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Do
Morumbi ao Carandiru
A
bordo do automóvel que o leva para casa, o indivíduo,
estressado, imagina-se imerso na banheira de hidromassagem,
de cabeça recostada, as costas recebendo os jatos quentes;
no aparelho de som, música relaxante, na mão
um copo de uísque com gelo.
Para não
perder tempo, ele aciona, do carro, comandos do telefone celular,
emitindo sinais que regulam a temperatura da água,
escolhem o CD e acionam o ar-condicionado do quarto.
Essas
cenas de filme de ficção científica podem
ser experimentadas, até o final de ano, pelos que se
dispuserem desembolsar R$ 1,9 milhão para morar num
condomínio em São Paulo, cujas casas serão
controladas à distância pelo celular. Em vez
de chaves, basta o dedão, e o visor reconhece as digitais.
Apresentado
como o projeto residencial tecnologicamente mais sofisticado
da América Latina, localizado no Morumbi, o condomínio
saiu da prancheta de James Cutler, o arquiteto da futurística
residência de Bill Gates.
Serão
apenas 12 casas com 600 metros quadrados de área construída
e 350 metros quadrados de área verde, cercadas no estilo
das fortalezas medievais dos condomínios. Qualquer
risco -- do ataque de um marginal a um eletrodoméstico
em pane -- será captado pelo celular.
***
Enquanto
os construtores anunciavam, na semana passada, a casa inspirada
em Bill Gates, um outro condomínio, também cercado
por equipamentos de segurança, exibia poderes ainda
mais impressionantes do telefone celular.
Graças
à telefonia móvel, o PCC (Primeiro Comando da
Capital), deslanchou uma rebelião no Carandiru, propagando-a
em mais 29 cadeias, numa articulação jamais
vista pelos policiais. Impressionadas com a versatilidade
do crime organizado, autoridades penitenciárias pediram
socorro à Escola Politécnica de Engenharia,
da USP, para desenvolver um sistema que anule o sistema clandestino
de telecomunicações. "O celular é
mais nocivo do que o estilete", diz o ministro da Justiça,
José Gregori.
***
O elo
de ligação entre os dois, digamos, condomínios,
do Morumbi e do Carandiru, é a rapidez típica
da era da informação: o tempo real em que se
aquece, de longe, a banheira, ou a permitam quadrilhas, encarceradas,
articular rebeliões simultâneas.
A sincronicidade
das rebeliões do Carandiru é uma aula para explicar
por que a crise financeira na remota Turquia, encravada nos
extremos da Ásia e Europa, abala, em segundos, os mercados
de Nova York, chegando ao Brasil. A crise turca estava entre
os principais motivos da explosão do dólar no
Brasil.
Se, porém,
o condomínio do Morumbi está com um pé
na modernidade -- ou o que se rotula de modernidade -- o do
Carandiru é o que de pior carrega-se do passado, marcado
pela aguda exclusão social.
***
Nas campanhas
eleitorais, anunciou-se a desativação daquele
complexo penitenciário, cujos prédios estão
associados às imagens de perversidade, humilhação,
corrupção e ineficiência. Como o Brasil
-- especialmente as periferias dos grandes centros transformou-se
numa incubadora de marginais, prende-se menos gente do que
se deveria, devido à incompetência policial e
à lentidão do Judiciário.
Mesmo
assim, o crescimento do número de aprisionados, em
São Paulo, exigiria que, a cada mês, fosse construída
uma nova cadeia com 800 vagas. Gastariam-se mais recursos
com a edificação de novas prisões do
que de escolas. Como fechar as 7.000 vagas do Carandiru se
os distritos estão entupidos, com cenas que o aproximam
de um campo de concentração?
***
Assemelhados
na era da informação e distantes no tempo social,
os dois condomínios se completam na lógica da
exclusão. Para que tão poucos tenham direito
de gastar tanto numa casa e dispor de banheiras controladas
pelo celular, a sociedade tem, necessariamente, de produzir
muitos que vivem com tão pouco -- e vão oferecer
os futuros moradores dos presídios, que fazem do telefone
um estilete.
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PS - Por
falar em exclusão e tecnologia, o presidente Fernando
Henrique Cardoso anunciou, na segunda-feira passada, o investimento
de R$ 1 bilhão para informatizar escolas do ensino
médio - o que, na prática, significa colocar
o estudante na internet.
Até
agora, o que se vê, em todo o país, com poucas
exceções, é mais rapidez na compra de
máquinas do que em treinamento de professores. Máquina
moderna e professor destreinado são sinônimos
de dinheiro jogado fora. Muitos laboratórios de informática
nas escolas ficam fechados, subutilizados ou mal-usados por
falta de profissionais capazes de absorver novas metodologias
pedagógicas.
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