Gestores da educao especial
Dos sonhos de criana, o administrador Alexandre Schmidt Amorim, 24, se lembra bem de um: fazer uma mgica que curasse a irm, Laura, dois anos mais nova do que ele. Pensava nos superpoderes que a fariam acordar na manh seguinte sem sndrome de Down e outras deficincias nunca diagnosticadas. Um truque que a permitisse frequentar escolas com o suporte necessrio ao seu desenvolvimento.
O desejo da infncia no sumiu completamente quando Alexandre cresceu. Mas mudou de forma. Num trabalho para a faculdade, traou um caminho entre o terceiro setor e a educao inclusiva.
Poderia ter sido apenas mais uma atividade escolar, mas ele decidiu levar a ideia adiante. Convidou o estudante de economia Luiz Hamilton Ribas, 24, seu colega na empresa jnior da UFPR (Universidade Federal do Paran), e outros dois amigos para desenvolverem uma proposta para sanar entraves na educao de pessoas com deficincia. Nascia o embrio da Asid (Ao Social para a Igualdade das Diferenas).
Por um ano, entre 2008 e 2009, discutiram a iniciativa. At que Luiz chegou com um novo tema: as dificuldades da Escola Alternativa, uma instituio filantrpica de educao especial. Debateram, investigaram e concluram que o problema estava na gesto. Juntos, trabalharam para alavancar a entidade e viram o nmero de alunos crescer pouco depois.
Em 2010, quando os outros dois amigos saram da Asid, Alexandre e Luiz chamaram o estudante de economia Diego Tutumi Moreira, 24, tambm da empresa jnior, para a empreitada. A unio deu certo: rendeu at uma metodologia exclusiva de avaliao das entidades, o IDEE (ndice de Desenvolvimento da Educao Especial).
um raio-x da instituio. Ele permite ver como esto as reas financeira, de marketing e se na escola no h desvio de verba, explica Diego. A partir da anlise dos dados, so desenvolvidos os projetos. No h frmula para as intervenes propostas sem que antes eles entendam as reais necessidades e o que os beneficirios dos projetos esperam de melhoria.
MOMENTOS DIFCEIS
Na Asid, faziam uma caixinha mensal na qual cada um colaborava com R$ 35. Distribuam panfletos e revendiam computadores. At que um amigo de Alexandre viu o potencial dos meninos e passou a doar R$ 500 por ms.
Os trs sempre tiveram muito em comum, a comear pelo trabalho na empresa jnior, em que eram diretores. O maior desafio era engajar a equipe, que no tinha remunerao, em prol de um objetivo: ajudar quem precisava, conta Diego.
Alm disso, vinham de famlias de classe mdia de Curitiba, estudavam na UFPR e passaram por momentos difceis entre 2006 e 2007, na fase pr-vestibular. Alexandre viveu a separao dos pais e viu aumentar sua responsabilidade nos cuidados com a irm. Luiz operou a coluna devido a um problema congnito. Diego teve de assumir a empresa da famlia, no Mercado Municipal, aps o pai passar por cirurgia nos olhos.
Quando se formaram, receberam propostas de multinacionais e lidaram com a cobrana das famlias para encontrar trabalho com boa remunerao. Sabamos que gervamos resultados para as escolas. Mas era complicado ver os colegas de faculdade recebendo bons salrios e ns ainda dependermos dos pais por um perodo to longo, lembra Alexandre.
Mesmo sem benefcios de empresa de ponta, decidiram passar dois meses viajando pelo Peru e pela Bolvia, em 2011. Na volta, fecharam o primeiro grande projeto da Asid, com investimento de uma empresa de telefonia.
Aps 16 meses [e visitas a mais de 80 empresas], contabiliza Alexandre, quando a Asid conquistou o primeiro investimento empresarial de grande porte, foi como puxar flego e ver que poderamos continuar fazendo o bem para mais escolas. Eles se complementam na gesto. Alexandre, focado e organizado, cuida do planejamento. Luiz o principal executor e lidera as reas de marketing e voluntariado. Diego o criador, estando frente da concepo do IDEE e dos relacionamentos.
Eles olham para frente e estabelecem novas metas, mas no perdem de vista as conquistas: at hoje, foram beneficiados mais de 3.000 alunos, mil profissionais e 18 escolas em Curitiba.
Assista
Conhea mais sobre a Asid
H cerca de meio sculo, a democratizao do acesso educao regular no Brasil teve um grande marco. A primeira LDB (Lei de Diretrizes e Bases), promulgada em 1961, apontava que a educao de excepcionais deve, no que for possvel, enquadrar-se no sistema geral de educao, a fim de integr-los na comunidade. Nessa mesma dcada, as Apaes e as instituies da Sociedade Pestalozzi surgiram em diversas regies do pas, somando mais de 30 unidades, de acordo com estudos realizados pela UFSCar.
Com a LDB de 1996 e de vrias intervenes posteriores relativas educao especial, na segunda metade desses ltimos 50 anos, observou-se um discurso cada vez mais explcito de preferncia incorporao da educao especial na estrutura regular de ensino, que acompanhou uma mudana gradual, mas radical, na forma de acolher os PNEs na escola.
Antes havia uma nfase na questo da sade e nas especificidades e uma crtica educao diferenciada e assistencialista, que segregava os educandos considerados especiais dos considerados normais em escolas ou classes especiais. A partir da dcada de 90, com a Poltica Nacional de Educao Especial e os Parmetros Curriculares Nacionais, a nfase se deslocou para a educao inclusiva. Na prtica, isso significou a progressiva insero de alunos com dficits cognitivos, distrbios psicolgicos graves, transtornos globais de aprendizagem, surdez, cegueira, dentre outros, em salas de educao regular.
Mesmo com tantas controvrsias polticas e pedaggicas, lutas por recursos federais, praticamente no h estudos que apontem objetivamente que, tanto em termos de gesto como em termos de educao, um modelo seja melhor que o outro. Da a relevncia de um projeto como o da Asid, que apoia a gesto de escolas especiais no Paran por meio de uma metodologia de levantamento de indicadores. Alm de fortalecer esse setor em transio e conflito, com escassos recursos para atender s demandas reais, desenvolve um modelo que pode fomentar e informar um debate mais plural sobre as polticas educacionais de incluso e sua iminente universalizao.
Os empreendedores sociais so pioneiros ao atender as necessidades das escolas e dos centros especiais gratuitos com uma metodologia inovadora de gesto e de gerenciamento de projetos em trs pontos correlacionados: gesto escolar, relaes institucionais e estrutura fsica.
Para chegar a isso, criaram uma tcnica de diagnstico nico que mapeia a realidade escolar permitindo que as intervenes sejam mais assertivas.
A principal inovao tcnica da Asid o IDEE (ndice de Desenvolvimento da Educao Especial). uma mtrica comparativa que tem como objetivo mensurar em que nvel de desenvolvimento encontra-se a gesto das escolas especiais, utilizando os critrios de avaliao criados pela prpria Asid relacionados administrao da entidade, distribudos nas seguintes reas: financeiro, marketing, jurdico, recursos humanos, liderana, impacto social, captao de recursos e estrutura fsica. So 39 indicadores avaliados por pontuao de 0 a 4 (de pssimo a excelente).
Mais de 90% dos projetos vm de patrocnio direto das empresas parceiras, e 10%, de pessoa jurdica, provenientes da campanha Especial, com os estabelecimentos gastronmicos. Esto em conversa, ainda de forma confidencial, com um fundo de investimento social para futuro aporte financeiro na organizao.
O relacionamento com colaboradores, parceiros, patrocinadores e beneficirios aberto e transparente, com prestao de contas por meio do site e relatrio anual de impacto bem elaborado, didtico e com todas as informaes dos stakeholders, usando nmeros e tabelas explicativas.
Seus patrocinadores so GVT, Pelissari, Renault, Unimed Curitiba e Campanha Especial (pool de 32 restaurantes). O oramento anual (2013) de R$ 350.000.
No se conhece produto e/ou servio semelhante que atenda esse segmento das escolas especiais, com resultados relativamente rpidos e com impacto de longa durao, alm de um processo de desenvolvimento contnuo e progressivo para atingir a excelncia no trabalho prestado pela organizao.
Foram diretamente beneficiadas 4.280 pessoas, entre alunos e professores de 18 escolas.
Curitiba e Araucria (Regio Metropolitana).
No existe um produto ou conjunto de servios com foco nesse pblico to especfico e excludo de ferramentas de gesto. A carncia de gesto nessas instituies permite escalar rapidamente a iniciativa da Asid, embora dependam de financiamento externo para sua realizao, uma vez que as mesmas geralmente no possuem recursos.
A Asid insere novos processos, capacita pessoas e atua na construo de diretrizes estratgicas visando a sustentabilidade e o crescimento desses estabelecimentos que, em geral, tm mais de 40 anos de existncia, para que aumentem a qualidade do ensino e o nmero de vagas ofertadas.
Para aplicar o IDEE, o levantamento dos dados realizado tanto pela observao direta dos avaliadores sobre os processos financeiros e de captao de recursos, uso das ferramentas e estratgias de marketing, entre outros, como na aplicao de questionrios aos pais e funcionrios da escola. O processo de aplicao do diagnstico pode variar de duas semanas a quatro meses, dependendo do tamanho e do nvel de organizao de cada estabelecimento. Aps o diagnstico, a Asid estabelece, junto direo, o que dever ser executado, desenha o projeto e busca uma empresa para ser investidora.
O quadro abaixo mostra como acontece o processo de ao nas escolas com a entrada da Asid:
Especial
A campanha Especial acontece em estabelecimentos gastronmicos de Curitiba que oferece servios e produtos, nos quais parte do valor destinada Asid para financiar a reaplicao do IDEE (ndice de Desenvolvimento da Educao Especial).
Projetos de Assessoria Administrativa
Baseado no resultado do diagnstico da escola pelo mtodo IDEE, a Asid e a empresa investidora no projeto fazem um plano de ao, com cronograma das etapas, oramento, plano de comunicao e mapeamento de riscos do projeto, de forma personalizada.
Com isso em mos, aplicam as ferramentas e as capacitaes para melhorar a parte administrativa da instituio.
Capacita
Programa de voluntariado estruturado, onde os colaboradores de empresas parceiras dedicam parte do seu tempo para repassar seus conhecimentos sobre gesto para as escolas assessoradas, em ferramentas financeiras, de marketing, de captao de recursos, de planejamento estratgico e de gerenciamento de projetos.
Mo na Massa
o programa de voluntariado que atua na reforma e na melhoria da infraestrutura escolar, de acordo com as necessidades mais prementes, levando impacto social visvel para os alunos e funcionrios. As atividades envolvem desde demolio, passando por pintura e horta, at construo de novos ambientes. Cerca de 480 voluntrios ajudaram a transformar seis instituies e impactaram mais de cem alunos que contam com um espao melhor para aprendizado e desenvolvimento. Cerca de R$ 70 mil foram investidos nas escolas.
Programa Lder Especial
Em parceria com a empresa Pelissari, o programa deve ser implementado nos prximos meses. Consiste no desenvolvimento de lideranas a partir de dois grupos: empresa e escolas especiais. Em trabalho conjunto, esses potenciais lderes recebero treinamento com vivncias prticas e ao de responsabilidade social para desenvolverem competncias em conjunto. Os cases usados para isso sero as prprias escolas especiais, que se beneficiaro da consultoria dos alunos.
DEPOIMENTOS
ANA MARIA LIMA ZEN, 52
diretora da Escola Especial Nilza Tartuce
Quando o projeto veio para a comunidade, por volta de 2009, nosso dficit de leitura era grande. E a quantidade de livros na escola era pequeno. O acervo que veio da Vaga Lume, na primeira vez, j chamava a ateno, as crianas gostaram demais e vieram para a biblioteca. No comeo, a biblioteca funcionava na escola, depois foi para a casa de uma moradora, da Jucirana, mas era aberto, no tinha telhado, e, na poca da chuva, no dava para fazer as mediaes de leitura. Trocamos de novo de lugar, fomos para a sede comunitria, que tambm era usada para reunies e no era um lugar adequado tambm.
Em 2011, conseguimos um recurso de R$ 500 para fazer uma biblioteca na comunidade. S que o dinheiro no era suficiente para construir o espao. Ento convidamos todo mundo para construir a biblioteca. Vrias pessoas colaboraram: tinha gente que doava a pedra para fazer a fundao, outros areia e tinta, teve at gente que doou duas telhas. Quando a gente estava construindo, as pessoas passavam e perguntavam: O que isso? Quem est pagando?. Eu explicava que a biblioteca da comunidade e que todo mundo estava contribuindo, podia ser at com uma pedrinha.
Teve quem pregou duas ou trs tbuas dessa a.
No primeiro ms que abrimos, tivemos mil emprstimos de livros. tarde, por volta das quatro, fica uma sombra imensa aqui na porta. A gente estica as esteiras, espalha os livros e as crianas vm ler.
E a gente leva tambm os livros para outras comunidades, faz mediaes de leitura. A maior parte dos idosos analfabeta, e as crianas leem para eles. A gente pega as caixinhas e umas bolsas e anda por a. Escolhe uma casa para fazer a mediao de leitura.
O mais bonito ver as pessoas chorando. A gente chora junto. Eles mandam todo dia o filho para a escola. Mas, quando o filho chega em casa e est lendo um livro assim, difcil segurar, muito emocionante.
Os livros so uma janela para o mundo. Aqui eles enxergam o mundo.
Frases sobre a empreendedora social e seu trabalho
Aqui uma comunidade que surge pela luta pela terra. Quando a Vaga Lume chega para somar, para valorizar a cultura e a identidade. Na poca, a escola era num
barraco da fazenda. Havia muitas crianas analfabetas. A leitura como transformao social comea a, as crianas comeam a ter acesso aos livros. Hoje, no temos nenhuma criana analfabeta. Elas emprestam o livro e gostam de ler. A Sylvia uma profissional que traz um cunho muito humano, tem um diferencial dia
nte de muitos esquisadores que vm aqui conhecer a comunidade: ela vive a nossa vida e, mesmo longe, est com a gente
SILVIA EMANUELLI SANTOS ALMEIDA, 35,
multiplicadora da Vaga Lume no Assentamento Joo Batista 2, em Castanhal (PA)
Ser mediadora saber se doar para as crianas e os adultos, para a comunidade, na
hora da leitura. Gostando de ler, consigo passar esse gosto para as outras pessoas.
um orgulho grande inaugurar hoje essa biblioteca
ALICE PALMERIM DO VALE, 39,
mediadora da Vaga Lume, atua na comunidade Campina de So Benedito, de Macap
(AP)
Quando conheci essa comunidade [Campina de So Benedito], ela tinha seis casas.
incrvel ver hoje a inaugurao dessa biblioteca. O que a Vaga Lume faz dar um
empurro
ADENOR DE SOUZA, 58,
educador, agricultor e multiplicador e mediador da Vaga Lume na comunidade
Campina de So Benedito, de Macap (AP)
Quando chegou a Vaga Lume aqui, eu tinha uns 11 anos. Eu e as outras crianas
tnhamos pouco acesso a livros de histrias, foi muito bom e comecei a gostar de ler.
Adoro ler as lendas. Virei mediador de leitura em 2009. Hoje, queremos fazer livros
aqui para contar a histria da comunidade e da biblioteca
MARINHO FERREIRA, 20,
estudante de pedagogia e multiplicador e responsvel pela biblioteca da Vaga Lume
na comunidade Campina de So Benedito, de Macap (AP)
A gente j fez muito trabalho com os alunos da Escola Alecrim, de So Paulo.
Mandamos um vdeo mostrando nossa escola e dizendo que aqui tem muitas rvores
e igaraps. Eles tambm mandaram trabalho pra gente mostrando como So Paulo,
eu nunca estive l
MARIA VITRIA AZEVEDO DE LIMA, 11,
a comunidade de Cupiba, de Castanhal (PA), que participa do Programa Rede.
Somos amigas do [colgio] Santa Cruz, onde fizemos o ensino mdio. Foi a Sylvia
quem me levou para setor social, atuei no projeto Anchieta com ela. A gente sempre
compartilhou valores, como um forte senso de justia. Ela foi estudar histria, e eu, direito, acabei atuando na rea de direitos humanos. Ela sempre foi uma lder nata, tima contadora de histria, uma inteligncia e cultura acima da mdia, de puro brilhantismo. muito criativa, d n em pingo dgua. E tambm uma menina muito sensvel e intuitiva, sempre tem insights interessantes sobre as pessoas e o mundo.
Ela extremamente exigente. Tem um o perfil do empreendedor social, assim como
meu pai [Hlio Mattar], que parece querer carregar o mundo nas costas
LAURA DAVIS MATTAR, 35,
coordenadora de desenvolvimento institucional da Associao Vaga Lume