Paul Krugman

Prêmio Nobel de Economia, colunista do jornal The New York Times.

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Paul Krugman

PAUL KRUGMAN
DO "NEW YORK TIMES"

"L'état, c'est moi", declarou Luís 14. "O Estado sou eu". Luís 14 era um monarca absoluto, cuja palavra era lei, e servir a França significava ser leal à pessoa do rei.

Existem vantagens óbvias em um sistema como esse: nenhuma ambiguidade sobre a quem cabe a autoridade; não se perde tempo com debates legislativos; não é necessário montar coalizões para conseguir que as coisas aconteçam. No entanto, a França de Luís 14, o Estado mais poderoso da Europa, foi combatida e bloqueada em suas ambições pela Inglaterra e pela Holanda, a primeira uma monarquia constitucional (depois da Revolução Gloriosa de 1688) e a segunda uma república, países cujas populações combinadas eram muito inferiores à francesa.

E nas guerras anglo-francesas que se seguiram, a França em geral saiu derrotada, enquanto decaía lentamente a uma crise fiscal cada vez mais profunda que viria a ser uma das causas da Revolução Francesa.

Por que uma monarquia absoluta se provou mais fraca do que repúblicas contenciosas, na prática? Um motivo era que a ausência mesma de limites quanto ao poder do rei solapava a credibilidade da França. Não importa o que um rei prometesse, ele podia sempre mudar de ideia.

Não por coincidência, a França passou por repetidas moratórias de sua dívida, enquanto a Inglaterra pós-1688, com um rei cerceado pelo Parlamento, jamais aplicou um calote. Como resultado, a Inglaterra tinha muito mais sucesso na captação de recursos para a guerra, e pagava taxas de juros muito menores.

TRUMP

O que nos conduz, como tudo faz nos dias de hoje, a Donald Trump –um homem cujo desprezo pelo Estado de Direito é evidente e que, como Luís 14, não vê distinção entre lealdade ao país e lealdade a ele. A principal diferença é que Luís 14 parece ter pelo menos tentado compreender as questões.

Na noite de sexta-feira (19), algo sem precedentes aconteceu. As atividades do governo dos Estados Unidos ficaram temporariamente paralisadas ainda que o mesmo partido controle as duas casas do Congresso e a Casa Branca.

Por quê? Porque quando Trump está envolvido, um acordo não é um acordo –não passa de palavras que ele se sente livre para ignorar alguns dias mais tarde.

A história, até aqui: duas semanas atrás, Trump declarou que se o Congresso criasse um plano para proteger os chamados Dreamers [sonhadores] –imigrantes não documentados trazidos aos Estados Unidos quando crianças– e ao mesmo tempo reforçasse a segurança da fronteira, ele assinaria.

Dois dias mais tarde, um grupo bipartidário de senadores levou a ele um plano que fazia exatamente isso –e Trump o rejeitou, se queixando de imigrantes de "países de merda".

Na sexta-feira, Chuck Schumer, o líder do Partido Democrata no Senado, parecia ter chegado a pelo menos um acordo de curto prazo com Trump, mas o viu negado algumas horas mais tarde. Trabalhar com Trump é como "negociar com gelatina", resmungou Schumer.

Por fim, na segunda-feira os democratas concordaram em estender por três semanas as verbas do governo em troca de uma promessa de Mitch McConnell, o líder da maioria republicana no Senado, de que um projeto de lei sobre a imigração seria votado (não ouvimos nada a respeito vindo de Trump).

Se a votação não acontecer, voltaremos à estaca zero dia 8 de fevereiro. Alguém quer apostar sobre o que acontecerá?

TRAIÇÕES

Basicamente, portanto, o governo da maior nação do planeta está cambaleando de crise a crise porque não se pode confiar em que seu líder honre um acordo.

Mas o que você esperava? Toda a carreira de negócios de Trump consiste de uma série de traições –empreendimentos de negócios falidos com os quais ele lucrou pessoalmente mas pelos quais outras pessoas, quer fossem alunos da Universidade Trump, fornecedores ou credores, terminaram pagando.

E ele não cresceu, ao assumir a presidência, a menos que você queira contar os misteriosos 2,5 centímetros a mais de altura que ele agora diz ter.

Há duas coisas que é preciso perceber sobre a completa falta de confiabilidade de Trump. Primeiro, ela tem ramificações que vão além da recente paralisação das atividades do governo. Segundo, ela é possibilitada, ou no mínimo agravada, por aqueles que facilitam a vida dele no Congresso.

Pense, por exemplo, nas consequências internacionais de um presidente dos Estados Unidos cuja palavra não mereça confiança. Com quem poderemos contar como aliado confiável quando país algum sabe se os Estados Unidos estarão presentes quando precisarem de ajuda?

Pelo menos até agora, os mercados financeiros, continuam a encarar o governo dos Estados Unidos como digno de confiança, ainda que, durante a campanha de 2016, Trump tenha falado repetidamente sobre forçar os credores do país –como os credores de algumas de suas empresas– a aceitar menos do que lhes é devido. Mas será que seu governo tem alguma reserva de credibilidade financeira se algo der errado?

Provavelmente não.

CONGRESSO

Em outras palavras, a falta de confiabilidade de Trump é um grande problema, não importa qual seja a substância de suas políticas. Mas vejam só que engraçado: embora os instintos dele sejam autocráticos, a constituição não o coloca acima da lei.

O Congresso tem o poder de restringir suas ações, de forçá-lo a honrar seus compromissos. Sua capacidade de continuar traindo aqueles que confiam nele depende inteiramente da disposição dos republicanos do Congresso de permitir que isso aconteça.

Por exemplo, teriam bastado dois dos senadores republicanos que agora se declaram preocupados com a traição aos dreamers para forçar ação, ao negar os votos necessários à aprovação do corte de impostos de Trump.

Eles não agiram. Inação semelhante explica por que Trump foi capaz de violar todas as normas prévias quanto a explorar seu posto para ganho pessoal, e muito mais.

O resultado é que as promessas do governo dos Estados Unidos agora valem tão pouco quanto as de qualquer ditador de meia pataca. Ainda não sabemos que preço teremos de pagar por essa perda de credibilidade, mas ele provavelmente não será baixo.

Tradução de PAULO MIGLIACCI

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