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O
que mais intrigou, na Parada Gay, Lésbica etc., foram as bandeiras
do PSTU. Elas forneceram a prova visual de que ações sociais e políticas
as mais diversas começam a se aglutinar, seguindo uma força pouco
definida de construção de comunidade _alguns diriam de reconstrução
de coletividade. Havia outros sinais, por exemplo, famílias inteiras
passeavam, mas esse foi de longe o mais curioso: o que faziam os
neocomunistas numa passeata de transgêneros?
No dia seguinte, foi a vez de se reunirem Zé Celso e Iná Camargo
Costa e toda a pizzaria neocomunista _na piada de Paulo Arantes_
em pleno teatro Oficina. O que eles têm em comum? Para quem olha
de fora, como eu, nada. Nem mesmo a oposição à "barbárie", pregada
no manifesto que divulgaram. Mas eles se encontram, eles conversam,
tentam achar discursos convergentes.
O modelo, é forçoso repetir, está na Seattle de seis meses atrás.
A manifestação contra a Organização Mundial de Comércio foi preparada
e alimentada por movimentos os mais esdrúxulos, à primeira vista.
Do Brasil, por exemplo, participaram da organização a União Brasileira
de Mulheres e a Agência de Notícias Anarquistas. Ao lado deles,
sindicatos norte-americanos e entidades de agricultores franceses.
E toda a velha esquerda marxista, é claro _o que restou dela.
O que os neocomunistas pretendem ao se integrar aos novos movimentos
babélicos foi expresso pelo americano Fredric Jameson há três semanas,
no Rio, na Agenda do Milênio da Unesco. "Por enquanto", disse ele
candidamente, "nós podemos usar a palavra utópico para designar
todos os programas e representações que expressem, ainda que de
forma distorcida e inconsciente, as demandas de uma vida coletiva
que virá". Em outras palavras, "por enquanto", vale a diversidade.
Expressões como "ditadura do proletariado" parece estar hibernando,
ameaçadoras, esperando para voltar. Mas talvez a história não se
repita, afinal. Em Seattle, na Parada Gay, nos índios de Porto Seguro,
até mesmo no movimento Arte contra a Barbárie _em tudo se vai desenhando
um acontecimento novo. São novos protagonistas e não, por favor,
meras "representações distorcidas e inconscientes" da utopia comunista
do século 19.
Nessa direção, são muito significativas as questões de Verena Glass
a João Pedro Stedile, na longa entrevista recém-publicada pela revista
Caros Amigos. Uma pergunta e uma resposta, editadas:
Verena Glass - O trabalho do MST é parecido com o de Chiapas, em
termos de organização popular. Ao mesmo tempo, a gente vê grandes
manifestações como Seattle, como na Suíça, em que, sem as grandes
lideranças políticas, a coisa está acontecendo. São dois movimentos
que norteiam um outro tipo de pensamento em nível mundial. Você
acha que está havendo o nascimento de uma outra postura política,
digamos de esquerda, que não depende das grandes cartilhas, de pensadores
políticos como Marx, que cresce de baixo?
João Pedro Stedile - Há uma crise de articulações internacionais,
uma crise nas elites. Todos os organismos de goveno estão desmoralizados.
Alguém acredita na ONU? Alguém acredita na OMC? Ninguém acredita.
Há uma crise também nas organizações tradicionais de esquerda. Aquelas
centrais sindicais mundiais, ninguém dá bola. As internacionais
de partidos, também, ninguém dá bola. Então, concordo contigo, a
gente sente que está começando a haver sintomas da crise dessas
formas tradicionais de articulação internacional. Não se sabe ainda
qual é a tendência que vai pegar dessas (novas) articulações, que
são fruto de lutas concretas. Nesse sentido, o que aconteceu em
Seattle e vai acontecer em outros lugares é um prenúncio de novas
formas de articulação internacional.
Leia colunas anteriores
21/6/2000 - O fim do crítico
07/6/2000 - Vaga-lume de teatro
31/5/2000 -
Desenhos do mundo
24/5/2000 - Como escrever para a
web
17/5/2000 - Os patrulheiros
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