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22/10/2000 - 08h36

Adaptação ao lápis leva dois meses em Alagoas

GABRIELA ATHIAS, da Folha de S.Paulo
enviada especial a Alagoas

"Dona Cícera Maria da Conceição Silva é uma grande mulher: teve 24 filhos", afirma a professora do Alfabetização Solidária. "Destes, 11 morreram. Quantos viveram?", pergunta ela.

A turma, formada principalmente por agricultores de 38 a 70 anos, responde em coro: "13". "E por que a dona Cícera é uma grande mulher?", quer saber a professora. Novamente em coro, os alunos respondem: "Porque ela teve 24 filhos".

A sala de aula, localizada no distrito de Serra da Fazenda, é uma das três mais distantes da sede do município de Belém, no agreste alagoano.

Em Belém, a maioria dos alunos que ingressa no Alfabetização Solidária é completamente analfabeta. De acordo com o relatório do período de julho a dezembro do ano passado, nenhum deles conhecia o alfabeto.

Ao final dos cinco meses de aula, o número de alunos capacitados a ler e a escrever textos básicos foi próximo de zero. Ao final do curso, a maioria dos alunos apenas lê e escreve palavras soltas. Somente 20% conseguem ler e escrever frases.

A coordenadora do Alfabetização Solidária no local, Maria José Pinto da Silva, professora há 33 anos, afirma que os agricultores levam dois meses para "ter intimidade" com o lápis.

"Coordenação não vem de um dia para o outro", diz. "A mão dessas pessoas é dura de tanto trabalhar na roça."

Para chegar à sala de aula de Serra da Fazenda, que a partir das 19h recebe iluminação de lampião a gás, professora e alunos que moram na zona rural andam entre 30 e 40 minutos pela mata.

Os alunos iluminam o caminho com candeeiros _latas com um pavio alimentado por querosene. Para fazer com que os alunos percebam os resultados das aulas, a coordenadora Maria José orienta os alfabetizadores a trabalhar com rótulos de alimentos.

Ela também ressalta que os alfabetizadores devem estimular os alunos a descobrir a importância de identificar palavras a partir das duas primeiras letras.

"Quando eles chegam na pista para pegar o ônibus, o que vem escrito 'Pa' vai para Palmeira dos Índios, o 'Sa' para Santana e o 'Ca' para Cacimbinha", diz Maria José, que já foi professora do Mobral e da Fundação Educar.

Desde agosto de 98, quando começaram as aulas do Alfabetização Solidária em Belém, passaram pelas salas de aula 1.532 alunos.

Segundo o censo de 91, dos 6.800 habitantes, 3.600 eram analfabetos naquele ano. Atualmente, eles seriam apenas 2.000, segundo dados informais coletados na cidade por recenseadores do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).

Como não houve outra campanha de alfabetização no município, a redução estatística do analfabetismo provavelmente é uma decorrência do programa.

"Para mim, como educadora, essas pessoas continuam analfabetas", afirma Maria José, que ressalta a necessidade da continuidade dos estudos.

Neste ano, Belém passou a ter cursos supletivos de educação de jovens e adultos. O problema é que pelo menos 60% dos ex-alunos do Alfabetização perderam o contato com os professores ou desistiram dos estudos.

Em Coité do Nóia, também do agreste alagoano, a situação é semelhante: neste ano, o município passou a contar com salas de continuidade de 1ª e 2ª séries, mas a maioria dos alunos do Alfabetização não conseguiu prosseguir os estudos.

A coordenadora local, Josefa Elza da Silva, autoriza o aluno a frequentar dois módulos seguidos do Alfabetização quando ele tem vontade de continuar a estudar.

A gari Maria José da Silva Santos, 43, de Coité do Nóia, conta que adorava ir para as aulas de alfabetização. "Minha vista nem queimava muito", afirma, numa referência a sua miopia.

Ao passar para a classe de 1ª série, começou a sentir cansaço e uma "queimação terrível na vista". Por isso não foi mais à aula.

No Alfabetização, Maria José aprendeu a ler mais rápido do que já sabia. "Agora não me perco mais por aí." Mas ela não conseguiu aprender a escrever.

O número de supletivos vem aumentando. Em 95, segundo Regina Esteves, coordenadora do Alfabetização Solidária, existiam no país 33 projetos de educação de jovens e adultos, todos coordenados por prefeituras.

Neste ano, segundo ela, os municípios já enviaram 1,4 mil projetos ao Ministério da Educação.

Stella Piconez, da USP (Universidade de São Paulo) e uma das coordenadora do Alfabetização Solidária, diz que, de modo geral, os supletivos de adultos são uma "excrescência": "Os professores querem tratar os adultos como se fossem crianças. Não dá certo."

Leia também:


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