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'Metrô no céu': maior teleférico do mundo é transporte público essencial em bairros de La Paz

Sucesso unindo transporte e turismo na Bolívia, será que o modelo funcionaria em países como o Brasil?

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Priscila Carvalho
La Paz | BBC News Brasil

O relevo da capital da Bolívia, La Paz, torna o transporte público um desafio.

Situada a uma altitude de 3.640 metros acima do nível do mar, ela é uma das cidades mais altas do mundo, com terreno acidentado, montanhas, vales profundos e ruas estreitas.

Por causa disso, em 2014, o governo lançou a empresa estatal Mi Teleférico, uma rede de teleféricos que conecta a capital administrativa com a cidade vizinha de El Alto.

Teleférico na Bolívia
Transporte é utilizado por pessoas que desejam se locomover pela região, também para quem quer turistar e ver a cidade de cima. - Mi Teleférico/ Divulgação

A proposta deu certo e chegou até a entrar para o Guinness World Records, como a maior rede de teleféricos do mundo.

"O Governo Nacional, observando a topografia acidentada da metrópole, implementou um meio totalmente inovador que é o maciço Sistema de Transporte por Cabo (STC), construindo a maior rota aérea do mundo, o que facilitou o transporte público", explica Alejandro Gonzales Blacutt, gerente executivo da empresa estatal Mi Teleférico.

Ao visitar esta parte do país é possível ter uma visão privilegiada da cidade em meio às montanhas nos mais de 31,6 quilômetros de comprimento, divididos em dez linhas diferentes.

Atualmente, o transporte é utilizado por pessoas que desejam se locomover pela região, e também por quem quer "turistar" e ver a cidade de cima.

O teleférico tem cabines limpas, climatizadas e com um bom funcionamento em praticamente todas as estações.

O trajeto entre uma linha e outra também é feito de forma rápida, facilitando a rotina dos moradores que precisam ir ao trabalho diariamente. O ganho no tempo foi sentido pelos bolivianos que perdiam mais de uma hora no trânsito, considerado caótico por muitos.

"Para chegar no trabalho da cidade levava de 45 minutos a uma hora. Mas com a linha roxa, em 8 minutos estava no centro", diz a boliviana Michelle Felipes, de 25 anos, que trabalha em uma agência de turismo de La Paz.

Teleférico laranja
Usuária diz que tempo de viagem para o trabalho caiu de 45 para 8 minutos - Mi Teleférico/ Divulgação

Atração turística

Além de ser um meio de transporte, o Mi Teleférico é considerado uma atração turística. Isso porque além de levar para os principais bairros da região, andar nele já vale muito para quem está de passagem por La Paz e El Alto.

Ao utilizar algumas linhas é possível ter uma visão panorâmica da capital e das montanhas no entorno. A brasileira e criadora de conteúdo Jess Pádua, de 34 anos, já esteve na Bolívia duas vezes e sempre usou o teleférico. Na primeira vez, em 2019, e na segunda, em setembro de 2023.

"Em setembro desse ano fui novamente e andei por 2 horas sem chegar a lugar nenhum só pra conhecer a cidade de cima", lembra.

Ela ainda conta que achou a experiência futurista e chegou a imaginar como seria no Brasil, já que, para ela, os bolivianos são mais reservados e não conversam tanto dentro desse transporte público.

"É uma loucura que as pessoas 'voem' diariamente para ir ao trabalho. Traduz muito a Bolívia, isso do novo e do velho tudo junto, tradição e futuro, cholitas e teleférico. Me senti nos Jetsons, sabe?", diz a brasileira.

Já para quem visita a feira 16 de Julio, considerada a maior da América Latina, ir de teleférico pode ser um passeio fora do comum e barato.

Por meio da linha vermelha é possível ver toda a feira de cima e ter noção de quão grande é. A passagem custa 3 bolivianos, o que na cotação atual dá, aproximadamente, R$ 2,10.

A internacionalista Yasmin Bitencourt, 27 anos, visitou La Paz em novembro de 2022. A brasileira usou o teleférico justamente para visitar os principais pontos turísticos, explorar a cidade e chegar à feira em El Alto.

"Achei o serviço ótimo, assim como as instalações. Curti a ideia de ver a cidade de cima e também a abrangência de pontos que tem disponibilidade de uso. Foi interessante ver a casa das pessoas e também os terraços das casas, campos de futebol, praças do bairro. Coisas que não temos a dimensão quando estamos andando ou passando de carro", conta.

Michelle, que atua na área de turismo há alguns anos, indica o passeio sempre aos viajantes que passam pela região.

Para ela, ao visitar a capital o turista precisa colocar o teleférico na lista. "Montei roteiros para que meus hóspedes tenham as melhores vistas de La Paz."

Duas mulheres sentadas dentro de um teleférico
A brasileira Yasmin Bitencourt (direita) usou o teleférico para visitar os principais pontos turísticos - Arquivo Pessoal

Transporte sustentável

Enquanto alguns veículos terrestres emitem gases poluentes, o teleférico se destaca no quesito sustentabilidade.

Atualmente, esse tipo de transporte possui painéis solares que fornecem energia limpa às cabines e não ao sistema eletromecânico.

Até 2026, estão sendo realizadas obras em uma usina fotovoltaica - fonte de energia renovável que utiliza a radiação solar para gerar eletricidade - que fornecerá energia solar a todo o sistema de transporte por cabos.

Blacutt explica que por meio do transporte por cabo evita-se a emissão de poluentes, permitindo um melhor atendimento aos usuários.

"É um sistema ordenado e por ser aéreo não causa engarrafamentos, também através das estações pode ser integrado com outros meios de transporte e tem capacidade de incorporar novas tecnologias."

Vantagens do teleférico

Uma das estações do teleférico em La Paz
Uma das estações do teleférico em La Paz - Mi Teleférico/ Divulgação

Além de sustentável, o teleférico ajuda ainda na diminuição do trânsito na cidade e também dos acidentes nas vias.

Os últimos dados divulgados pela estatal mostram que entre os anos 2014 e 2019 foram registrados mais de 51 mil incidentes de trânsito, dos quais 20% corresponderam a acidentes.

De acordo com Sergio Ejzinberg , engenheiro e mestre em Transporte pela Escola Politécnica da USP, o teleférico ainda ajuda a desafogar o tráfego em rodovias.

"Você pode deixar as rodovias para cargas. Tira os passageiros das ruas, que passam a usar o teleférico com rapidez e segurança", diz.

O projeto também facilita o acesso da população aos transportes públicos, já que mais de 60% desses em La Paz é fornecido por uma rede de micro-ônibus. Também não há metrô e o teleférico chegou a ser chamado pelos bolivianos de "metrô no céu".

Para o engenheiro, esse meio de transporte é ideal para a topografia da cidade e atende bem às necessidades da população.

Segundo a empresa, o Mi Teleférico recebe aproximadamente 200 mil usuários por dia e por mês esse número chega a seis milhões. "Até o final de 2023, são esperados 73 milhões de passageiros", diz Blacutt.

Funcionaria no resto da América Latina?

Mulher loira em um teleférico
"É uma loucura que as pessoas 'voem' diariamente para ir ao trabalho", diz Jessica - Arquivo pessoal/@complexica

"É uma loucura que as pessoas 'voem' diariamente para ir ao trabalho", diz Jessica

Embora a ideia pareça promissora para a América Latina, o projeto não daria certo em grandes cidades e capitais.

Segundo o especialista da USP, os teleféricos tiveram sucesso em La Paz pela condição topográfica. Contudo, mesmo a cidade sendo alta, não é altitude que implica nesses casos, mas sim, a diferença de altura entre um destino e outro em um curto espaço de tempo.

"É uma distância curta entre La Paz e El Alto, que fica na periferia da cidade", diz.

Em cidades como São Paulo, no Brasil, Medellin, na Colômbia, e Buenos Aires, na Argentina, o sistema de trilhos é o mais indicado. "Quando você tem macrometrópoles, você entra com metrô e ferrovia", reforça o engenheiro.

Ainda de acordo com o especialista, o teleférico construído no Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro, tinha tudo para dar certo. Porém, por causa da má gestão isso não ocorreu. O transporte já está sem funcionar há sete anos.

"Ali você tem morros escarpados, vielas horríveis para chegar. Com certeza melhoraria a qualidade de vida da população. A ideia era correta, mas o problema foi de gestão", afirma Ejzinberg.

No Brasil, o sistema de transporte por cabos funcionaria em cidades pequenas e que não apresentam uma alta demanda de uso. "Pode servir para cidades como Amparo, Serra Negra, Pico do Jaraguá. Teleféricos pequenos e com a função mais turística."

Este texto foi publicado originalmente aqui

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