Patrícia Campos Mello

Repórter especial da Folha, foi correspondente nos EUA. É vencedora do prêmio internacional de jornalismo Rei da Espanha.

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Patrícia Campos Mello

Trump por um fio: ignorância ou obstrução de justiça?

O presidente americano Donald Trump incorreu no crime de obstrução de Justiça ao pedir que o então diretor do FBI, James Comey, abandonasse uma investigação e, depois, ao demiti-lo?

Essa é a questão a ser respondida a partir da audiência de Comey no Senado.

Segundo a legislação americana, é crime influenciar, obstruir ou impedir que uma agência do governo conduza uma investigação. Isso inclui desde queimar provas de um crime e matar uma testemunha até métodos mais sutis.

O ex-presidente Richard Nixon se viu forçado a renunciar, em 1974, ao ser flagrado em fitas sugerindo que o diretor do FBI deveria ser orientado a bloquear investigações sobre o arrombamento do escritório do partido Democrata no prédio Watergate, em Washington, alegando motivos de segurança nacional.

"Diga que eles devem ligar para o FBI e falar que, pelo país, não queremos que prossigam com o caso, e ponto final", diz Nixon.

Muitas vezes, como no caso de Nixon, não é o crime, mas a tentativa de encobri-lo que enterra os políticos.

O imbróglio Comey-Trump também envolve um diretor do FBI sendo orientado pelo presidente a brecar investigações, embora não existam gravações. Pelo menos, não ainda.

Segundo memorandos de Comey, Trump teria dito, em reunião privada no Salão Oval da Casa Branca, em 14 de fevereiro. "Ele [Michael Flynn, ex-assessor de segurança nacional] é um cara bom e passou por muita coisa. Espero que você esteja disposto a deixar isso passar, a deixar Flynn de lado", referindo-se às investigações sobre os contatos de Flynn com autoridades russas.

Na audiência, republicanos bem que tentaram apelar para acrobacias verbais.

"O presidente disse `espero que'. Você conhece algum caso em que uma pessoa foi acusada de obstrução de justiça ou qualquer outro crime ao dizer que esperava obter um determinado resultado?", inquiriu o senador republicano Jim Risch.

Comey afirmou ter encarado o pedido presidencial como "uma orientação".

"Trata-se do presidente dos Estados Unidos, sozinho comigo, dizendo "eu espero que". Eu entendi que era o que ele queria que eu fizesse", disse.

Ele afirmou ter considerado o pedido de Trump "muito pertubador e preocupante", o que o teria levado a sair de lá e imediatamente escrever um relatório sobre o encontro.

O diretor do FBI não brecou as investigações, como "esperava" Trump.

No dia 9 de maio, Comey foi demitido pelo presidente. A justificativa oficial para a demissão foi sua conduta ao divulgar a investigação de e-mails da então candidata Hillary Clinton durante a campanha de 2016.

Mas Trump admitiu que ia demiti-lo de qualquer jeito e disse em encontro com autoridades russas : "Acabo de demitir o diretor do FBI. Ele era um maluco. Eu estava enfrentando muita pressão por causa da Rússia, e isso agora acabou."

Para não deixar dúvidas, no dia seguinte, em entrevista na TV aberta, afirmou: "Eu decidi (demiti-lo), disse para mim mesmo —sabe, essa história de Trump e Rússia é uma invenção'".

Comey resolveu que não iria limpar suas gavetas docilmente. Pediu para um amigo vazar para a imprensa o conteúdo dos memorandos sobre seus encontros com Trump.

Pouco antes, o presidente americano havia tuitado : "James Comey tem que torcer para que não existam gravações de nossas conversas antes de sair vazando para a imprensa".

No depoimento de quinta-feira, Comey afirmou: "Espero mesmo que existam as fitas".

No caso de Nixon, era o próprio presidente que gravava secretamente todas as suas conversas e telefonemas na Casa Branca. Durante a investigação do caso Watergate, ele foi obrigado por um investigador especial a divulgar as fitas.

Para demonstrar que uma autoridade incorreu em obstrução de justiça, é preciso provar que houve intenção de bloquear a investigação. Intenção sempre é difícil de provar.

Republicanos dizem que Trump é um empresário sem experiência no governo e não tinha consciência de que seus contatos com Comey eram impróprios. Não se sabe se a tese da "ignorância" vai se confirmar.

O ex-diretor do FBI Robert Muller foi designado para conduzir uma investigação especial sobre a influência da Rússia na eleição americana de 2016.

Segundo Comey, Muller já está investigando se Trump teve a intenção de obstruir a justiça. "Tenho certeza de que o investigador especial vai tentar entender qual foi a intenção e se isso foi um crime", disse.

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