Clóvis Rossi

Repórter especial, foi membro do Conselho Editorial da Folha e vencedor do prêmio Maria Moors Cabot.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Clóvis Rossi

O "pugilista" e o politicamente correto

OK, posso até concordar com você que o politicamente correto é entediante e, às vezes, hipócrita.

Mas a alternativa a ele é pior, ainda mais quando sai da boca de Donald Trump, até aqui o líder nas pesquisas para se tornar o candidato republicano nas eleições do ano que vem (favoritismo que o "New York Times" contesta, como se verá mais adiante).

No debate da quinta-feira, 6, Trump atacou o politicamente correto, definindo-o como "o grande problema deste país" (os EUA, claro).

Em seguida, usou de sua usual rude franqueza: "Francamente, eu não tenho tempo para a correção política total. E, para ser honesto com você [dirigindo-se à uma das entrevistadoras], este país também não tem tempo".

A pergunta que a jornalista havia feito era sobre o frequente uso, pelo pré-candidato, de nomes de animais para qualificar mulheres.

Não creio que dizer que os mexicanos são estupradores e traficantes de drogas —tema em que Trump reincidiu no debate - seja uma boa alternativa ao politicamente correto.

O que incomoda com esse linguajar e com outros tipos de incorreção política é o fato de que ela parece ter um público maior do que se poderia supor nos Estados Unidos.

É como diz o "New York Times" a respeito do debate: "A popularidade da mensagem de Trump sugere que as bases do partido [Republicano] estão interessadas em encontrar um pugilista".

Nada contra pugilistas, mas o lugar deles é em ringue de boxe e não na Casa Branca, convenhamos.

Menos mal que o debate, se estiver correta a informação de Edward Luce, excelente analista do Financial Times, ajudou a deslustrar a imagem do "pugilista".

Escreve Luce: "Na autópsia do pós-debate, o grupo de pesquisa qualitativa reunido pela Fox News [o canal que promoveu o primeiro debate] considerou Trump rude, carente de respostas específicas e 'unpresidential". Difícil traduzir esta última palavra de uma forma que tenha a força demolidora que tem em inglês. Seria "não-presidencial", já que "imprensidencial" não existe.

Luce, claramente antipático a Trump, diz ser difícil acreditar que o telespectador médio pudesse ter saído do debate com impressão diferente da do grupo de pesquisa qualitativa.

Ressalvo que, no geral da mídia internacional, a impressão sobre o debate é inconclusiva. Não há afirmações peremptórias nem sobre uma vitória de Trump nem sobre ele ter se mostrado "unpresidencial".

De todo modo, o debate não parece servir de escada para a ascensão do bilionário que, até ele, parecia incontrolável.

Aqui, entra uma avaliação do "New York Times" segundo a qual o resultado das primárias é definido não apenas pelas pesquisas de opinião pública mas pela combinação entre elas, apoios de repercussão nacional e levantamento de recursos financeiros.

Trump é o 12º pré-candidato republicano em coleta de apoios e o 14º em levantamento de fundos. Não obstante, está em segundo lugar nas pesquisas para Iowa e em primeiro para New Hampshire, os dois primeiros Estados a promover primárias.

Parece, pois, confirmar-se a tese de que as bases republicanas querem um "pugilista" politicamente incorreto, ao passo que as lideranças nacionais (e o dinheiro) são mais sensatos. A conferir.

Tópicos relacionados

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.