O
debate sobre "Tapa na Cara" não é
fútil nem cretino
No dia
17 deste mês, um sábado, um grupo de 17 adolescentes
da periferia de Salvador, todos estudantes de escola públicas,
misturou as ruas e o palco de teatro, confundindo ficção
e realidade.
Naquela
noite, eles encenaram a peça "O Cidadão
de Papel", trazendo para o palco a falta de respeito
cotidiana e a violência; o texto foi escrito, durante
oito meses, a partir de suas experiências durante oito
meses.
Aplaudidos
de pé, eles, vítimas cotidianas da falta de
cidadania e do anonimato, saíram do teatro e comemoraram
o reconhecimento numa pizzaria.
Quando
voltavam numa perua para casa, entraram, de novo, num inesperado
palco: gangues os apedrejaram, sem nenhum motivo, apenas por
prazer. Tiveram de sair correndo e refugiar-se numa delegacia.
Era como
se a peça não tivesse terminado -ou se a realidade
não tivesse sido interrompida quando subiram ao palco.
A força do símbolo está no fato de que
eles montaram a peça para encená-la nas comunidades
mais violentas de Salvador.
Daí
se vê que faz sentido o tema do Carnaval da Bahia este
ano ser a paz, numa reação à disseminação
da violência. Mas, ironicamente, a coreografia mais
controvertida é "Tapa na Cara", na qual o
namorado sugere a bofetada na namorada. Previsível
que a coreografia provocasse brigas de verdade, num ambiente
já contaminado.
Instalado
o debate sobre a música, muita gente considerou idiotice
e futilidade criticar a inocente coreografia que, diga-se,
não teve a menor intenção a não
ser alegrar. Mas não é idiotice nem futilidade.
Educação
para a cidadania é, essencialmente, educação
para a paz, o respeito na convivência. Na cidadania
de papel a violência converte-se numa linguagem, um
código, um mecanismo de comunicação.
Não
se pode perder uma única chance para tentar mostrar
que a violência, mesmo aquela ingenuamente apresentada
e cantada, é condenável - e o debate sobre "Tapa
na Cara" é uma delas.
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