Arquivo revela que Zumbi sabia latim

Do enviado a Muge (Portugal)


A condessa de Schonborn, 65, nascida Graziela de Cadaval, é conhecida entre os pesquisadores e ''caçadores'' de documentos como a guardiã dos arquivos da casa da marquesa de Cadaval, sua mãe.

São cerca de 5.000 livros e conjuntos de documentos reunidos nos últimos seis séculos e guardados em Muge, 80 quilômetros a leste de Lisboa.

Anos atrás, dezenas de documentos foram roubados por um ''pesquisador disfarçado de paralítico em cadeira de rodas''. Desde então, só convidados vigiados pela condessa pesquisam os manuscritos tombados pelo Estado.

Entre esses papéis estariam duas cartas preciosas que permitem imaginar Zumbi no seu tempo de menino. Foram escritas pelo padre Antonio de Melo em 1696 e 1698, quando já corria a notícia da morte de Zumbi. As cartas, não localizadas pela condessa, foram copiadas em 1978 a pedido do historiador gaúcho Décio Freitas.

Melo, que era pároco em Pernambuco, relata que em 1655 recebera para cuidar uma ''cria de escassos dias de existência'', extraviada de negros fugitivos.

Foi batizado com o nome de Francisco e educado pelo padre. A criança ''mostrou engenho jamais imaginável na raça negra'', escreveu Melo. ''Quando cumpriu dez anos, já conhecia todo o latim que há mister, e crescia em português muito a contento.''
Em 1670, com 15 anos, Francisco desapareceu deixando ao padre um bilhete em que anunciava sua fuga para Palmares. Melo relata que, anos depois, o rei Zumbi veio visitar-lhe por três vezes.

Na época das cartas, o presidente do Conselho Ultramarino era Nuno Pereira Álvares de Melo, que foi o primeiro duque de Cadaval, e por isso os documentos foram guardados pela família.

Ao longo do tempo, parte do arquivo dos Cadavais foi se perdendo. Em fins do século 17, um incêndio destruiu o palácio da família. Depois, com a invasão napoleônica, muitos papéis foram trazidos para o Brasil.

Em 1964, as famílias dividiram o que restava do arquivo. Metade ficou com a condessa e o restante foi para o duque de Cadaval. Há notícias de leilões de documentos nos últimos anos.
(Aureliano Biancarelli)

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