Tati Bernardi

Escritora e roteirista de cinema e televisão, autora de “Depois a Louca Sou Eu”.

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Tati Bernardi

Figuras paulistanas

Nas clássicas festinhas paulistanas indie-abastadas, cabe ao ser mais cínico e antissocial encher a cara ou se distrair com a rotulagem.

Caso você esteja impossibilitado da proteção etílica de não odiar a humanidade, resta se divertir com a escrotidão de personificar (propositalmente sem pretensões tridimensionais) o coleguinha. Nesses eventos, não podem faltar, por exemplo, os "falsos queridões". São os que sempre elogiam destruindo, tipo "Você ATÉ que está bonita" ou "Adoro UMA OU OUTRA COISA que você escreve".

Tem também o "encurtador de URL da vida", que manda neologismos marotos como "publiça" e "cabôquenumfui". Ambos são amigos do "idoso Ramones", que há 20 anos já era velho, já pagava de jovial na balada e já tinha essa camiseta do Ramones. Ele só não é mais deprê que o "misterioso suicida", também diagnosticado como "podia estar me envenenando, podia estar me enforcando, mas estou vendo com desdém aquela gorda dançar Pharrell Williams". Não é preconceito, apenas a corpulenta traz toda uma celebração escancarada dos prazeres, e isso o angustia mais.

O "marido do financeiro" tenta puxar papo com os amigos da mulher, mas acaba caindo no "vem chuva aí, é vida que segue, o que é seu tá guardado". Por uma bizarra conjunção, ele ganha a atenção do "gatinho graças à moda", também conhecido como "barango no colegial, hoje orna barba agressiva com óculos de haste extrema e calça justa". Nada abala este exemplo da maturidade, mas, se você ousar sacaneá-lo, leva um baldinho de areia na testa.

Fuja do "condescendente matreiro". Ele é dono de uma empresa com 12 funcionários e, por se achar o Zuckerberg tupiniquim (e ter aprendido humildade na meditação), adora dizer "o famoso aqui é ele" para o faxineiro. Ele está de olho na "gostosa Ideia Zarvos": linda, bem vestida, mas depois de um tempo só dá defeito. Que, por sua vez, é a melhor amiga da "meeeeeeeeu, cê não sabe": não importa se sua notícia superquente é sobre o Estado Islâmico ou a Madonna, essa mina vai supervalorizar com muitos adjetivos nasalados o que tem a dizer.

Elas odeiam a "esteticamente insignificante que corre pelas laterais". É aquela feiosa que não lavou o cabelo (e acha que jaqueta de nylon combina com saia rodada), mas que, de repente, enquanto você pega mais um brie com damasco sonhando em chafurdar numa pizza, aparece encoxando sem dó, no epicentro da festa, um cara gato. A gente nunca vai entender o imenso poder da estranha na hora do acasalamento.

A "sou mãe mas faço sexo frugal", também conhecida como "desde a Renascença eu não enfio o pé na jaca então me deixa", é o tipo de pessoa que merece respeito. Ela vai dançar como se o seu joelho ainda aguentasse e dormir na casa do "surubeiro metido a artista com esmegma aka nojinho": esse cara é a maior fraude do Brasil, mas você conhece umas 564 meninas que já transaram com ele. E você, se não me engano, também já transou com ele. E comigo junto, caso eu não esteja enganada. Mas, olhando assim, é o último homem do mundo com quem você e todas aquelas mulheres transariam.

Cuidado! Ali está o "grupinho das esposas eternamente reformando"! A menos que você tenha dicas sobre o submundo do ladrilho hidráulico, não passe perto. Você até ensaia um discurso apaixonado sobre "melhor ser definida por uma profissão do que por um casamento e um lavabo", mas dane-se, vale mais a pena observar com carinho jocoso o rapaz "partiu boquinha livre", que geralmente acaba conversando com a moça "acabei de ser contratada numa produtora de cinema". Estão felizes demais para reparar que você, infeliz demais, está rindo deles.

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