Descrição de chapéu Bloomberg oriente médio

Arábia Saudita investe para atrair turistas, mas consumo de álcool ainda é proibido

Choques culturais são uma questão no país, que vê viajantes como 'o novo petróleo'

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Sam Dagher
Dubai (Emirados Árabes Unidos) | Bloomberg

Mei Wang ficou maravilhada com as vistas de arenito, palmeiras exuberantes, tumbas antigas e resorts cinco estrelas. Essas imagens atraíram a empreendedora de 30 anos enquanto ela assistia a "Divas Hit the Road", um programa de viagens chinês. Ela, então, partiu com a mãe, voando de Guangzhou para a antiga cidade oásis de Alula, na Arábia Saudita.

Em árabe, Alula significa "glória", o que o reino prevê muito para esta região histórica, que é do tamanho de Nova Jersey e deve se tornar uma das grandes atrações turísticas do mundo. Nas palavras de Melanie de Souza, principal responsável pelo marketing da Alula, um destino para aqueles "que procuram luxo, nômadas sedentos por viagens, viajantes intrépidos e raposas prateadas" —este último, um termo em inglês usado para descrever homens atraentes de meia idade.

Daimumah, atração turística que promove o patrimônio cultural e natural de AlUla, na Arábia Saudita
Daimumah, atração turística que promove o patrimônio cultural e natural de AlUla, na Arábia Saudita - Divulgação

Juntamente com o desenvolvimento de resorts, lojas, restaurantes e um museu de arte contemporânea com o Centro Pompidou, de Paris, a Comissão Real para Alula está supervisionando escavações arqueológicas de tumbas colossais (voltadas para o turismo) que datam do século 1 a.C.

E há ainda a nova Reserva Natural Sharaan, que apresenta um mundo repovoado de animais raros: as cabras selvagens, conhecidas como íbex, com os seus longos chifres curvados como cimitarras; os impressionantes antílopes órix preto e branco; gazelas de pés velozes; e, um dia, em breve, leopardos árabes ameaçados de extinção.

O príncipe herdeiro Mohammed bin Salman, que preside a comissão, acampou aqui durante vários invernos, recebendo dignitários como o secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, e os senadores Kirsten Gillibrand, de Nova Iorque, e Lindsey Graham, da Carolina do Sul.

Mas neste dia de março, o tempo não coopera para os Wangs. Uma grande tempestade traz chuvas torrenciais, rajadas de vento e até granizo. No resort onde estão hospedados, os carros dos hóspedes ficam presos na areia molhada. Multidões de trabalhadores do Sudeste Asiático escavam a terra encharcada, sem sucesso.

Os Wangs ficam abandonados em seu hotel até o dia seguinte. Quando o sol reaparece, eles comem uma tigela de beterraba e queijo feta em um café ao ar livre chamado Pink Camel, e tudo é esquecido. "Vista deslumbrante e pessoas muito amigáveis", diz a mãe de Wang, Qiuju, uma enfermeira aposentada.

A viagem de mãe e filha representa a promessa e o desafio do plano do governo saudita de gastar quase US$ 1 bilhão para transformar um país há muito cauteloso com estrangeiros num refúgio para visitantes —não apenas para os peregrinos religiosos que têm viajado durante séculos para Meca e Medina.

No âmbito da sua iniciativa Visão 2030, o príncipe Mohammed, o governante de fato de 38 anos do país, amplamente conhecido como MBS, quer transformar a Arábia Saudita em um centro para turistas, bem como um destino para expatriados que ficam para viver e trabalhar.

Para melhorar a sua imagem, o reino contratou consultores ocidentais como a McKinsey & Co. e a PricewaterhouseCoopers, além de empresas de relações públicas como a Edelman e a Teneo Global, cujo trabalho será especialmente importante quando o país receber a feira internacional World Expo 2030.

O clima —chuvas intensas no inverno, tempestades de poeira na primavera e temperaturas que podem ultrapassar os 49ºC no verão— representa apenas um dos desafios da Arábia Saudita.

Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, atrai estrangeiros fazendo vistas grossas em relação à bebida e às roupas ocidentais para mulheres. Na Arábia Saudita, até recentemente, uma interpretação dura do Islã governava quase todas as facetas da vida quotidiana. Homens e mulheres não podiam misturar-se em público, a menos que fossem casados ou parentes, as mulheres não podiam dirigir e a modéstia era imposta tanto para os locais como para os estrangeiros, muitas vezes por um esquadrão especial da polícia moral.

Em 2019, o país flexibilizou o código de vestimenta para visitantes do sexo feminino e estabeleceu visto para turismo, mas o álcool ainda é estritamente proibido. O governo pretende atrair 70 milhões de visitantes internacionais até 2030, contra 27 milhões em 2023.

Alula é apenas um dos grandes projetos do reino, e o progresso até agora levanta questões sobre as suas elevadas projeções. Muitos dos recém-chegados que a Arábia Saudita espera atrair deverão viver e trabalhar em Neom, um enclave futurista no noroeste da Arábia Saudita.

Os planos preveem uma cidade de 160 quilômetros de extensão chamada Line, um complexo industrial flutuante em forma de octógono e uma estação de esqui ao ar livre com neve artificial. Mas a Bloomberg News informou em abril que o reino atraiu menos investimento estrangeiro que o esperado e, por isso, reduziu sua estimativa para a população de Neom de 1,5 milhões para menos de 300 mil em 2030.

Mesmo assim, o reino ainda está desenvolvendo o Projeto Mar Vermelho, outra área de resort na costa oeste de Alula, e Qiddiya, uma "cidade do entretenimento" na capital, Riad, com um parque temático Six Flags e a futura montanha-russa mais rápida do mundo. Um resort St. Regis, projetado pelo arquiteto japonês Kengo Kuma, com vilas em forma de concha sobre palafitas acima da água, já foi inaugurado na Ilha Ummahat, não muito longe do novo aeroporto internacional do Mar Vermelho, em Hanak.

E no próximo ano, o Fundo de Investimento Público da Arábia Saudita espera introduzir a Riyadh Air, que competiria com a Emirates Airlines, dos Emirados Árabes Unidos, e a Qatar Airways.

Sugerindo a importância dos visitantes para o reino, que há muito depende dos combustíveis fósseis, os ministros do governo passaram a descrever os turistas como "o novo petróleo", algo que não se faria fora do Oriente Médio.

Cenas da Arábia Saudita

Deepti Chandak, influenciadora em Dubai, pratica ioga no deserto, decola em um balão de ar quente e depois anda a cavalo de bermuda e regata. A supermodelo russa Lena Perminova, relaxando em traje de banho, está sentada à beira da piscina de um resort de luxo. Milhões de seus seguidores viram essas imagens, postadas no Instagram, após excursões a Alula.

No ano passado, os sauditas pagaram a uma agência de redes sociais com sede em Londres para enviar blogueiros de viagens populares para Alula e outras partes do país. Estes posts representam triunfos na tentativa do governo saudita de mudar a imagem conservadora do país.

Vários diplomatas, falando em privado para não irritar o governo, questionam se o reino mudou realmente o suficiente para atrair estrangeiros, especialmente de países ocidentais. As agências de inteligência dos EUA consideram MBS responsável por ordenar, em 2018, o assassinato do colunista Jamal Khashoggi, do Washington Post, um membro da corte real que se tornou crítico dela. O governo nega o envolvimento de MBS.

No seu mais recente comunicado de viagens, o Departamento de Estado dos EUA pede aos cidadãos que reconsiderem viajar para a Arábia Saudita devido a riscos que incluem terrorismo e detenções com base em publicações críticas ao governo nas redes sociais.

"A Arábia Saudita está se abrindo ao mundo, mas continua fechada em relação ao povo saudita", diz Lina Alhathloul, uma saudita nativa que vive em Bruxelas, onde dirige a monitorização e a defesa na ALQST para os Direitos Humanos. "Você não pode amordaçar as pessoas e esperar que os ocidentais não percebam."

No ano passado, o governo prendeu a personal trainer e artista saudita Manahel Al-Otaibi, acusando-a de incitamento por exigir, nas redes sociais, mais direitos para as mulheres sauditas, e por se recusar a vestir a abaya, um vestido islâmico tradicional usado sobre as roupas, de acordo com documentos judiciais analisados pela Bloomberg.

Embora o visto de turista seja fácil de se conseguir pela internet, os trabalhadores estrangeiros muitas vezes têm uma residência incerta e ainda é extremamente difícil para eles obter permissão para trabalhar no reino.

Um diretor de uma das principais agências de publicidade do mundo, com quase 30 anos de experiência no setor, diz que espera há mais de um ano para obter o seu visto de residência na Arábia Saudita, que deve ser renovado todos os anos —ele preferiu se manter anônimo para não correr o risco de comprometer sua inscrição e sua relação com os sauditas.

À margem de um evento de março que incentivou o investimento estrangeiro, o ministro do Turismo, Ahmed Al-Khateeb, disse que os estrangeiros não entendem o reino. Ele considera injusto comparar Dubai com a Arábia Saudita, que tem tradições próprias de hospitalidade.

"Nunca julgamos ninguém e acreditamos que ninguém nos deveria julgar", diz Al-Khateeb, um confidente de MBS. "No nosso DNA, gostamos de pessoas. Acolhemos pessoas."

Num outro desafio, o rápido desenvolvimento de Alula está deslocando as tribos locais. Perto de um novo resort em uma estação ferroviária da era otomana, homens sentam-se em tapetes dispostos sob uma tenda rodeada por palmeiras e árvores cítricas. É a casa e a fazenda dos membros dos Al-Enezi, uma das duas principais tribos da região.

O Estado saudita confiscou as terras dos seus familiares porque elas atrapalhavam os planos de desenvolvimento da comissão real, dizem. À medida que têm sua vida perturbada, queixam-se de que estão sendo excluídos dos contratos de trabalho em favor de pessoas de fora, mas ligadas a funcionários do governo. Ninguém quis ser citado nominalmente, temendo os serviços de segurança, que prenderam familiares por se manifestarem nas redes sociais.

Também há problemas dentro da própria comissão real de Alula. Em janeiro, o governo prendeu Amr Al-Madani, o seu CEO, sob acusações de corrupção. Ele foi acusado de abuso de autoridade e lavagem de dinheiro. Num caso, Al-Madani supostamente recebeu propinas de um parente que garantiu contratos com a comissão, de acordo com a Autoridade Saudita de Supervisão e Anticorrupção.

Al-Madani, outrora prolífico nas redes sociais, não deu mais notícias e também não foi encontrado. A comissão se recusou a discutir seu caso.

De Souza, diretor executivo de marketing da comissão, contesta as queixas dos Al-Enezis, dizendo que todos serão beneficiados economicamente; a agência financiou bolsas de estudo no exterior para 400 jovens, para que eles possam trabalhar em Alula.

Muçulmanos rezam em Meca, na Arábia Saudita
Muçulmanos rezam em Meca, na Arábia Saudita - Abdel Ghani Bashir/AFP

"O investimento nas pessoas e na capacidade de melhorar a sua qualidade de vida é tangível", afirma. Um bolsista, Reham Al-Rayes, que foi enviado para estudar hospitalidade na Morgan State University, em Maryland, está trabalhando em uma galeria de arte Alula, cercada por lojas e cafés da moda. Ela planeja trabalhar em um hotel, oportunidade proporcionada por sua formação: "Isso me permitiu abrir as asas e voar".

No ano passado, 250 mil pessoas visitaram Alula, e um terço eram não sauditas, diz Phillip Jones, diretor de turismo. Você pode voar diretamente de Dubai ou de várias outras cidades regionais para o aeroporto, que receberá um novo terminal para acomodar 6 milhões de viajantes por ano.

Aqueles que procuram acomodações de luxo podem ficar no Banyan Tree AlUla, de cinco estrelas, que oferece villas de três quartos com piscinas privadas por até US$ 7.200 por noite no final de abril, ou no Habitas Alula (US$ 1.300 por noite), que tem a Villa Celestial, equipada com telescópios para melhor visualizar as falésias circundantes.

Dentro da nova reserva natural, o arquiteto francês Jean Nouvel, que projetou o Louvre Abu Dhabi, está criando o Sharaan, um labirinto de suítes e vilas semelhantes a cavernas escavadas nas gigantescas formações rochosas da região. "Somos como embaixadores", diz Wedad Yassin, um guia turístico de 28 anos em Alula, que usa uma abaya e um lenço preto na cabeça. "Estamos mostrando outra face da Arábia Saudita."

Num dia claro de março, turistas em carrinhos de golfe e jipes saltam entre dunas e penhascos no Desert X AlUla, uma exposição semestral ao ar livre afiliada ao Coachella, o famoso festival de artes do deserto da Califórnia.

Eles olham para uma esfera oca gigante com vidro reflexivo contra uma linha de fragmentos de rocha do artista saudita Faisal Samra, e para potes de terracota espalhados na areia, cortesia do ganês Ibrahim Mahama. "Estamos tentando proporcionar a eles o melhor momento de suas vidas", diz Abdulaziz Alsulami, 18 anos, que se formou recentemente em uma escola internacional em Riad e trabalha na exposição.

De volta ao centro histórico, duas turistas portuguesas, Ana Lopes, enfermeira, e Ana Carvalho, fotógrafa, saboreiam um prato de carneiro com arroz num restaurante. Familiares e amigos as aconselharam a não virem para a Arábia Saudita por questões de segurança. Eles voaram primeiro para Jeddah, para visitar a cidade sagrada de Medina, onde tiveram problemas porque suas calças expuseram os tornozelos.

"Disseram-nos cinco vezes para nos cobrirmos, e então um policial nos disse, respeitosamente, que era melhor irmos embora", diz Carvalho.

O dia da tempestade atrapalha os planos de muitos convidados. No resort Banyan Tree, Maksim Sivaev e sua amiga Tanya Kortis examinam os danos ao exterior de sua villa após os vendavais e as chuvas torrenciais. O vento levou embora todos os móveis exteriores e eles tiveram que faltar à massagem porque o spa estava inundado.

Os russos de 30 e poucos anos, que trabalham como consultores financeiros e de estilo de vida para os ultrarricos, vieram para a Arábia Saudita pela primeira vez depois de verem publicações nas redes sociais, incluindo as de Perminova, a supermodelo que se tornou blogueira e influenciadora de viagens.

"Antes disso, ninguém tinha ouvido falar da Arábia Saudita nem pensava em ir para lá", diz Sivaev, relaxando no restaurante do hotel com chinelos verde-limão e uma camiseta do Snoopy segurando uma prancha de surf.

Sivaev diz que mais russos ricos estarão abertos a visitar e investir, porque a Arábia Saudita tem potencial para ser outro EAU, para onde os seus compatriotas foram em massa após a invasão da Ucrânia pelo presidente Vladimir Putin em 2022. Kortis sugere que o reino ainda tem um trabalho pela frente. Ela gosta de sair com os "jovens bonitos" que vêm festejar nos Emirados Árabes Unidos: "Morar aqui não é tão divertido, comparado com Dubai".

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