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28/12/2002
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08h49
Editor de Ciência da Folha de S.Paulo
Se o anúncio dos exóticos raelianos for verdadeiro --e, mais que isso, verificável de forma independente--, 26 de dezembro de 2002 entrará para a história da ciência como um dia sombrio. Nessa data terá nascido o primeiro ser humano clonado, façanha técnica que muitos tomarão por realização da alta pesquisa médica --quando não passa de manifestação sem precedentes da "hybris" biotecnológica.
Outros tantos verão confirmadas suas previsões conformistas, segundo as quais era mesmo uma questão de tempo, que tudo que pode ser feito pela tecnociência um dia seria feito, que sempre haverá um paraíso moral onde experimentos com seres humanos não sejam claramente repudiados nas leis ou pelas consciências. É por causa desse "laissez-faire" pseudopragmático que o mal pode ter sido feito, sem apelação.
Mal, com efeito. Não há por que temer a palavra. Só uma crença alucinada pode vender como bem a fabricação de um ser humano tão diverso dos outros. E são os cientistas --todos-- que carregarão essa mácula, não só os técnicos competentes da Clonaid. Desde o início foi sua neutralidade míope e interessada que circunscreveu o debate à questão da biossegurança, como se apenas o risco bastasse para erguer as barreiras éticas e legais a essa aventura.
O erro foi cometido, entre outros, por dois luminares da clonagem por transferência nuclear, Ian Wilmut e Rudolf Jaenisch, respectivamente o criador de Dolly no Instituto Roslin (Escócia) e um geneticista do renomado Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT, dos EUA). Eles defenderam em artigo na revista "Science" que os problemas eram tamanhos que não se justificava o uso humano da técnica.
Ora, riscos são, por definição, superáveis. A pergunta que deveria ter sido feita --como já defendia há 30 anos o de resto desabusado James Watson-- era a seguinte: e se os problemas de segurança fossem resolvidos, seria permissível fabricar clones? O que mais, senão a vaidade do pesquisador e/ou do candidato a matriz, justificaria tal procedimento?
Não faltam argumentos filosóficos e éticos contra a clonagem. Um dos preferidos, apresentado por pensadores tão díspares quanto o norte-americano liberal Francis Fukuyama e o alemão frankfurtiano Jürgen Habermas, é que a clonagem equivale a diminuir a dignidade da pessoa: sua sequência de DNA não é fruto da loteria biológica, mas determinada de cabo a rabo, de modo irrecorrível, por outrem.
E não venham dizer que é a mesma coisa que escolher o nome ou a escola de um filho, porque não é. Com o DNA não se discute.
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MARCELO LEITEEditor de Ciência da Folha de S.Paulo
Se o anúncio dos exóticos raelianos for verdadeiro --e, mais que isso, verificável de forma independente--, 26 de dezembro de 2002 entrará para a história da ciência como um dia sombrio. Nessa data terá nascido o primeiro ser humano clonado, façanha técnica que muitos tomarão por realização da alta pesquisa médica --quando não passa de manifestação sem precedentes da "hybris" biotecnológica.
Outros tantos verão confirmadas suas previsões conformistas, segundo as quais era mesmo uma questão de tempo, que tudo que pode ser feito pela tecnociência um dia seria feito, que sempre haverá um paraíso moral onde experimentos com seres humanos não sejam claramente repudiados nas leis ou pelas consciências. É por causa desse "laissez-faire" pseudopragmático que o mal pode ter sido feito, sem apelação.
Mal, com efeito. Não há por que temer a palavra. Só uma crença alucinada pode vender como bem a fabricação de um ser humano tão diverso dos outros. E são os cientistas --todos-- que carregarão essa mácula, não só os técnicos competentes da Clonaid. Desde o início foi sua neutralidade míope e interessada que circunscreveu o debate à questão da biossegurança, como se apenas o risco bastasse para erguer as barreiras éticas e legais a essa aventura.
O erro foi cometido, entre outros, por dois luminares da clonagem por transferência nuclear, Ian Wilmut e Rudolf Jaenisch, respectivamente o criador de Dolly no Instituto Roslin (Escócia) e um geneticista do renomado Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT, dos EUA). Eles defenderam em artigo na revista "Science" que os problemas eram tamanhos que não se justificava o uso humano da técnica.
Ora, riscos são, por definição, superáveis. A pergunta que deveria ter sido feita --como já defendia há 30 anos o de resto desabusado James Watson-- era a seguinte: e se os problemas de segurança fossem resolvidos, seria permissível fabricar clones? O que mais, senão a vaidade do pesquisador e/ou do candidato a matriz, justificaria tal procedimento?
Não faltam argumentos filosóficos e éticos contra a clonagem. Um dos preferidos, apresentado por pensadores tão díspares quanto o norte-americano liberal Francis Fukuyama e o alemão frankfurtiano Jürgen Habermas, é que a clonagem equivale a diminuir a dignidade da pessoa: sua sequência de DNA não é fruto da loteria biológica, mas determinada de cabo a rabo, de modo irrecorrível, por outrem.
E não venham dizer que é a mesma coisa que escolher o nome ou a escola de um filho, porque não é. Com o DNA não se discute.
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