Clóvis Rossi

Repórter especial, foi membro do Conselho Editorial da Folha e vencedor do prêmio Maria Moors Cabot.

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Clóvis Rossi

O Estado sumiu no mundo árabe

DAVOS - Cinco anos depois do início da chamada "Primavera Árabe", o que restou em boa parte do mundo árabe é o desaparecimento do Estado, substituído por milícias, seitas, religiões e, claro, o Estado Islâmico.

Foi esse pelo menos o consenso que emergiu de um debate sobre o mundo árabe, durante o encontro anual de 2016 do Fórum Econômico Mundial em Davos.

Pior: "Mesmo que desapareça o Estado Islâmico como o que conhecemos hoje, surgirão o Estado Islâmico 1, o Estado Islâmico 2, 3 e 4, porque as causas que deram origem a ele permanecem", depôs Amre Moussa, que foi secretário-geral da Liga Árabe durante 10 anos (até 2011) e candidato derrotado à presidência do Egito, no pleito que se seguiu à queda do ditador Hosni Mubarak.

A falência do Estado foi apontada, principal e compreensivelmente, por Mahmoud Jibril, que foi primeiro-ministro da Líbia em 2011, após a queda de outro ditador (Muammar Gadafi), até ser afastado por pressão das milícias que hoje dividem o controle do país.

É natural, por isso, que Jibril pede que se traga o Estado de volta ao controle –e não apenas na Líbia: com nuances próprias de cada país, o Estado sumiu, como fator unificador do país, também no Iraque, na Síria, no Iêmen, entre outros países, concluíram os debatedores.

Na Líbia, como é óbvio, a situação é mais complexa, porque as armas e o dinheiro não estão mais nas mãos do Estado, mas das milícias e, em parte, do Estado Islâmico.

"As milícias", disse Jibril, "cometeram todas as coisas ruins que se possam imaginar e muitos de seus líderes se tornaram milionários."

Suas lideranças, ao contrário do que é mais ou menos tradicional não só no mundo árabe, não têm formação profissional. Podem ser mecânicos ou gente que consertava ar condicionado antes de tomar as armas.

Apesar dessas características, Jibril é pragmático o suficiente para pedir que as milícias sejam tratadas como "parte da solução e não só como parte do problema".

Motivo, simples, prático e lógico: "Ninguém [fora as milícias] tem poder de decretar um cessar-fogo para hoje ou para amanhã".

Por isso, Jibril não é nem um pouco otimista a respeito do acordo patrocinado pelas Nações Unidas e fechado nesta terça-feira, 19, entre as duas facções rivais da Líbia.

Cada uma delas controla uma parte do país, mas nenhuma pode, de fato, responder nem mesmo pela parte que controla, sem o aval das milícias (e sem considerar o Estado Islâmico, que é uma entidade à parte).

Olhando mais para a frente, Majid Jafar, executivo-chefe da "Crescent Petroleum", dos Emirados Árabes Unidos, defende uma saída mais duradoura: construir instituições realmente fortes que se legitimem pela ação em favor do país.

Foi o que sempre faltou no mundo árabe, em que predominaram e continuam predominando os homens fortes.

Apesar do cenário pessimista, há um dado que sugere um certo otimismo para o futuro: como no mundo todo, há toda uma geração de jovens conectada ao mundo como jamais houve antes nos países árabes.

É natural que rejeitem soluções como as velhas ditaduras ou como o caos atual.

"O foco deve ser na sociedade e não no Estado", espera o líbio Jibril.

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