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A porção colorida do Brasil

No início de sua carreira de arte-educador, Eymard Ribeiro ensinava doentes mentais a fazer desenhos em muros do manicômio. Depois preferiu a loucura das ruas.

Estudante do mestrado de artes plásticas da Universidade de São Paulo, ele agora transforma becos e vielas em salas de aulas a céu aberto - são espaços deteriorados que, aos poucos, vão ganhando cor e forma.

Nesses laboratórios urbanos, ele orienta grafiteiros a refinar seu traço e pichadores a ir além dos garranchos, introduzindo-os, por meio de vídeos, de livros e de exposições, nos encantos dos mestres da pintura. Mostra-lhes imagens que nunca viram e que, provavelmente, não veriam em suas escolas, nas quais, na maioria das vezes, são tidos como indisciplinados, desatentos ou maus alunos. Imprestáveis, para resumir. Aprenderam a descontar o ressentimento nos garranchos públicos.

A experiência acabou por atrair os ídolos da "grafitagem" de São Paulo, transformados em monitores informais, dispostos a compartilhar com os mais novos as técnicas que desenvolveram.

O movimento desses artistas de rua espalhou-se entre autoridades públicas, desnorteadas diante da onda de pichações na cidade. A CPTM (Companhia Paulista de Transportes Metropolitanos) convidou-os a embelezar as estações de trem, freqüente alvo do ataque de pichadores. Ao mesmo tempo, várias administrações regionais oferecem espaços para sua intervenção.

"É incrível a evolução dos talentos quando nutridos com informação", analisa Eymard, que, na semana passada, foi convidado a levar um grupo de grafiteiros brasileiros a Nova York para fazer uma intervenção no Museu Guggenheim, um dos templos da arte contemporânea. A idéia é que eles façam um mural em conjunto com grafiteiros nova-iorquinos.

O convite foi feito pelo banqueiro Edmar Cid Ferreira, um dos principais responsáveis pela criação da Mostra do Redescobrimento, que, hoje, está à frente de um plano para descobrir e ajudar talentos artísticos na periferia de São Paulo; o projeto inicia-se no bairro de Capão Redondo, uma das regiões mais violentas do país.

Numa espécie de incubadora, ele está colocando artistas, entre eles Eymard, para ajudar pintores e escultores, dando-lhes visibilidade, até mesmo internacional, numa exposição coletiva -o que pode significar, claro, dinheiro. "Quantos Picassos não estão escondidos à espera de alguma chance?", pergunta Edmar.

Uma incubadora de talentos esquecidos nas regiões periféricas, transformação de pichadores em urbanistas, becos que viram escolas, grafiteiros de Nova York pintando em conjunto com grafiteiros brasileiros no Guggenheim são traços de um desenho maior: a efervescência colorida da sociedade em contraposição à mesmice dos governantes -de tons cinzentos e escuros.

Se existe algo a ser comemorado na tragédia da crise de energia é o aprendizado da responsabilidade coletiva. Na semana passada, divulgaram-se dados mostrando que o nível dos reservatórios não está caindo - sinônimo de menor risco de apagão.

O fato é que o poder público gerou o risco de apagão - por uma sucessão de omissões, incompetências e irresponsabilidades -, e a sociedade veio com a solução. Enquanto isso, os candidatos à Presidência, de Lula a Itamar, passando por Ciro Gomes, esforçam-se em tirar proveito da crise que colocou Fernando Henrique Cardoso nas sombras.

Assiste-se, ao mesmo tempo, à escassez de energia e a um dos apagões mais crônicos da história do Brasil: a seca. Ambos provocados não pela escassez de água, mas pela falta de seriedade. Voltamos a presenciar turbulências econômicas agudas, com explosões do dólar; parte delas é fabricada lá fora, mas boa parte foi provocada por desacertos dos governos.

A todo instante, testemunhamos pequenos, grandes e médios exemplos desse tipo de falta de seriedade. Um microexemplo da semana passada: o paladino da moralidade, Itamar Franco, flexibilizou as normas e promoveu sua namorada e ajudante-de-ordens, Doralice Leal, que saltou do posto de capitão para o de major. Passou na frente de outros 176 oficiais que estavam na fila.

Candidato a presidente com o apoio dos evangélicos, Antonhy Garotinho montou projeto de assistência social -com distribuição de recursos por meio das igrejas evangélicas.

Eleger Jader Barbalho, cercado de tantas denúncias, para presidente do Senado, foi quase uma provocação. Colocar Gilberto Mestrinho para presidir o Conselho de Ética do Senado, uma brincadeira de mau gosto.

Várias cidades, a começar de São Paulo, estão falidas, dilapidadas por seus governantes. Os Orçamentos federal, estadual e municipal estão contaminados pelo tamanho da folha de pagamento do funcionalismo. Gasta-se cada vez mais com os funcionários aposentados, uma das bombas-relógio do país.

Contrastando com a repetição burocrática, empresas, sindicatos e indivíduos se envolvem num movimento - jamais visto no país - de ações voluntárias e de patrocínio de programas sociais. Não há hoje sequer uma grande empresa sem um projeto comunitário.

Jovens executivos, conforme mostram as pesquisas, preferem trabalhar em empresas com programas de responsabilidade social - e o próprio consumidor começa a escolher produtos com base nesse critério. Na semana passada, por exemplo, a Embraer anunciou que vai montar escolas- modelo gratuitas em todo o país; a experiência deverá começar em São José dos Campos, onde está sua sede.

O Brasil é, hoje, um grafite no qual uma das partes tem cor - e o resto são sombras.

PS -Como saio de férias, esta coluna deixa de ser publicada nas duas próximas semanas

 
 
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