Empreendedorismo dá certo no Brasil?
Sim, sou um idealista. Acredito que a mudança só é possível por meio de uma revolução. Foi assim nos grandes momentos da história e será assim aqui também. Espero que seja a revolução pela educação, a mãe de todas as mães.
Vamos falar de empreendedorismo. Incrível como o tema tomou conta das mais diversas rodas de discussão do país. Virou saída para tudo. Para o desemprego, o desaquecimento econômico e até para a falta de otimismo do brasileiro. Estranho. Não importa se falamos do intra, do social ou do empreendedorismo de negócios. Salvamos o Brasil com uma única palavra. Será?
Outro dia pensava em como as divergências tendem a criar convergências e resolvi abrir uma. Sim. Uma contracorrente. Aquela que questiona este país das maravilhas que é o empreendedorismo no Brasil. Todo dia sai uma reportagem nova, sempre boa, com mais um exemplo lindo de sucesso.
Comecei a procurar então onde estavam as pessoas que fracassaram, ainda que momentaneamente. Aquelas que perderam seus negócios com a crise, a falta de planejamento ou mesmo a falta de ajuda qualificada, e olha que organizações que defendem o tema no país não faltam.
Elas não estavam nas páginas dos jornais e revistas, nas manchetes de TV e tampouco nos relatórios dos que promovem e apoiam o tema em solo nacional. Ora, se tudo vai bem, deveríamos sentir isso na pele. Não concordam? A economia deveria estar pujante, os MEIs (Microempreendedores Individuais) deveriam estar ganhando pequenas licitações e certamente já seríamos modelo de empreendedorismo em todo o mundo. Talvez estejamos neste caminho, mas muito distante dos divulgados passos largos e certeiros que lemos por aí. Explico.
O tema do empreendedorismo avançou em sua discussão no país, mas números bonitos e estudos vistosos, cheios de infográficos, não significam necessariamente um país empreendedor. Aliás, pergunto: onde estão as estatísticas sobre aqueles empreendedores que quebraram ou não tiveram condições de atingir seu sonho, seu objetivo. Eles agora fazem parte dos desempregados ou dos celetistas (aqueles regidos pela CLT)? Mais provável que tenham desaparecido por completo, uma vez que não estão em nenhum dado oficial.
Um país não pode estar dando certo, enquanto o empreendedorismo enquanto for visto como mera abertura de empresas, buscando apenas atingir uma meta. O empreendedorismo não pode estar dando certo no país enquanto não for estudado e ensinado desde sua série mais primária, juntamente com conceitos de educação financeira e, por que não, de administração e gestão.
Tampouco daria certo se tivesse seu maior nível de sucesso apenas nas elites, nas grandes faculdades ou nas startups com recurso familiar ou de investidores-anjo (ou seriam falcões, predadores?). Aliás, me pergunto o porquê dos investidores-anjo não investirem mais nas ideias de jovens da periferia. Lá, estão brotando coisas fantásticas em economia criativa, com os coletivos e outras tribos. Inovação não existe apenas em Higienópolis não, pessoal.
Me assusta a ufania de que o Brasil avançou tanto no tema. Talvez aqueles que defendam essa ideia não tenham pisado muito nas favelas brasileiras, onde a população, por mais que tenha vontade -e isso tem de sobra- nem sequer sabe calcular o preço da energia elétrica, de uma taxa no banco de sua preferência. Também não encontram ferramentas adequadas para empreender nem respaldo no marco legal que rege o país.
Ou vão querer me convencer de que sem infra na "perifa" isso será possível? Sem banda larga, sem a satisfação plena da base da pirâmide de Maslow, sem educação, conseguiremos números de verdade?
Ainda falta muito para o Brasil dar certo no empreendedorismo e não se enganem. Isso não será atingido por números bonitos ou mesmo por propagandas de grandes bancos, dizendo que a população tem acesso a crédito para empreender. Balela. Propaganda enganosa que faz um país adormecer.
Empreender é um ato não de mudança, mas de transformação. Em outras palavras, de uma profunda estruturação, tocando na ferida. Divergindo até podermos, enfim, convergir para um caminho de resultados efetivos.
Falar hoje de empreendedorismo - sobretudo o social, aquele que atinge a base da pirâmide- de uma sala com ar-condicionado ou nas redes sociais é fácil. Quero ver sair da zona de conforto, da sua caixinha bonita e abrir mão da grandiloquência de querer ser o "pai da criança" para olhar com os olhos de quem está lá, largado e perdido, longe das "estatísticas-maravilha".
Para termos uma coletividade forte no debate do empreendedorismo é preciso promover indivíduos igualmente esclarecidos. Voltamos à educação. Não, o empreendedorismo não deu certo no país. Ainda.
GUTO FERREIRA, 34, é CEO e líder social da Confia Microfinanças e Empreendedorismo, fez pós-graduação em Gestão Pública e MBA em Empreendedorismo e Novos Negócios e coordenou a área na Secretaria de Desenvolvimento Econômico e Trabalho, da Prefeitura de São Paulo, de 2010 a 2013