pistas de pouso forem inaugurados, em 2024.

"Há uma pressão grande para termos mais destinos prontos em matéria de hotéis, restaurantes e experiências", disse a CEO da Visit Greenland, Anne Nivíka Grodem. "Tudo precisa ser feito com base em nossos valores, para garantir um desenvolvimento sustentável."

Considerando que as viagens em aviões são um fator importante que contribui para o aquecimento do planeta, um destino famoso por seu gelo e neve terá que encontrar um ponto de equilíbrio delicado.

The New York Times, tradução de Clara Allain

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