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rio de janeiro
03/09/2004
Jovens fabricam móveis com estrutura de garrafa pet

Na favela de Parada Angélica, em Vila Iraci (Duque de Caxias, na Baixada Fluminense), as crianças já sabem exatamente o valor da preservação ambiental. Ali, cair na piscina, soltar pipa, jogar totó e sinuca são atividades pagas com uma moeda diferente: unidades de garrafas PET. No clube local, cada diversão tem um custo específico, que os meninos já sabem de cor. A idéia saiu da cabeça do bombeiro-hidráulico Valmir do Amor Divino Santana, de 37 anos, morador que vem realizando pequenos milagres na comunidade. Como criar uma biblioteca, implantada no único espaço disponível – um conteiner.

O espaço que foi destinado aos livros deveria servir às ações de educação ambiental do Programa de Despoluição da Baía de Guanabara (PDBG), mas estava abandonado. "As crianças e os jovens viviam me pedindo lápis, caderno, dinheiro para bala ou para sair. Eu ficava triste porque não tinha como ajudar. Até que veio a idéia de montar um projeto social, ambiental e econômico, a partir da reciclagem", explica o baiano Valmir.

“Para entrar na piscina as meninas têm que dar cinco garrafas e os meninos dez. Elas precisam juntar menos porque não podem ir longe para pegar as garrafas", explica Iago de Oliveira, 12 anos, que completa: "Para jogar totó precisamos de três garrafas e para comprar picolé, sete. A gente vem aqui todo dia, principalmente nos sábados de sol", diz ele, sendo apoiado por um grupo de umas sete crianças.

Para Valmir, usar as garrafas como moeda atinge vários objetivos: ajuda a arrecadar matéria-prima para o projeto, estimula as crianças a participar e ainda oferece uma alternativa de lazer. "Aqui não tem praia ou cachoeira por perto e a passagem para a diversão é cara. Se cada criança ou jovem conseguisse R$ 10 por semana, já seria o suficiente para afastar muita gente do caminho errado. Com esse mínimo a galera fica feliz", diz ele, que planeja fazer no local um campo futebol.

Incluir as crianças no projeto foi possível graças ao servidor público Antônio Nicolau, amigo de Valmir, que foi convencido a transformar seu terreno numa espécie de clube para as crianças usando o Pet como moeda de troca.

Nada capitalista
O projeto de Valmir se estrutura da seguinte forma: na varanda de casa, em Vila Araci, acontecem as oficinas de artesanato que usam garrafas Pet como matéria-prima. Os jovens aprendem a fazer vassouras, porta-retratos, caixinhas, móveis e diversos utensílios de plástico.

Em outro terreno, no bairro Imbariê, três pessoas trabalham na prensagem de garrafas que serão vendidas ou usadas no artesanato. O material coletado vem de doações, é comprado de catadores da própria comunidade ou chega como a tal moeda de troca das atividades de lazer e esportivas das crianças.

"Indiretamente, o projeto envolve toda a comunidade. As crianças, por exemplo, doam garrafas para participar de torneios de futebol e de outras iniciativas", diz o baiano. Ele preferiu assumir a coordenação das atividades de artesanato – que considera "a parte social" do projeto. É com a venda do material prensado, porém, que eles custeiam grande parte das ações.

“Percebi que esse lado mais capitalista não era comigo porque eu tenho o coração mole, quero ajudar todo mundo e então tava dando prejuízo", conta, sorrindo. Para colocar seus objetivos em prática, Valmir mobilizou um grupo de amigos. Eles hoje apostam na reciclagem para ampliar os horizontes de 12 jovens.

Biblioteca 24 horas
Do trabalho de reciclagem para a invenção de uma biblioteca foi um pulo. "O terreno da biblioteca era para funcionar como uma espécie de sede do trabalho de educação ambiental do Programa de Despoluição da Baía de Guanabara. Lá tinha dois conteiners: um ia virar um escritório e o outro era para ser um banheiro. No lugar ia ter trator, máquina compactadora, caminhão. Mas como de 1998 até 2000 a idéia não foi adiante, utilizamos o espaço, com o consentimento da prefeitura, para fazer a biblioteca", diz Valmir.

Meio ambiente e educação tem tudo a ver para o grupo de Valmir, que conta com o montador Marco Antônio Onório, 38 anos, o Marcão, o motorista rodoviário Roberto Correia, 42, o comerciante Jaime Oliveira Moraes, 28 anos, e o vigia Murilo Filho, 30. "Isso tudo faz parte de um único esforço para desenvolver a comunidade. A gente sabe que mudar totalmente é difícil, mas dá para melhorar", observa Marcão. Valmir ressalta que a biblioteca serve de incentivo para os jovens que trabalham em seu projeto de reciclagem.

"Uma das minhas exigências é que os participantes estudem, então eles encontram inspiração na biblioteca. O índice de pessoas passando de ano está melhorando muito aqui na comunidade. Em quatro anos, se Deus quiser, está todo mundo na faculdade", aposta.

Primeiro livro veio do lixo
De acordo com os amigos, a biblioteca conta com cerca de 3 mil livros – didáticos, de ficção, revistas - em sua maioria, doados por pessoas da própria comunidade. “A primeira pessoa que fez a doação era analfabeta, trabalhava como catadora e achou no lixo uma caixa com uns 50, tinha até uma Bíblia. Isso serviu de incentivo para a gente continuar”, conta Valmir.

A iniciativa faz o bombeiro perder horas de sono. “Quando não estamos aqui no conteiner, os garotos vão na porta da nossa casa pedir pra gente abrir. Legal, né? Biblioteca 24 horas", diz ele, entre irônico e animado. O projeto de Valmir e de seus amigos ganha cada vez mais novos adeptos.

Uma das mais recentes integrantes é a artista plástica Cristina Silva, 36 anos. Moradora de Nova Iguaçu (Baixada Fluminense), duas vezes por semana ela toma o rumo de Parada Angélica para repassar aos jovens o que sabe sobre artesanato com Pet. “Temos que juntar esforços”, afirma.

TV ensinou a reciclar
A idéia de trabalhar com reaproveitamento de garrafas Pet surgiu há cerca de três anos, quando Valmir assistia a um programa na televisão. “Vi uma pessoa ensinando como se fazia vassoura com garrafa Pet. Nem deu pra pegar direito, tentei várias vezes e fui aperfeiçoando com a ajuda dos amigos”, conta. No princípio, os jovens ganhavam R$ 10 para cinco meses de trabalho. Hoje sua renda mensal chega a R$ 150. Já o pessoal que trabalha na prensagem tira R$ 300 por mês.

O projeto conta com apoio da Recicloteca – Centro de Informações sobre Reciclagem e Meio Ambiente, que através do Programa Reciclagem Solidária fez a doação de duas prensas e oferece seu espaço, em Laranjeiras (Zona Sul do Rio), para a venda das peças de artesanato. Elas também são vendidas em eventos e por meio de encomendas.

“Agora, por exemplo, vamos fazer móveis para uma vídeo-locadora e precisaremos ampliar o grupo”, calcula Valmir. Para viabilizar o projeto, o bombeiro se uniu a ONG Casa da Juventude e montou o que ele chama de um ‘núcleo independente’. Assim, tornou-se o diretor-executivo do núcleo Parada Angélica da ONG.

Projeto João de Barro
Valmir ressalta que seu projeto conta com apoio do artista plástico Deneir Martins, que coordena o Projeto João de Barro, no Ciep Nação Yanomami. “O projeto oferece para as crianças oficinas gratuitas de artesanato em barro. Trabalhamos sempre em parceria”.

No artesanato com Pet, enquanto as meninas trabalham nos adereços – arranjo de flores, porta-cartão – os meninos confeccionam os móveis. "Eles ficam com a parte bruta", brinca o baiano. Os preços dos produtos variam de R$ 5 – uma vassoura - a R$ 250 - um sofá de dois lugares. Sua experiência anterior como presidente da Associação de Moradores de Parada Angélica foi importante para levar adiante o projeto.

“Na Associação a gente tinha que fazer um pouco de tudo. Fui até nas rádios comunitárias pedir pelo saneamento. Hoje eu sei que precisamos ter iniciativa, porque não vem projeto social pra cá. Quando vem, não leva em conta o que já estamos fazendo. Por isso, vamos começar a politizar as pessoas para que saibam dos seus direitos", afirma.

Ele nega, porém, sua liderança no grupo de benfeitores de Parada Angélica: “Aqui todo mundo faz de tudo. Só que no grupo são todos bichos do mato, então só eu que falo”, explica, modestamente.

As informações são do site EcoPop.

 
 
 

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