Peça de teatro muda rotina do Bom Retiro, no centro de SP

Sabe aquela imagem que o paulistano tem do Bom Retiro, o centro de compras de São Paulo, quando anoitece, com suas ruas escuras e desertas? Pois é. Isso mudou. Pelo menos por um tempo.

O bairro da região central agora virou palco para a peça "Bom Retiro 958", do grupo Teatro da Vertigem. Em cartaz de quinta a domingo até março, o espetáculo tem mudado a rotina de quem mora, trabalha ou transita pela região.

Vanuza Rodrigues Menezes, que à noite estava acostumada a esquecer as ruas lá fora e voltar os olhos para a novela, agora já fica preparada para a apresentação. O espetáculo passa debaixo da sua janela, em um dos poucos prédios residenciais da rua José Paulino.

De lá, ela assiste de camarote à cena que já conhece de cor: um homem maltrapilho conversa com uma pedra de crack gigante. Logo depois vem a parte mais aguardada por Vanuza. Numa bicicleta, os alto-falantes cantam: "Meu bem/Sua incompreensão já é demais".

O grupo teatral, dirigido por Antonio Araújo, tem 20 anos de história e é conhecido por levar espetáculos a lugares pouco convencionais.

A ideia de encenar no Bom Retiro surgiu quando o grupo preparava outra peça, Apocalipse 1,11. Os trabalhos eram concentrados na Oficina Cultural Oswald de Andrade, que fica por ali.
"Passamos nossos dias no Bom Retiro por mais de um ano. Isso criou uma ligação com o bairro. Percebemos a diversidade cultural que existe ali", afirma Araújo.

A peça virou assunto na região, conta o coordenador da oficina Oswald, Valdir Rivaben. "Agora, quando os moradores veem alguma apresentação diferente aqui, perguntam: 'Esse que é o Vertigem?' A peça trouxe maior compreensão da questão da intervenção artística fora dos muros na região", afirma.

Também é possível ver o burburinho durante o trajeto dos atores pelo bairro. Seguranças, taxistas, pedreiros e vendedores param para assistir as cenas.

Para o empresário Victor Schilton, 49, dono de uma fábrica de tecidos no bairro, o espetáculo ajuda a mostrar um Bom Retiro menos conhecido dos paulistanos.

"Mostra que aqui também tem possibilidades de lazer", afirma. "Muitos acham que a José Paulino é o bairro, mas ele é muito mais do que isso."

A apresentação do Vertigem começa na rua Cesare Lombroso, no shopping Fashion Mall, passeia pelas ruas do bairro e termina no teatro Taib, do Instituto Cultural Israelita Brasileiro, conhecido como Casa do Povo.

Os responsáveis pelo teatro comemoram a presença do grupo ali. Isso porque o local, que funcionou entre as décadas de 1960 e 1980, está desativado atualmente.

A peça do Vertigem tem ajudado a dar impulso às negociações para restauração do prédio, estimada em cerca de R$ 12 milhões.

"Antes não tínhamos coragem de mostrar o teatro do jeito que está para ninguém. O Vertigem trouxe uma abertura para nós", diz a presidente do conselho do instituto, Marina Sendacz.

E a abertura citada por Marina veio mesmo. Principalmente para o Bom Retiro.