Deserto do Atacama destaca a vida rarefeita em meio a dunas, vulcões e gêiseres

A quase 4.000 metros acima do nível do mar, a cordilheira dos Andes acolhe paisagens inóspitas, com montes de sal e lagunas

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Os flamingos nas lagunas altiplânicas

Os flamingos nas lagunas altiplânicas Gustavo Zeitel/Folhapress

San Pedro do Atacama

Do alto, o asfalto da estrada recorta a tarde e coloca o nada no mapa. Uma cortina de poeira separa os olhos da paisagem. O céu no deserto do Atacama é abóbora, e os raios de sol iluminam a cordilheira dos Andes, os vulcões, suas salinas.

A caminhonete acelera na rodovia: a terra pedregosa agora desfaz-se em areia, enquanto o solo mineral espelha o céu cambiante. Assim os dias terminam na região ao norte do Chile, de céu furta-cor.

A cordilheira de sal no Deserto do Atacama
A cordilheira de sal no Deserto do Atacama - Gustavo Zeitel/Folhapress

Não raro, os que se acidentam ficam para sempre na estrada, enterrados debaixo de casinhas construídas por familiares. Dentro delas, avistamos cruzes no acostamento. Uma delas brilha, envolta por uma corrente de pisca-pisca.

A morte condiciona a vida no deserto. As correntes marítimas do oceano Pacífico não ultrapassam o paredão da cordilheira dos Andes. A chuva chega somente entre os meses de janeiro a março. Com mil quilômetros de extensão, o Atacama é o deserto mais árido do mundo.

É também o mais alto, chegando a estar a 4.000 metros acima do nível do mar. A vegetação local resume-se a arbustos e cactos e, com sorte, pode-se encontrar burros selvagens, lhamas e espécies similares: guanacos e também vicunhas.

A altitude causa vertigem, enjoo e até falta de ar. A aridez tudo seca: nariz, lábio, pele.
Nas estradas, as caminhonetes dos turistas dividem espaço com os ônibus lotados de homens, rumando ao trabalho nas minas. Ali está um retrato da economia chilena, alicerçada em turismo e cobre.

Nos arredores de San Pedro do Atacama, cidade que se costuma usar de base para explorar a região, surge um hotel cinco estrelas. O aeroporto que serve a cidade, a 1.600 km de Santiago, é o de Calama.

As áreas comuns do Tierra Atacama, onde as diárias podem beirar os R$ 5.000, ficam no interior de uma mansão. A decoração é rústica, com uma arquitetura moderna. A lareira aconchega e acalma. Viciante, a bebida de boas-vindas é uma saborosa limonada com ayrampo, uma fruta desértica. No bar, estão dispostos drinques e vinhos.

Os brasileiros estão em toda parte. No restaurante, os turistas, sobretudo paulistanos, refestelam-se com pastel de ossobuco, queijos de cabra e carne de guanaco. Os sorvetes são feitos com ingredientes locais, como rica rica, algarrobo e chañar.

Gêiseres del Tatio no Deserto do Atacama
Gêiseres del Tatio no Deserto do Atacama - Gustavo Zeitel/Folhapress

Os funcionários do hotel são simpaticíssimos. Os sorrisos são acolhedores, os cumprimentos, efusivos. O chalé tem vista para um dos vulcões.

Assim como o mar, a paisagem desértica é abstrata. Parece uma tela de cinema ou uma folha de papel em branco. A terra rubra dos Andes faz imaginar os clássicos filmes de bangue-bangue, e os montes de argila lembram as estradas do jogo de videogame "GTA San Andreas".

As atividades no Atacama ocorrem no imenso descampado, e é o próprio hotel que promove os passeios pelo meio do nada. A Oeste do deserto, fica Vallecito, a cordilheira de sal. O sol da manhã fulge um cristal gigante. Silêncio. O deserto faz música. O calor contrai e dilata o cristal, emitindo sons. Um ônibus abandonado compõe o quadro. É um vestígio dos exploradores das minas de sal.

Adiante, esquibunda. Despencamos de uma enorme duna. A caminhonete acelera. Pela estrada, os vulcões se sucedem. O Lascar é o mais ativo deles. Em 1993, a fumaça fechou o aeroporto de São Paulo. Segundo os especialistas, a próxima erupção deve ocorrer daqui a dois anos.

Cai a tarde. Os flamingos agrupam-se na lagoa de Chaxa. Os animais também são encontrados em bandos no Salar de Atacama, onde se alimentam. O tom rosáceo dos flamingos se une ao céu. Rumamos ao sul do deserto. As lagunas altiplânicas são de um azul esbranquiçado.

A mais de 4.000 metros acima do nível do mar, figuram milagrosas as lagunas de Miscanti, Meñiques e Piedras Rojas. Sebástian Bravo, 34, é o guia do hotel. Ele promove um banquete no meio do deserto. Na volta, visitamos San Pedro do Atacama, a principal cidade da região. Esotéricos de toda a parte do mundo caminham pelas ruas de terra, buscando o misticismo andino.

As casas da cidadezinha são de adobe, uma mistura de barro e palha. Os hippies passam reto pela igreja de San Pedro do Atacama, construída pelos jesuítas, em 1774. Do lado de fora, uma menina evangélica exorta o seu testemunho. A Reforma chegou ao deserto.

Às 6 h do dia seguinte, visitamos os célebres Gêiseres Del Tatio. Faz -10 ºC. Do campo geotérmico, irrompem jatos d’água, de quase 80ºC. Estudando as bactérias daquele ambiente, cientistas procuram ali pistas sobre a vida em Marte.

Enquanto isso, a temperatura do dia cresce. O sol assoma por trás das colunas de vapor. São muitas as histórias da imprensa sobre tragédias nos gêiseres. Certa vez, um turista chinês, diz Bravo, caminhava ali e, de repente, desapareceu. Em outro acidente, um espanhol caiu e morreu. No Atacama, a vida é uma celebração.

O jornalista viajou a convite do Tierra Hotels

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