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Nelson de Sá
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  21 de junho
  O fim do crítico
 
Não sou mais crítico de teatro, depois de dez anos corridos. O que aconteceu nesses dez anos? Em primeiro lugar, aquelas palavras tão caras ao pós-modernismo, "diversidade", "fragmentação", pautaram o teatro. Institucionalizaram-se, a ponto de de Décio de Almeida Prado me dizer, um dia, num longínquo 1993:
_ O teatro andava aos trancos e barrancos, mas estava sempre progredindo. Agora entrou em nova fase, que pode ser de negação do que aconteceu, o que é normal. Mas eu não sei. Por um lado, o êxito comercial é maior. Por outro, eu sinto uma variedade muito grande de programas. Cada companhia, cada ator visa um determinado fim. Não há uma idéia coletiva, como havia no meu tempo e facilitava muito a crítica.
Não foi fácil atravessar dez anos sem paradigmas, sem as "idéias coletivas". No mosaico que foi a última década no teatro, no Brasil como no mundo, entre as muitas linhas que podem ser seguidas, duas são mais persistententes. De um lado, os experimentos multifacetados e tantas vezes brilhantes de diretores como Zé Celso e Antunes Filho, Gerald Thomas e Antônio Araújo.
De outro, a sobrevivência de um teatro comercial da pior espécie, com nomes da televisão sustentando peças que só são dadas como teatro por boa vontade. Quadro semelhante se firmou nos Estados Unidos, por exemplo, com a entrada das corporações na Broadway e a diversificação em diretores como Richard Foreman e George C. Wolfe.
Mas não, a última década foi tão mais do que isso. Foram instantes, cenas, passagens únicas, que é o que o teatro dá _e o crítico, quando bom espectador, identifica e reporta.
Um instante desses: Zé Celso, como o rei troiano Príamo, em "Ham-let", tem a cabeça decepada pelos invasores gregos. Por um momento, Tróia como que suspira e contém o braço do guerreiro grego, mas ele, afinal, cai. Em qualquer montagem de "Hamlet", até no cinema, essa cena é desde então a minha favorita, seja com quem for, até Charlton Heston.
Outra passagem: Bete Coelho atravessa o palco, a caminho de outro momento de decapitação, como Cacilda em "Cacilda!", aos gritos patéticos de aplausos _aplausos para Cacilda Becker, atriz morta, já esquecida por tantos. Aplausos para Cacilda!
Outra cena: Luís Melo tenta saltar aos céus, no final de "Vereda da Salvação", assassino de criança, mas ingênuo, trágico. Outra: Matheus Nachtergaele, fazendo Jó, coberto de chagas da peste, no caso, a Aids, defende Deus a seu amigo que duvida, questiona.
Não vou relatar as dezenas de cenas assim, que fizeram meus dez anos de crítico. Até porque elas não existem mais. Teatro é para quem está lá, naquele instante da existência, nenhum outro.


Também não escrevo mais a coluna No Ar, que por iguais dez anos foi a contraface política da minha crítica de teatro. Começou com a primeira eleição presidencial depois de trës décadas _e com o impacto do grande ator instintivo, voraz, dionisíaco, que era Fernando Collor.
Seguiram-se as atuações mais dirigidas de Paulo Maluf, pelo célebre Duda Mendonça, e de Fernando Henrique, por Nizan Guanaes. Hoje são todos atores com seus encenadores profissionais, de Marta Suplicy a Mário Covas. A coluna foi além das eleições em seu retrato do "grande teatro do mundo". Um dia eu ainda vou reunir os pedaços, os fragmentos dessa realidade que eu vi, na televisão.
Mas isso tudo é passado. O que importa agora é saber ser se depois de décadas de império do pós-modernismo e da globalização, do neoliberalismo e das corporações, a cultura está se movendo em outros caminhos. Eu não sei a resposta, estou começando a perguntar.


Leia colunas anteriores
07/6/2000 - Vaga-lume de teatro
31/5/2000 -
Desenhos do mundo
24/5/2000 - Como escrever para a web
17/5/2000 - Os patrulheiros
10/5/2000 - Eu, eu, eu



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